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Estado de Minas

Kafka em processo

Livro reconstitui batalha judicial pelo esp�lio liter�rio do autor de ''A metamorfose'', que tem os seus escritos cotidianos reunidos em ''Di�rios (1909-1923)''


30/07/2021 04:00 - atualizado 30/07/2021 00:22

(foto: Reprodução)
(foto: Reprodu��o)

Quase um s�culo depois de sua morte, mais um dos fant�sticos enredos de Franz Kafka (1883-1924) salta das p�ginas atormentadas que o consagraram e ganham vida em uma batalha judicial do s�culo 21. Alemanha, Israel e a cidad� Eva Hoffe, habitante de Jerusal�m, guerrearam em tribunal israelense pelo esp�lio de Max Brod (1884-1968), escritor de l�ngua alem� nascido em Praga e de origem judaica. Miravam a heran�a de Brod, n�o pela produ��o deste em vida, mas porque aquele esp�lio continha o legado de Kafka, escritor tcheco em l�ngua alem�, de origem judaica. 

Foi assim que Kafka, para quem a literatura foi algo “sagrado, absoluto e incorrupt�vel” – e que jamais se sentiu vinculado � causa sionista ou � literatura alem� ou a eventuais “dividendos” de seu trabalho – foi empurrado, impotente e � revelia, ao banco dos r�us. Em um t�pico processo em que alega��es infundadas, o absurdo, o abusivo se imp�em e se naturalizam, o universal esp�lio liter�rio foi alvejado por interesses pol�ticos de estados e interesses econ�micos de terceiros. 

A qual dos tr�s estranhos ao autor, pertenceria a obra dele? Tal � o realismo fant�stico. Eva Hoffe, filha de Esther Hoffe, amante e ex-secret�ria de Max Brod, que jamais conheceu Kafka, mas, pelos acasos da vida, teve depositadas em sua bagagem as malas de manuscritos do g�nio da literatura moderna. Embora ber�o de gigantes da literatura, a Alemanha, neste caso, tamb�m aspirou poss�vel “reden��o” pelos atos do nazismo, que inclusive exterminaram parte da fam�lia judia de Kafka. J� o estado de Israel, que at� ent�o n�o demonstrara interesse pela obra do autor, quis t�-la a pretexto de recuperar um “ativo cultural do povo judeu”, numa tentativa de legitimar, sob a narrativa do sionismo, a for�a desproporcional e desumana com que se imp�e sobre os habitantes da Faixa de Gaza. 

Esse � o enredo de “O �ltimo processo de Kafka” (Arquip�lago), narrado pelo jornalista Benjamin Balint, que acompanhou toda a disputa judicial, entrevistando representantes das partes e envolvidos. Benjamin Balint abre a narrativa situando Eva Hoffe, de 82 anos, em 27 de junho de 2016, � espera da audi�ncia na Suprema Corte de Israel, onde, ap�s oito anos de tr�mites processuais, em que se evidenciaram “dilemas legais, �ticos e pol�ticos”, seria anunciado o veredito. Para reviver o primeiro processo p�s-morte de Kafka – outros vir�o, como intui a obra do autor –, Balint detalha os argumentos e ideologias argumentativas da disputa, que colocara os direitos de propriedade de Hoffe sobre o esp�lio de Max Brod, contra os interesses de Israel, representado pela Biblioteca Nacional e os interesses da Alemanha, atrav�s do Arquivo de Literatura Alem� em Marbach. 

De tal julgamento, emerge com for�a o fantasma de uma velha pol�mica, sobre a qual in�meras vezes Kafka se pronunciou, conforme correspond�ncia � sua namorada Felice Bauer, em 1916: “E, por acaso, voc� poderia me dizer o que eu realmente sou? Serei eu um cavaleiro circense sobre dois cavalos? Ai, n�o sou nenhum cavaleiro, estou � prostrado no ch�o”. Tal foi a reflex�o do autor, quando a arte da narrativa de “A metamorfose” foi apontada, por um lado, como “algo de fundamentalmente alem�o”; e pelo amigo e sionista Max Brod, como “documentos mais tipicamente judeus de nosso tempo”. 

