
O lan�amento de “Risque esta palavra” pela Companhia das Letras e a reedi��o de “A vida submarina”, originalmente editado pela Scriptum em 2009, devem impulsionar ainda mais o interesse – e o encanto. “Desde que a li pela primeira vez, Ana Martins Marques tornou-se dona de um quinh�o espa�oso de meu fervor liter�rio. A vida submarina que ela despejou sobre esse leitor provocou uma esp�cie de imediata depend�ncia afetiva: como viver, a partir de ent�o, sem o desfrute daquela escrita t�o perturbadoramente �ntima?”, questiona o jornalista e editor Jos� Eduardo Gon�alves.
Ele mesmo responde: “Com uma simplicidade obl�qua e refinada, a poeta observa o cotidiano e suas miudezas para alcan�ar um lugar onde tudo � vasto, inalcan��vel, exatamente porque � pr�ximo demais”.
Escritora e cr�tica liter�ria, Maria Esther Maciel teve Ana Martins como aluna na Letras da UFMG e orientou a tese de doutorado da autora. “� uma poeta admir�vel, com uma dic��o inconfund�vel, que alia eleg�ncia, frescor, simplicidade e cuidado com a linguagem para
capturar
o que se esconde (e se revela) nas dobras da vida cotidiana. Al�m disso, reinventa, por vias imprevistas, o legado de poetas de diferentes gera��es e nacionalidades. Cada poema que escreve � uma surpresa para quem o l�.”
E como nascem as
surpresas
?
“O poema, para mim, tem a ver com uma aten��o para a
materialidade
das palavras, seu peso, sua velocidade, o ritmo, o corte, as rela��es de vizinhan�a e de atrito entre as palavras”, conta Ana Martins em entrevista a M�rcia Maria Cruz. (Leia nas p�ginas 2 e 3.)
Do “atrito entre as palavras” nascem poemas feitos de sil�ncios (“o rastro que deixou o animal que n�o passou”), mares, Minas, viagens, lembretes, mitos e mortes. Muitos surgem de rea��es a cria��es de outros poetas: Manuel Bandeira, Carlos Drummond, Jo�o Cabral de Melo Neto, Wislawa Szymborska. “O que mais me fascina (na obra de Ana Martins) � a conversa
intermin�vel
sobre a poesia em si, assunto de tantos de seus poemas, mesmo que venham ‘disfar�ados’ de poemas de amor, ou de poemas sobre os objetos que cercam nossa insistente e banal exist�ncia”, aponta Andr�a Sirihal Werkema. “Ana faz de sua poesia autorreflexiva um lugar que se alterna entre a fr�gil suavidade e a promessa de humor, mas h� a perda, h� a solid�o, h� a casa vazia”, destaca a professora da UERJ.
Al�m de resid�ncias desocupadas, os versos do novo livro e da reedi��o t�m pedras, l�nguas, cinzas, lapsos, barcos e corpos. Alguns deles, feitos de palavras
certeiras
como “rel�mpagos atravessando a pele”, s�o reproduzidos nesta edi��o especial do Pensar. Eis uma amostra do trabalho de quem escreve poemas, ou melhor, “devolve o papel � �rvore”, como diz em “Risque esta palavra”.

Hist�ria
Tenho 39 anos.
Meus dentes t�m cerca de 7 anos a menos.
Meus seios t�m cerca de 12 anos a menos.
Bem mais recentes s�o meus cabelos
e minhas unhas.
Pela manh� como um p�o.
Ele tem uma hist�ria de 2 dias.
Ao sair do meu apartamento,
que tem cerca de 40 anos,
vestindo uma cal�a jeans de 4 anos
e uma camiseta de n�o mais que 3,
troco com meu vizinho
palavras de cerca de 800 anos
e piso sem querer numa po�a
com 2 horas de hist�ria
desfazendo uma imagem
que viveu
alguns segundos.
Depoimento
Maria Esther Maciel, escritora e professora da UFMG
“Acompanho o trabalho po�tico de Ana Martins Marques desde seu primeiro livro, ‘A vida submarina’. � uma poeta admir�vel, com uma dic��o inconfund�vel, que alia eleg�ncia, frescor, simplicidade e cuidado com a linguagem para capturar o que se esconde (e se revela) nas dobras da vida cotidiana, al�m de reinventar, por vias imprevistas, o legado de poetas de diferentes gera��es e nacionalidades. Cada poema que escreve � uma surpresa para quem o l�. Com vigor e sutileza ao mesmo tempo, ela consegue flagrar o que h� de incomum nas coisas comuns, trazendo para o cen�rio contempor�neo da poesia brasileira n�o apenas uma nova maneira de lidar com a armadilha das palavras, mas tamb�m um outro olhar sobre a realidade, os jardins, os livros, as rela��es de afeto e a vida ao redor.”
Depoimento
Jos� Eduardo Gon�alves, Jornalista e editor
“O assombro inicial jamais se dissipou. Desde que a li pela primeira vez, em um distante 2009, Ana Martins Marques se tornou dona de um quinh�o espa�oso de meu fervor liter�rio. A vida submarina que ela despejou sobre este leitor provocou uma esp�cie de imediata depend�ncia afetiva: como viver, a partir de ent�o, sem o desfrute daquela escrita t�o perturbadoramente �ntima?. Com uma simplicidade obl�qua e refinada, a poeta observa o cotidiano e suas miudezas para alcan�ar um lugar onde tudo � vasto, inalcan��vel, exatamente porque � pr�ximo demais. D� vontade de n�o caber no mundo, porque a gente n�o cabe mesmo. ‘Os peixes s�o tristes no aqu�rio/mesmo que n�o co- nhe�am o mar/alguma coisa neles quer o amplo’. Minhas escamas arderam ao ler isso. Ainda ardem. Eu pressenti, atordoado, o que se confirmou mais adiante: estava ali a me- lhor poeta de sua gera��o (e olha que h� �timas!). Com ela continuo a mergulhar em �guas profundas, at� aquela escurid�o onde tudo se ilumina. A palavra insone, feroz em sua solid�o. Todos os poemas s�o de amor, ela disse. E todos os amores, mesmo entre os escombros de algo que j� se perdeu, podem ser salvos pela poesia.”