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Estado de Minas POESIA

Leia poemas de Ana Martins Marques

Versos fazem parte do novo livro, 'Risque esta palavra', e da estreia da escritora mineira, 'A vida submarina', lan�ado em 2009


25/06/2021 04:00 - atualizado 25/06/2021 08:56

(de “Risque esta palavra”)

Finados

Estava a morte por perto
e por isso a vida
armou sua vingan�a:
aumentando-nos a fome
a vontade de cerveja
e condimentos
o desejo de gastar o dia ao sol.
Tuas camisas nos arm�rios
agora apenas vestem a si mesmas.
Seria preciso us�-las, lev�-las para passear, manch�-las de caf�, tinta, graxa, 
desodorante, suor.
Uma ofensa � morte
um desafio.
Quem sabe tudo o que morreu
com quem morreu?
Um livro nunca escrito
um novo amor
um pensamento que permanecer�
impensado.
Quem sabe o que essa morte
trouxe � vida?
As casas
coloridas
est�o alegres sem motivo.




o que fazer agora
com as m�os
cegas?

o cigarro � parente
do l�pis

eram, afinal, gestos para nada
como na dan�a

(e fico � espera de algu�m que coreografe o ato
de acender um cigarro numa praia cheia de vento)

as cari�tides
as g�rgulas
seriam mais felizes
se fumassem

s� amamos de fato
o que serve para nada

mas as m�os mais do que n�s
sabem o que fazem – 
s�o desde cedo adestradas
no adeus

s� sinto falta de fabricar
minha pr�pria nuvem

e de esperar-te em alguma esquina
fumando em p�
como um farol

Rel�mpagos

O pensamento
� um porn�grafo
e quase s� de palavras
se faz o amor

e no entanto n�o se embara�a
o pensamento com os cabelos
como os meus cabelos
se embara�avam nos seus

e n�o se misturam as palavras
com as palavras como na boca
a saliva se mistura
com a saliva

nem as l�nguas que falamos
deixam gosto na l�ngua

ou eu teria ainda na minha
o sal da sua

nem anoitece na mem�ria
aos poucos como anoitecia
naquele quarto estreito
j� fui um ser de duas cabe�as
e ancas
j� tive quatro pernas duas bocas
tive quatro bra�os e m�os
e vinte dedos das m�os
e dois sexos e dois cora��es
pulsando
simult�neos

j� tive s� palavras r�pidas
como rel�mpagos
atravessando a pele

o que foi feito das palavras
que trocamos?

o que foi feito desse ser
desajustado para o mundo?

o que ficou al�m da cicatriz
dos rel�mpagos?

Lembrete

Lembrar que
enquanto andamos
por estas ruas banais
sob um c�u inestrelado
templos brancos como ossos
repousam entre oliveiras
quase igualmente antigas

uma mulher desfaz
sobre a nudez noturna
sua tran�a pesada

um pequeno lama
cabeceia de sono

e h� le�es e laranjas
falc�es e hangares
an�monas e zinco

um bando de ant�lopes
atravessa um peda�o de terra
como este
deixando-o depois
vazio de sinais

em sil�ncio um homem prepara
menos comida do que ontem

um a um
partem os barcos
de passeio

chove intensamente
sobre telef�ricos

uma mulher v�
a cidade acender-se
� medida que anoitece
e para acalmar-se
conta as janelas
iluminadas

arrumam-se arm�rios
roupas de pessoas mortas
envelhecem corpos jovens

envelhecem tamb�m
os autom�veis
e as m�quinas agr�colas

com uma rede veloz
recolhem-se do mar
peixes luminosos
que ent�o ser�o deixados
afogando-se na areia

algu�m conhece
pela primeira vez
a enguia, o sexo, a escrita

pensar que devemos estar
� altura
disso

(de “A vida submarina”)

Navios

D�o voltas e voltas os navios
que n�o t�m mais do que partir:
n�o h� mais continentes por conquistar.
Velas, b�ssolas, mapas
restam tamb�m
Sem utilidade:
nenhuma dire��o � nova
ou desconhecida,
at� a dor encontrou sua medida.

Mesa

mais importante que ter uma mem�ria � ter uma mesa
mais importante que j� ter amado um dia � ter
uma mesa s�lida
uma mesa que � como uma cama diurna
com seu cora��o de �rvore, de floresta
� importante em mat�ria de amor
n�o meter os p�s pelas m�os
mas mais importante � ter uma mesa
porque uma mesa � uma esp�cie de ch�o que apoia
os que ainda n�o ca�ram de vez

�lbum

Nunca estivemos juntos em uma fotografia.
Era sempre eu, os olhos baixos,
o sorriso desajeitado,
ou tu, o olhar distante, quase antigo,
sempre mais bonito do que �s.
Assim n�o temos com que nos acusar.
De alguma forma, por�m,
meu embara�o te revela, como me revela
tua beleza inexata.
Por via das d�vidas
achei melhor queimar. 


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