
Em 1977, a Nasa enviou para o espa�o sideral – “indo onde nenhum homem jamais esteve” – as naves Voyager I e II. Uma viagem sem volta, buscando desvendar e compreender alguns dos quase infinitos mist�rios e segredos do universo. Dentro dessas espa�onaves, e com o intuito de apresentar com “orgulho” a cultura terrena para uma poss�vel intelig�ncia extraterrestre – acredito que uma men��o ao nosso atual presidente seria um bom update caso esses alien�genas suspeitassem de que somos seres minimamente racionais – os cientistas, encabe�ados pelo grande Carl Sagan, ent�o professor da Universidade de Cornell, inseriram os chamados Golden Records. Esses registros, cuidadosamente gravados em um disco laser dourado, cont�m sons, imagens e equa��es matem�ticas com o objetivo de apresentar ao universo a diversidade cultural e biol�gica do terceiro planeta do Sistema Solar.
O lan�amento dessa “garrafa” no “oceano c�smico” funciona como uma c�psula do tempo. Pode ser que quando, ou se, alguma “intelig�ncia” receber esse presente, a Terra j� esteja extinta, seja por quest�es pol�ticas (minha aposta), virais ou pelo fim inerente da nossa gal�xia. Engenhosamente, Sagan e seus colegas reuniram, al�m dos cantos de p�ssaros e baleias, m�sicas de culturas e �pocas distintas e sauda��es em 55 idiomas; por�m – � importante ressaltar – as primeiras “linhas” dessas grava��es cont�m equa��es matem�ticas e f�sicas.
Qual o motivo de inserir essas equa��es? Ser� que elas s�o universais ou apenas uma linguagem inventada pelos seres terrenos? H� uma disputa filos�fica sobre a natureza da matem�tica. Os plat�nicos – os que acreditam que a matem�tica � descoberta reveladora – consideram que existem padr�es intr�nsecos � natureza dos quais ser�amos apenas int�rpretes-decodificadores do c�digo preexistente no Universo. J� outros, os que trabalham com a matem�tica moderna e enxergam os axiomas apenas como “regras de um jogo”, acreditam que a matem�tica � inventada – um sistema de manipula��o de s�mbolos artificiais criado unicamente pelo ser humano para “explicar/adaptar” o mundo sens�vel. Galileu encarava o Cosmo como um monte de equa��es e mist�rios, e sua miss�o era descobrir/desvendar tais enigmas. A sequ�ncia de Fibonacci, por exemplo, surgiu de modelos matem�ticos, mas depois foi observada na natureza: em como as ramifica��es de algumas �rvores se desenvolvem, na quantidade de p�talas das flores, na ramifica��o dos br�nquios dos pulm�es e, acredite, at� mesmo no “incompreens�vel e inesperado” mercado financeiro. Descoberta de uma mente divina que seria facilmente compreens�vel para os alien�genas? Nunca saberemos. Por�m, h� os n�o platonistas que enxergam a matem�tica como um jogo de xadrez ou GO, na qual s� somos capazes de descrever a natureza porque a “criamos” ou a “enxergamos” limitados assim. Essa matem�tica inventada seria incompreens�vel para os extraterrestres que recebessem as Voyager.
Da hist�ria ao futuro
Em seu novo e fascinante livro, o autor de 17 equa��es que mudaram o mundo e Ser� que Deus joga dados? nos conta essas e outras hist�rias, e nos leva a uma jornada pelos sentidos, inven��es e descobertas do Universo, sempre de m�os dadas com a matem�tica. Inventada? Descoberta? N�o importa, pois ainda assim continuamos encantados e fascinados com a abordagem po�tica e deslumbrante da dan�a do Cosmo e do tango da hist�ria do pensamento.
Professor de matem�tica na Universidade de Warwick, o ingl�s Ian Stewart inicia com os primeiros pensadores que come�aram a especular por meio de distintas cren�as acerca da origem e do funcionamento do Universo. Esse passeio pelo espa�o e tempo chega at� os dias atuais. Apesar de fazer pouco uso de f�rmulas e defini��es rigorosas, Stewart, com algum rigor, explica o que est� por tr�s dos modelos matem�ticos e as posturas filos�ficas e culturais dos diversos cientistas que se dedicaram ao tema. Por certo, desde os tempos antigos, os seres humanos se fascinam com o Sol, com a Lua, com as estrelas e com os outros planetas do nosso sistema, e por isso buscam conhecer e elaborar um pouco mais.
