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Estado de Minas

Livro que chegou a ser proibido pela Justi�a reconstitui o crime de Suzane von Richthofen

Suzane: assassina e manipuladora, de Ullisses Campbell, conta a hist�ria da menina que usou o namorado para matar os pais e continua a manipular as pessoas na pris�o


postado em 28/02/2020 06:00 / atualizado em 28/02/2020 08:09


(foto: SEBASTIÃO MOREIRA/ESTADÃO CONTEÚDO - 18/7/2006)
(foto: SEBASTI�O MOREIRA/ESTAD�O CONTE�DO - 18/7/2006)

Em 2 de abril, chegar�o aos cinemas dois filmes baseados num dos casos mais emblem�ticos da cr�nica policial brasileira. A menina que matou os pais e O menino que matou meus pais, dirigidos por Maur�cio E�a e que adaptam a hist�ria de Suzane von Richthofen, que, aos 18 anos, participou das mortes dos pr�prios pais, o engenheiro Manfred von Richthofen e a psiquiatra Mar�sia von Richthofen. O casal foi morto na noite de 31 de outubro de 2002, a golpes de barra de ferro na cabe�a, enquanto dormia. Os executores foram o ent�o namorado de Suzane Daniel Cravinhos, e seu irm�o, Cristian Cravinhos, � �poca com 21 e 26 anos.

De acordo com a produ��o dos longas, a proposta de contar a mesma hist�ria sob perspectivas diferentes (ser�o sess�es alternadas nas mesmas salas) � oferecer ao p�blico a chance de analisar e de chegar � pr�pria conclus�o sobre os fatos, j� que, depois de presos, Suzane e Daniel iniciaram uma troca de acusa��es sobre quem foi o verdadeiro mentor dos crimes.
Para o jornalista Ullisses Campbell, por�m, n�o h� qualquer d�vida quanto a isso. Basta uma olhada no t�tulo de seu livro, Suzane: assassina e manipuladora, para perceber que qualquer suposi��o ou m�nimo atenuante de culpa esbarra numa s�lida convic��o de que toda a costura do plano foi feita pela filha, que, dotada de comportamento “insidioso e narcisista”, usou o namorado para matar seus pais. E mais: a partir de informa��es apuradas ao longo de tr�s anos, o autor prova que a mentora dos assassinatos continuou a se valer da ast�cia e da sedu��o, em seu per�odo de c�rcere, para manipular as pessoas segundo seus interesses.

A rea��o de Suzane veio por meio de um pedido de proibi��o de lan�amento ao Tribunal de Justi�a de S�o Paulo, acatado, em novembro de 2019, pela ju�za Sueli Zeraik Armani, que alegou n�o ser a obra “de interesse p�blico” e de trazer “preju�zo irrepar�vel a Suzane von Richthofen”. Foram 37 dias de censura, at� ser derrubada pelo Supremo Tribunal Federal, que fez valer a liberdade de express�o e, de quebra, forneceu � editora um subt�tulo a ser ilustrado na capa como etiqueta de marketing.

“O livro que a Justi�a proibiu”, portanto, n�o traz qualquer depoimento de sua personagem principal, apesar de o autor ter tentado entrevist�-la em tr�s ocasi�es. Sendo assim, Campbell se valeu do mesmo artif�cio usado pelo rep�rter e escritor norte-americano Gay Talese em seu c�lebre ensaio Frank Sinatra est� resfriado. Reza a lenda que Talese insistia numa entrevista com o cantor, mas seus assessores sempre desmarcavam em cima da hora, alegando que ele estava adoentado. A solu��o foi escrever o longo perfil a partir de depoimentos extra�dos de amigos e inimigos de Sinatra, inaugurando o chamado jornalismo liter�rio.

Ou seja: reviver os detalhes dos fatos por meio da colagem de informa��es advindas de uma s�rie de fontes, tendo a fic��o como um tipo de adesivo. Para a formula��o do seu livro, Campbell realizou centenas de entrevistas com personagens que se relacionaram, antes e durante o regime prisional, com Suzane e os irm�os Cravinhos, entre detentos, agentes penitenci�rios, advogados, familiares e amigos, al�m de consultar o processo penal, de aproximadamente seis mil p�ginas. O resultado vai al�m de um documento investigativo, fornecendo ao leitor uma radiografia profunda do caso, na qual se remonta o passo a passo do plano, os detalhes horripilantes da noite do crime, a pris�o e o pagamento da pena, sempre calcados no lado humano dos atores da trama, entre as v�timas e os algozes, da reconstitui��o de di�logos a de seus perfis psicol�gicos.

Cronologicamente, a hist�ria tem in�cio em junho de 1999, quando Andreas, irm�o de Suzane, ganhou um avi�o para pr�tica de aeromodelismo, em seu anivers�rio de 12 anos. Na tarde daquele dia, os pais o levaram at� o Clube Escola de Aeromodelismo, no Parque Ibirapuera, de modo a buscar um instrutor para ensin�-lo a pilotar. Mar�sia queria o melhor, e contrataram Daniel Cravinhos, expert na atividade, com participa��o em competi��es internacionais. Suzane preferiu ficar em casa, mas, quando o pai a obrigou a levar o irm�o nas aulas seguintes, ela conheceu Daniel, com quem mais tarde engataria uma rela��o de apego obsessivo.

O autor narra as min�cias da atra��o, do primeiro beijo, da transa que tirou a virgindade dela, dos encontros inocentes que passaram a ser regados a bebidas alco�licas, maconha e outras drogas. Durante um tempo, Manfred conteve a preocupa��o de Mar�sia, acreditando ser um amor juvenil, por�m, quando o namoro transformou radicalmente o comportamento de Suzane, o ultimato que ele imp�s para o fim acabou sendo o que motivou a sua morte e a de sua esposa.