Em que pese n�o haver d�vidas sobre a judaicidade de Kafka, ela jamais implicou pertencimento ou ades�o do autor ao sionismo. Tal assertiva fica clara em “Di�rios (1909-1923)”, rec�m-lan�ado pela editoria Todavia, que re�ne todos os 13 cadernos com os escritos cotidianos de Kafka. Traduzido por Sergio Tellaroli, trata-se da primeira compila��o publicada no Brasil com todos os di�rios resgatados por Max Brod. Em 1914, Kafka registra: “O que eu tenho em comum com os judeus? Pouco tenho em comum comigo mesmo e deveria, bem quietinho, me postar a um canto, satisfeito por poder respirar”. 

N�o apenas a trajet�ria de vida de Kafka, mas sobretudo a obra dele, versa sobre o n�o pertencimento, a n�o vincula��o a coisa alguma, o retorno que jamais se concretiza. A dor de sua escrita – o Schmerz kafkiano – est� envolta em niilismo, em prostra��o face ao absurdo de compreens�o intang�vel, o desespero e a melancolia com que enfrenta a sua rotina. Em derradeira anota��o em seu di�rio, em 12 de junho de 1923 (pouco menos de um ano antes de morrer), Kafka desabafa: “Cada vez mais angustiado ao escrever. � compreens�vel. Cada palavra revirada na m�o dos esp�ritos — esse movimento da m�o � seu gesto caracter�stico — transforma-se numa lan�a voltada contra quem fala. Sobretudo uma observa��o como esta. E assim at� o infinito. O �nico consolo seria: vai acontecer, queira voc� ou n�o. E o que voc� quer ajuda pouqu�ssimo. Mais do que consolo �: tamb�m voc� disp�e de armas.”
 

Teatro de absurdos

Como se fosse um document�rio, em “O �ltimo processo de Kafka”, Balint entremeia o embate no tribunal israelense com a hist�ria de vida das personagens da trama, em particular, como Kafka conheceu Max Brod, a quem legou todos os seus manuscritos publicados e n�o publicados. Da disputa, anota-se a ironia de ser Kafka, ap�s a sua morte, o sujeito impotente, esquartejado por raz�es que lhe s�o alheias, em novo e atual teatro dos absurdos, tal qual tantos narrados com maestria e ang�stia. 

Franz Kafka fez da oculta��o de seu talento a voca��o de sua vida. Ao legar os seus manuscritos ao amigo Brod, Kafka dera-lhe instru��es expl�citas para que todos fossem incendiados ap�s a sua morte. Em sua desmedida convic��o em rela��o ao que considerava a incompletude de sua obra, o pr�prio Kafka queimara em vida muito do que escrevera. A Dora Diamant, namorada por quem se apaixonara em 1923, Kafka tamb�m pedira que incendiasse os seus textos, ato que representaria uma simb�lica liberta��o de sua alma daqueles fantasmas, personagens caracter�sticos de toda a obra. Assim Benjamin Balint narra os dilemas enfrentados por Dora Diamant, com quem Kafka viveu em Berlim em seus �ltimos meses de vida: “Respeitei seu desejo e, quando ele caiu doente, queimei coisas dele diante de seus olhos”. Dora Diamant manteve alguns dos manuscritos de Kafka, at� que foram confiscados pela Gestapo em 1933

Sem jamais suspeitar que se tornaria um dos maiores escritores de todos os tempos, Franz Kafka morreu v�tima de tuberculose em 1924, um m�s antes de seu anivers�rio de 41 anos. At� ent�o, publicara muito pouco em revistas liter�rias da �poca. “Contempla��o” (1912), a primeira obra, abarca um conjunto de 18 textos – alguns datados de 1903, quando tinha 20 anos – j� marcados pela for�a dessa literatura em sua naturaliza��o do absurdo. De 1913, “O foguista”, que integraria o primeiro cap�tulo do romance “Am�rica” (cujo nome, segundo estudiosos, seria “O desaparecido”), foi lan�ado como pe�a aut�noma. Dessa �poca, o conto “A metamorfose” se tornaria uma de suas obras mais c�lebres. 
 

