
Uma cidade-m�quina futurista chamada Metr�polis comandada por uma elite parasita que vive na superf�cie e controla e explora a classe oper�ria, sufocada no subterr�neo. O roteiro b�sico � do filme do cineasta alem�o Fritz Lang (1890-1976), lan�ado em 1927 e considerado um marco m�ltiplo do cinema, principalmente do expressionismo alem�o, pela inova��o das t�cnicas de filmagem e tamb�m ber�o da fic��o cient�fica nas telas. Essa obra cl�ssica do cinema mudo � conhecida de qualquer cin�filo ou amante de cinema. Mas por tr�s dela existem hist�ricas pol�micas desconhecidas do grande p�blico: a vida e o talento da roteirista, atriz e escritora alem� Thea von Harbou (1888-1954). Casada com Lang, ela fez o roteiro do filme e ainda antes da primeira exibi��o em 1927 lan�ou o livro Metr�polis em 1926, que estava at� hoje in�dito no Brasil, mas chega agora em edi��o de luxo, com textos extras e ilustra��es do filme, com capa preta dura, pela Editora Aleph, traduzida diretamente do alem�o, com coment�rios da edi��o, detalhes da vida do casal e cr�ticas e pol�micas da �poca de personalidades conhecidas, como o cineasta espanhol Luis Bu�uel (1900-1983) e o escritor brit�nico H. G. Wells (1866-1946).
A hist�ria se passa em 2026 – um s�culo ap�s a produ��o –, quando ricos industriais governam a grande cidade de Metr�polis, de arranha-c�us, e oper�rios subterr�neos trabalham constantemente nas m�quinas que geram energia para a cidade. O dono de Metr�polis � Joh Fredersen. Seu filho Freder, que leva a vida praticando esportes, � surpreendido pela chegada da jovem Maria, que traz um grupo de crian�as pobres para conhecer o estilo devida de luxo dos ricos. Freder fica fascinado por Maria e desce para a cidade dos trabalhadores para encontr�-la, mas tem outra surpresa.
Fritz Lang foi precursor do cinema mundial n�o s� por Metr�polis, sua obra m�xima, mas outras emblem�ticas, como M, o vampiro de Dusseldorf e A mulher na luta, tamb�m roteirizadas por Thea. Metr�polis trata da urbaniza��o acelerada e da mecaniza��o do trabalho com acirramento das desigualdades sociais dentro de uma cidade opressora. Hoje, visto a dist�ncia, � considerado cl�ssico precursor do cinema mundial, mas causou pol�micas na agora long�nqua d�cada de 1920.
Metr�polis foi escrito inicialmente em forma de roteiro para cinema por Thea e depois romanceado apenas quando o filme de Lang j� estava pronto. De encher os olhos e contundente para a �poca, por causa do tema de embate social, e muito longe ainda da cria��o da computa��o gr�fica, a obra impressiona pela esplendora narrativa audiovisual em preto e branco, grandiosidade de planos e cen�rios, as interpreta��es caricaturais t�picas do expressionismo e o tempo que consumiu. Foram 17 meses de filmagem, milhares de figurantes, inclusive dezenas de crian�as, considerada a produ��o mais cara da �poca.
Se hoje � quase unanimidade, n�o escapou de cr�ticas ap�s o lan�amento. Parte da intelectualidade de esquerda atacou. O cr�tico Axel Eggebrecht desdenhou do filme por exaltar o “misticismo social” e negar a “l�gica inabal�vel da luta de classe”. Filme e livro tamb�m foram acusados por apontar tend�ncias “reacion�rias” e at� “protofascistas”. “A representa��o dos trabalhadores em Metr�polis como escravos descerebrados que se tornam destrutivos foi comparada aos ideais neoconservadores da �poca que pregavam o retorno de uma ordem social estruturada em hierarquias que traria as massas descontroladas de volta aos trilhos”, afirma a cineasta Marina Person, em texto inclu�do na obra lan�ada no Brasil.
O editor de fic��o cient�fica em l�ngua alem� Franz Rottensteiner lembra na edi��o brasileira a rea��o do cineasta espanhol Luis Bu�uel. “Ele o chamou de uma ‘hist�ria trivial e bomb�stica, inc�moda e de um romantismo estagnado’, mas, em contraste, em sinfonia emocionante de movimento! Como as m�quinas cantam em meio a maravilhosas proje��es, coroadas de triunfo por descargas el�tricas! Todo o cristal do mundo, dissolvido nos mais sensacionais reflexos de luz, flui nessas can��es da tela moderna. O brilho cintilante e o reluzir do a�o, a intera��o r�tmica de rodas, pist�es e composi��es mec�nicas inimagin�veis at� ent�o; uma ode indescritivelmente bela, uma poesia complementar nova para os nossos olhos. Por um milagre, f�sica e qu�mica se transformam em ritmo”, afirmou Bu�uel.