Pelo olhar astron�mico e enciclop�dico do matem�tico, viajamos desde o tratado de Almagesto, escrito pelo grego Ptolomeu no s�culo 2, at� os modelos e equa��es mais modernas para tentar explicar o que h� de “novo” no surgimento e no “fim” do Universo. Nos 19 cap�tulos, Stewart examina em ordem cronol�gica as diferentes maneiras pelas quais os cientistas e os fil�sofos abordaram o Cosmo. Al�m disso, o autor discorre sobre alguns mist�rios aos quais n�o estamos cientes. Por exemplo, sabemos que as Leis de Newton descrevem a gravidade como uma for�a entre dois corpos, mas essas mesmas leis n�o explicaram como exatamente essa for�a funcionava. Newton e outros tentaram resolver essa quest�o, que permaneceu sem solu��o at� Einstein aparecer, s�culos depois, com a sua brilhante teoria da relatividade geral – que demorou para ser realmente aceita.
Stewart deixa claro que os modelos, as ideias e as narrativas do livro s�o apenas uma simplifica��o da “realidade” – poesia e m�sica de um concerto nebuloso, infinito e maravilhoso.
Espa�o “sideral” para interpreta��es e revela��es eternas. Stewart tem uma longa carreira com a escrita de livros cient�ficos populares, mas nunca perde a poesia do mist�rio. O resultado deste livro � uma viagem literal pelos buracos negros, supernovas, supercordas – um mundo surreal-real que certamente ir� satisfazer qualquer pessoa que deseje vislumbrar os segredos e as hist�rias mais belas de um dos contos ou cap�tulos mais fascinantes da nossa presen�a por aqui, neste Universo regido por leis descobertas ou apenas largados ao l�u.
A arte no espa�o
E a arte, ser� ela universal? Em 2008, Inhotim recebeu uma exposi��o chamada Once upon a time, que consistia na exibi��o dessas imagens que a Nasa enviou ao espa�o com a Voyager II em 1977. As equa��es matem�ticas – vistas como arte encanto universal – estavam l�. Essa miss�o, segundo a cren�a de alguns, � uma das mais bem-sucedidas da hist�ria interestelar, j� que possibilitou � “humanidade” sonhar/visitar outros planetas e escapar do nosso “sisteminha m�nimo solar”. Inspirado pelo tempo-espa�o, o artista e tamb�m cineasta Steve McQueen criou uma trilha sonora exibida durante a proje��o das imagens. Nessa trilha, ouvimos vozes em l�nguas e idiomas desconhecidos – a proposta era compor um fen�meno ext�tico frequentemente usado nos cultos espirituais. Seriam ent�o matem�tica e a arte universais e espirituais? Um alien�gena se comoveria com a exatid�o da arte e a beleza da matem�tica, ambas buscando pelo infinito universal? Nessas imagens faltam, no entanto, a representa��o da pobreza, dos conflitos, dos genoc�dios e das doen�as. Seria importante apresent�-los aos nossos vizinhos? Ou � melhor escond�-los, pois � justamente isso, como humanidade, de que nos envergonhamos, por�m, seguimos perpetrando? A obra discute esses e outros importantes pontos. O fato � que as Voyagers ainda est�o viajando pelo espa�o sem destino e em 300.000 anos passar�o pela estrela Sirius, “bem logo ali”, e bem longe de tudo que h� e n�o h� no universo descrito poeticamente por Stewart.
* Graduado em matem�tica, Jacques Fux � escritor, autor de Antiterapias, Nobel, Meshug�: um romance sobre a loucura, entre outros livros

Desvendando o cosmo: Como a matem�tica nos ajuda a compreender o Universo
- De Ian Stewart
- Zahar Editora.
- 408 p�ginas
l R$ 70