A “trai��o” de um desejo 

Sem cumprir o pedido de Kafka, Brod n�o queimou as obras. Ao contr�rio, lan�ou, entre 1925 e 1927, “O processo”, “O castelo” e “Am�rica”. Em 1935, foi a vez de as obras escolhidas. Embora sob a cust�dia de Brod alguns dos escritos de Kafka tenham terminado na Bodleian Library, em Oxford, ele manteve, at� a sua morte, em 1968, muitos textos guardados, prenunciando nesse ato, para Kafka, novo e inimagin�vel enredo. Por um lado, foi de fato pela trai��o de Brod ao desejo do amigo, que as obras se tornaram mundialmente conhecidas. A intrincada constru��o dos personagens em sua rela��o com aparatos estatais totalit�rios, em seu irracional poder sobre a insignific�ncia dos indiv�duos, foram fantasmas de recorrentes julgamentos na obra de Kafka. A literatura kafkiana descreveu d�cadas antes o drama de cidad�os europeus sob o fascismo e o nazismo, a vulnerabilidade do indiv�duo diante do totalitarismo e dos efeitos desumanos de burocracias sem rosto. 

O pr�prio Brod fugiu em 1939 de Praga para a Palestina, onde viria a conhecer o casal Esther e Otto Hoffe. Esta se tornaria sua secret�ria e amante. Foi a Esther que Brod legou os manuscritos, e esta, ap�s comercializar alguns, manteve a maior parte deles armazenados em cofres fora de Israel, at� sua morte em 2007, aos 101 anos. Contudo, conforme relato de Balint, em 1988, Esther Hoffe vendeu o manuscrito de “O processo” por uma pequena fortuna, da� depreendendo que era poss�vel obter lucro com o legado universal de Kafka. Coube �s filhas, Eva e Ruth a heran�a de Esther. Eva Hoffe, que morreria aos 85 anos, dois anos depois do veredito, teve a vida consumida pelo legado. 

O que desejou Kafka? Nas palavras de Balint: “Em sua biografia de Kafka, Max Brod relata uma conversa na qual o amigo sugeriu que os seres humanos talvez n�o sejam nada mais do que pensamentos niilistas na mente de Deus. ‘Ent�o existe alguma esperan�a?’, Brod perguntou. ‘H� esperan�a de sobra’, Kafka respondeu, ‘uma quantidade infinita de esperan�a — s� que n�o para n�s.’ Vendo a pequena figura de Eva se distanciar, fiquei imaginando se Kafka — com sua ‘paix�o por se fazer insignificante’, como definiu o escritor judeu de l�ngua alem� Elias Canetti — n�o teria calafrios diante da possessividade desnudada pelo julgamento. Ser� que ele nos lembraria que podemos ser intoxicados por aquilo que possu�mos, mas ainda mais intoxicados por aquilo que n�o possu�mos?”



“O �ltimo processo de Kafka”
• Benjamin Balint
• Editora Arquip�lago
• 272 p�ginas
• R$ 57,90


“Di�rios (1909-1923)”
• Frank Kafka
• Editora Todavia
• 576 p�ginas
• R$ 99,00
• E-book: R$ 29,90


Impress�es e sentimentos

Impress�es diversas de Kafka constam em “Di�rios” (1909-1923), lan�ado pela Todavia (2021). Constam desde passagens mundanas do autor sobre a vida cultural em Praga, a impress�es de viagens, livros, sentimentos conflituosos com o pai, o relacionamento com as tr�s irm�s Ottilie, Valerie e Gabriele. Depressivo pelo tipo de trabalho que exercia para sobreviver – era um reticente funcion�rio de uma companhia de seguros contra acidentes – de poucos mas leais amigos, insatisfeito com a apar�ncia, achava-se baixo e franzino, Kafka detestava o seu trabalho e vivia para a literatura, que considerava a sua verdadeira voca��o. “Tudo que n�o � literatura me entedia e eu detesto”, escreveu. 


Trecho de  “Di�rios”, de Franz Kafka

“Ao toque, minha orelha se apresentava fresca, �spera, fria, seivosa como uma folha. Com toda a certeza, escrevo isso em desespero com meu corpo e com meu futuro nesse corpo. Quando o desespero se mostra t�o definido, t�o vinculado a seu objeto, t�o contido como se por um soldado que, dando cobertura � retirada, se deixa dilacerar, ent�o ele n�o � desespero de fato. O desespero de fato sempre atinge e supera de imediato sua meta, (o acr�scimo dessa v�rgula mostra que apenas a primeira ora��o estava correta).”