Em contraponto, o brit�nico Herbert George Wells, conhecido como H. G. Wells – autor dos cl�ssicos A guerra dos mundos, A m�quina do tempo, A ilha do dr. Moreau e O homem invis�vel – n�o perdoou. Ele publicou cr�tica no The New York Times, em 17 de abril de 1927, e chamou o filme de “extremamente idiota”. Rottensteiner explica: “Wells critica negativamente o filme/romance por sua estrutura vertical, pela falsa imagem de uma cidade moderna. Bem acima vivem o capitalista-chefe Joh Fredersen e os ricos ociosos com suas divers�es luxuosas, como no Clube dos Filhos e em seus Jardins Eternos, enquanto l� nas entranhas da cidade os trabalhadores, escravos sem direitos, se esfalfam em turnos de dez horas sob a ditadura do rel�gio. Wells argumenta racionalmente que exatamente � a mesma estrutura vertical do romance mencionado (ou de A m�quina do tempo, no qual os morlocks, descendentes dos antigos trabalhadores industriais, vivem em profundidades ct�nicas, enquanto os elois, semelhantes a borboletas, se refestelam nos dom�nios ensolarados) e que n�o corresponde ao desenvolvimento urbano real. Embora os centros de neg�cios e entretenimento possam se elevar �s alturas, a popula��o est� se mudando para a periferia para que os fabricantes possam ficar mais ricos, precisa haver algu�m para comprar os produtos manufaturados. Trabalhadores escravos empobrecidos de forma alguma podem ser consumidores”, ressaltou o autor ingl�s.
ADMIRA��O DE HITLER
Apesar de seu talento criativo como escritora e roteirista, Thea von Harbou acabou eclipsada pelo nazismo. Envolvida pelo nacionalismo contagiante da Alemanh� das d�cadas de 1920 e 30, ela se filiou ao Partido Nazista em 1932 e ainda assumiu a presid�ncia da Associa��o Alem� de Filmes Falados, alinhada � C�mara de Cultura do Reich. O pr�prio Adolfo Hitler considerava Metr�polis um “filme extraordin�rio, que enfatizava o triunfo de uma comunidade mediante o surgimento de um l�der messi�nico. � mais do que prov�vel de que ele se identificasse com o her�i do filme, o jovem Freder, comparando os objetivos do seu pr�prio movimento nazista com a pseudoliberta��o alcan�ada pelos trabalhadores quando eles voluntariamente se curvaram para aceitar o governo de Fredersen”, conta Marina Person.
A parceria e o casamento de Lang e Thea teriam terminado por causa do ass�dio nazista. Goebbels, o ministro da propaganda da Alemanha, teria convidado o casal para trabalhar com ele. Entre diferentes vers�es, inclusive de trai��es conjugais m�tuas, o fato � que Lang abandonou a Alemanha em 1934 e foi morar em Paris, deixando Thea para tr�s envolvida com o nazismo. Depois da guerra, Thea foi presa e for�ada a trabalhar em um campo brit�nico para recolher escombros do conflito. Ela teria alegado em depoimentos que sua colabora��o com o nazismo foi apenas fachada para ajudar imigrantes indianos – ela tinha uma amante de nacionalidade indiana – a fugir da Alemanha. Lang nunca voltou � Alemanha. Seja qual for a verdade, Thea von Harbou deu contribui��o inestim�vel para o cinema com seus romances roteirizados para o cinema. Metr�polis, livro e filme, mesmo com defeitos, � uma obra admir�vel em todos os contextos.
TRECHO DO LIVRO
“Maria n�o se atreveu a se mover, nem sequer se atreveu a respirar. N�o fechou as p�lpebras, tremendo de medo de que em um piscar de olhos pudesse surgir e alcan��-la um novo terror. Ela n�o sabia quanto tempo havia passado desde que as m�os de Joh Fredersen se fecharam ao redor da garganta de Rotwang, o grande inventor. Os dois homens estavam nas sombras; e, ainda assim, parecia � garota que os contornos de suas duas figuras permaneciam como linhas de fogo na escurid�o: a for�a de Joh Fredersen em p�, que lan�ava as m�os como duas garras, o corpo de Rotwang, que pendia e era arrastado para longe por essas garras, cruzando finalmente uma porta que se fechara atr�s dos dois. O que estava acontecendo por tr�s dessa porta? Ela n�o ouvia nada. Espreitava como todos os seus sentidos, mas n�o ouvia nada, nem o menor som. Minutos se passaram, infinitos minutos.... N�o se escutava um som sequer, nem passo nem grito. Ela estava respirando ao lado do quarto onde acontecera o assassinato?”

METR�POLIS
• De Thea von Harbou
• Editora Aleph
• Tradu��o: Pet� Rissati
• 416 p�ginas
• R$ 99,90