Aqui, vale destacar o ambiente frio e cheio de regras que era cultivado no lar dos Richthofen. Descendente de alem�es, Manfred seguia at� o ruhetag, tradi��o no qual os domingos s�o reservados ao sil�ncio absoluto. O casal era tamb�m arrogante e se valia do poder financeiro para se enxergar elevado socialmente. Portanto, diante da insist�ncia da filha em manter o relacionamento com um rapaz de classe social mais baixa, desvirtuando o futuro que planejaram para ela, amea�aram mand�-la estudar na Alemanha.

Neste momento, surge a Suzane manipuladora, que arrasta o irm�o para esse mundo de transgress�o e drogas, articulando mentiras e jogando pessoas umas contra a outras. Inteligente, com flu�ncia em tr�s idiomas, prestou vestibular e entrou na faculdade de direito, de modo a construir um �libi para seguir encontrando-se com Daniel, embora garantisse aos pais que tinha terminado o namoro. Uma amiga forjava sua presen�a nas aulas, at� Mar�sia descobrir o esquema e confrontar a filha, que, para se livrar da puni��o, inventou que seu pai mantinha um caso extraconjugal. Mais tarde, na fase em que o plano de matar os pais estava em execu��o, Manfred tamb�m seria falsamente acusado de abuso sexual por Suzane, numa forma de convencer de vez Daniel e Cristian a cometer os assassinatos.

Os cap�tulos seguintes d�o conta da noite do crime e como as a��es dos envolvidos para se distanciar da cena acabaram por aproxim�-los dela. A frieza de Suzane ao receber a not�cia da morte dos pais foi o primeiro sinal de alerta. Dias depois do enterro, ela tamb�m fez um churrasco � beira da piscina, com m�sica alta e drogas, para comemorar seu anivers�rio. Quando interrogados, os namorados disseram que estavam num motel e apresentaram a nota fiscal, numa tentativa grotesca de enganar a pol�cia.

Enfim, uma s�rie de atos pueris e autossabotagens que culminaram na condena��o do trio, amplamente explorada pela imprensa de programas de TV a s�ries documentais. Ent�o tem in�cio o tempo na cadeia, e o livro atinge a sua melhor parte ao reconstituir, com profus�o de detalhes, uma fase da hist�ria at� ent�o invis�vel ao grande p�blico.

Campbell segmenta seu foco de observa��o em tr�s pontos: a descri��o do universo singular da cadeia, a rotina dos condenados e as hist�rias de personagens secund�rios que, de forma direta ou indireta, associaram-se com Suzane e os Cravinhos. � interessante notar, por exemplo, como Suzane entendeu de imediato que precisaria de aliados para sobreviver e, depois, fortalecer-se no c�rcere. Foi assim que escapou de uma rebeli�o, na qual a l�der de uma fac��o criminosa queria mat�-la a todo custo (entre os jurados de morte na cadeia est�o aqueles que assassinaram os pais).

No epis�dio mais contradit�rio do livro, ela seduz um promotor p�blico visando ser transferida de penitenci�ria e, quando consegue, acusa-o de ass�dio sexual. Na pris�o, Suzane tamb�m demonstra que o plano de assassinar os pais n�o era apenas motivado pela conquista do amor e da liberdade, num esfor�o de convencer o irm�o Andreas a escrever uma carta que a manteria como herdeira do patrim�nio milion�rio dos Richthofen.

Um comportamento comum entre os condenados � que os tr�s buscaram novos relacionamentos dentro e fora da cadeia; inclusive, paralelamente. Enquanto tinha mulher e filha do lado de fora, Cristian mantinha um apimentado caso homossexual com um preso. Suzane tamb�m se relacionou com uma detenta, num epis�dio de grande repercuss�o nacional, pois a revela��o foi feita durante uma entrevista dada ao apresentador Gugu Liberato (pela qual recebeu R$ 120 mil).

O que o livro conta � que o namoro era, mais uma vez, uma artimanha para alcan�ar um objetivo. Sandra Regina Ruiz Gomes, conhecida como Sandr�o, era quem mandava na cadeia, de modo que o interesse de Suzane era ocupar o posto da namorada depois que Sandr�o fosse transferida; o que aconteceu. Hoje, segundo Campbell, o poderio da filha que encomendou o assassinato dos pais ecoa pelos corredores da penitenci�ria de Trememb�, tendo uma ped�fila como c�o de guarda.

“Com alto n�vel de egocentrismo, Suzane possui a tend�ncia a superestimar o seu valor pessoal e a desprezar as necessidades alheias. Esse aspecto aponta para a presen�a de condutas de potencial risco para a sociedade em geral e para aqueles com quem convive”, escreveu o promotor Paulo Jos� de Paula a respeito do direito de a famosa presa cumprir o resto da pena em regime aberto.

Em janeiro, circulou pelas redes sociais o coment�rio de que a paulista Ana Fl�via Gon�alves, suspeita de ter tramado a morte dos pais e do irm�o, com a ajuda da namorada, seria mais cruel que Suzane, pois esta ao menos poupou o irm�o. A afirmativa n�o poderia estar mais equivocada, pois, embora vivo, Andreas � mais uma v�tima da ru�na que sua irm� ocasionou a todos � sua volta. De fato, se h� algo que Suzane von Richthofen construiu foi essa imagem que ser� eternamente lembrada em todo caso de parric�dio no Brasil.

S�rgio Tavares � jornalista e escritor, autor dos livros Cavala, vencedor do pr�mio Sesc de Literatura, e Queda da pr�pria altura.


SUZANE: ASSASSINA E MANIPULADORA
De Ullisses Campbell
Editora Matrix
280 p�ginas
R$ 57


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