 Benjamin Balint, autor de ''O último processo de Kafka'' (foto: Divulgação)
Benjamin Balint, autor de ''O �ltimo processo de Kafka'' (foto: Divulga��o)


Entrevista /  Benjamin Balint

“A trai��o de Max Brod oi um gesto de amor”

Como avalia o ato de Max Brod, que, traindo o desejo expresso por Franz Kafka, n�o queimou os seus manuscritos que lhe foram legados, e, contrariamente, construiu a sua trajet�ria de vida e conquistou fama, divulgando-os?
Talvez seja este um recurso de um g�nio: d� determinadas instru��es a uma pessoa, que pelo seu modo de vida, sabe seja improv�vel que v� cumprir essas instru��es. Eu acredito que, em seu �ntimo, Kafka sabia que Max Brod n�o seria capaz de queimar os seus manuscritos. Ent�o, por um lado, Kafka faz o seu �ltimo pedido ao amigo; mas, por outro, eu acredito que sabia que, em �ltima an�lise, os seus textos sobreviveriam. Tem tamb�m essa quest�o que eu me coloco, que � o fato de Max Brod estar motivado por amor em seu ato de trai��o ao pedido de Kafka, por dedica��o � mem�ria de seu amigo mais pr�ximo. Ent�o, � realmente uma trai��o como um gesto de amor. Depois de sua derrota na corte, Eva Hoffen mencionou certa vez, durante uma entrevista, a escritora austr�aca Ingeborg Bachmann (aparentemente por causa de um cigarro, o quarto dela se incendiou  em 1973 e Bachmann viria a �bito tr�s semanas depois). Imaginei uma cena de pesadelo: depois de sua derrota final em Jerusal�m, Eva retornaria � sua casa na rua Spinoza, em Jerusal�m, e realizaria o �ltimo desejo do testamento de Kafka, de 1924, queimando o que restava dos manuscritos em posse dela. Se eu estivesse escrevendo um romance, talvez esta seria a maneira que eu o concluiria. Seria este o reconhecimento tardio de que Kafka n�o pertence a ningu�m. Mas, felizmente, ela n�o fez isso. Ent�o, a trai��o est� na origem de toda essa hist�ria, porque foi como  o “pecado original”. Ningu�m nunca deu permiss�o legal a Max Brod para fazer o que ele fez ou para publicar o material. E ningu�m nunca questionou legalmente isso.  
 
Como essa batalha legal em torno dos textos de Franz Kafka est� relacionada politicamente � causa sionista?
Est� relacionada fundamentalmente em diversas formas. A primeira forma � que n�o � coincid�ncia o fato de os manuscritos de Franz Kafka, escritor de l�ngua alem�, nascido em Praga e de origem judaica, tenham vindo parar aqui. A quest�o � que Max Brod n�o conseguiu nenhum outro ref�gio durante a Shoah (em hebraico refer�ncia ao holocausto) e, se n�o tivesse vindo para c�, provavelmente teria morrido e os manuscritos de Kafka destru�dos. Em 1939, Max Brod tentou escapar para v�rios lugares: para a Am�rica do Sul, para a Universidade de Princeton (EUA) e todas as tentativas de ref�gio fracassaram. Por isso, n�o � coincid�ncia que o sionismo de forma t�o concreta seja respons�vel por esse resgate. Mas de uma forma mais profunda, no cora��o desse julgamento em Jerusal�m, � a quest�o que todos t�m conhecimento de que Franz Kafka n�o era sionista, embora tenha estudado hebraico. A quest�o � por que o legado de uma pessoa como Kafka, que morreu em 1924, e nunca pisou neste lugar – nunca teve uma rela��o forte com este lugar – por que o Estado de Israel prop�s a a��o de que o seu legado pertenceria a Jerusal�m como uma categoria de heran�a cultural judaica? Assim o sionismo foi introduzido neste julgamento. E sionismo pode ser definido enquanto um movimento pol�tico para garantir a reuni�o dos ex�lios, que abriu as fronteiras para refugiados durante a Segunda Guerra Mundial. Mas o sionismo tamb�m pode ser definido em um sentido cultural, que acredito ser mais interessante, que significa dizer que a cultura da di�spora tamb�m deveria ser reunido, por assim dizer. Ent�o, esse julgamento � um exemplo de sionismo cultural.
 
Judith Butler � cr�tica � ideia de que a escrita de Kafka seja reivindicada como um ativo cultural do povo judeu e, sobretudo, cr�tica ao fato de que a alega��o judicial deste caso tenha do pressuposto de que o Estado de Israel represente o povo judeu – o que n�o distingue judeus sionistas e judeus da di�spora, para os quais a Palestina n�o seja um lugar de retorno inevit�vel. Al�m disso, em Israel vivem judeus e n�o judeus, principalmente �rabes palestinos. Como avalia a cr�tica de Butler?
Acho que, nesse sentido, Butler est� correta. Israel � um estado que tem pessoas de diferentes religi�es e de diferentes etnias; mas por outro lado, � um lugar que ofereceu ref�gio a pessoas judias, como Max Brod, que n�o tinham para onde ir. Mas Butler tamb�m levanta um ponto interessante: o uso da heran�a cultural pelo nacionalismo pol�tico, de na��es que querem se legitimar pelo uso de refer�ncias culturais. Acho que ela est� correta. Mas eu diria que a Alemanha tinha tanto interesse nesse caso quanto Israel. No artigo dela, Butler n�o fala muito sobre os alem�es. Quando estive na Alemanha, estava pesquisando isso e descobri que � claro, os alem�es tinham igual interesse e incluir Kafka, inclusive e precisamente por ser de origem judia, no acervo da literatura moderna alem�. Ent�o, est� dentro da pol�tica alem� do p�s-guerra, de tentar obscurecer o que aconteceu. � isso que faz este caso t�o interessante. 
 
Quais foram os principais argumentos ideol�gicos utilizados pelas partes durante o julgamento?
Eu estava acompanhando na Suprema Corte o julgamento e houve todos os tipos de argumentos e suposi��es ideol�gicas de ambas as partes – de Israel e da Alemanha. A suposi��o de Israel � de que um escritor judeu da di�spora pertence a Israel, mesmo que nunca tenha visitado. Os alem�es supunham que “n�s alem�es representamos a cultural universal como tal”. Antes da conclus�o do julgamento, entrevistando certa vez o chefe do Arquivo Alem�o de Literatura de Marbach, quis saber por que importa tanto saber onde est�o fisicamente os manuscritos originais de Kafka, se tudo ser� digitalizado e disponibilizado on line. Mas o que me foi dito � que nesse caso, importaria muito: se os originais terminassem em Israel, Kafka seria lido de uma forma reduzida, como apenas um escritor judeu; mas se os originais fossem guardados em Marbach, Kafka seria lido de uma forma universal. Claro que ironizei essa suposi��o, de que a Alemanha de alguma forma represente a cultura europeia ou universal dessa maneira.
 
A imers�o na literatura de Kafka n�o deixa d�vidas de que ele nunca pretendeu “pertencer” a nada; nem a si mesmo. No di�rio dele, em 1914, escreveu: “O que tenho em comum com os judeus? Eu quase n�o tenho nada em comum comigo mesmo e deveria ficar quieto num canto, feliz por ser capaz de respirar”.  Esse embate judicial seria contradit�rio com o modo de vida dele?
Sim, eu chamei o livro de “O �ltimo julgamento de Kafka”, em refer�ncia ao romance dele n�o conclu�do, “O julgamento”. Voc� est� correta, h� muitas ironias nesse caso. Kafka era ambivalente e se recusava a essa ideia de pertencimento. Ent�o, se recusava � ideia do pertencimento “judeu”, o pertencimento � causa “sionista”; mas tamb�m se recusava ao pertencimento “alem�o”. Quase n�o viveu na Alemanha, n�o era cidad�o alem�o. Eu gostaria de falar um pouco sobre (Felix) Pollak, que � um caso similar, de um dos maiores poetas do p�s-guerra de l�ngua alem�. Ele n�o era alem�o e nunca viveu na Alemanha. Ent�o, alguns dos grandes escritores em l�ngua alem� n�o eram alem�es e nunca viveram na Alemanha, vieram de outras prov�ncias da �ustria, do Imp�rio Austr�aco. Ent�o sim, essa � a grande ironia desse caso: Kafka recusava os dois tipos de pertencimento. E ele teve algo como uma premoni��o de que seria disputado. Ent�o, cada lado, nesse caso, quis anexar uma esp�cie de marca nacional ao nome de Kafka. E essa reivindica��o � limitada. 


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