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Estado de Minas

Novo livro re�ne contos de Luiz Vilela

Mestre das hist�rias curtas, esritor mineiro participou da edi��o da antologia publicada pela editora Faria e Silva


27/08/2021 04:00 - atualizado 27/08/2021 09:41

O escritor Luiz Vilela anda avesso a entrevistas, refrat�rio a conversas, mesmo virtuais, para divulgar seu livro mais recente, e recluso na terra natal, Ituiutaba, no pontal do Tri�ngulo Mineiro, a 678 quil�metros de Belo Horizonte. “Ando confinado f�sica e mentalmente”, desculpa-se, pelo telefone, diante do pedido do rep�rter. Paci�ncia. Os amigos contam que o contista estaria ainda mais recluso do que nunca durante a pandemia, embora os bem pr�ximos garantam que ele continua �timo de papo, s� n�o gostando mesmo quando o assunto resvala para o plano pessoal.

O certo � que, na fic��o e na realidade, ele tem hist�rias de sobra para contar e surpreender a cada frase. Afinal, conforme j� confessou: “Minha vida � escrever; escrever � minha vida”.

Neste agosto quente e ensolarado, chega �s livrarias a antologia “50 contos” (Faria e Silva Editora), t�tulo autoexplicativo em g�nero liter�rio, n�mero de hist�rias e grau de sensibilidade do autor de 78 anos, que sempre tem como companhia, ao traduzir inspira��o em palavras, uma m�quina de escrever. “Isso a� j� � outra hist�ria”, brinca ao falar sobre seu equipamento de trabalho. Depois de redigidos, e lidos em voz alta, os textos s�o passados para o computador por um ajudante, sendo, ent�o, revisados meticulosamente e enviados para edi��o.

“S�o seis d�cadas dedicadas � vida liter�ria”, diz o editor Rodrigo Faria e Silva, de S�o Paulo (SP), com a experi�ncia de quem conhece e trabalha com Luiz Vilela h� 20 anos. “Minha editora nasceu por sugest�o dele”, observa, para de imediato destacar, no contista, a “grande figura humana, pessoa generosa e dono de profunda delicadeza”. 

No trabalho, Luiz Vilela se agiganta e vai al�m do que escreveu nas p�ginas em branco. Rodrigo se vale da palavra ‘meticuloso’ para mostrar o n�vel de preocupa��o do contista com o processo de edi��o da sua obra. “� uma rela��o de respeito mesmo, que passa pela escolha do tamanho da fonte (tipo de letra), capa, orelha, enfim, todos os detalhes.”

A precis�o cir�rgica na escrita, principalmente nos di�logos, chama a aten��o e virou marca registrada. “Sem d�vida, � o maior dialoguista da literatura brasileira. Constr�i com clareza e maestria, cioso do texto para n�o cometer equ�vocos nem escorregadelas”, afirma Rodrigo. Depois de revisar os textos, Luiz Vilela participa de todo o processo de edi��o. Nestes tempos de pandemia, n�o foi diferente com a antologia “50 contos”, por meio dos contatos estabelecidos por telefone e e-mail.

Da antologia, que passeia por v�rios temas e pelo tempo, Rodrigo elege como um dos preferidos o conto “Dez anos”, que remete � inf�ncia do escritor. E recomenda toda a obra do mineiro �s novas gera��es. “� um autor atemporal, interessa a todo mundo.” 

“Patrim�nio brasileiro” 

A cada instante, v�-se que o mineiro de Ituiutaba tem uma legi�o de admiradores. “Adoro Luiz Vilela”, enfatiza o presidente da Academia Mineira de Letras (AML), Rog�rio Tavares, para quem o escritor � um mestre dos contos, “preciso, exato e rigoroso”, que n�o p�e uma v�rgula fora do lugar, nem a mais nem a menos.

Conhecedor da obra de Vilela, que re�ne t�tulos premiados como “Tremor de terra”, “O fim de tudo” e “Voc� ver�”, os tr�s de contos, e “Perdi��o” (romance), Tavares coloca o mineiro no pante�o de uma trindade liter�ria formada pelo carioca S�rgio Sant’Anna (1941-2020) e o curitibano Dalton Trevisan, de 96 anos. “Temos a� um patrim�nio brasileiro valioso”, avalia, citando a uni�o de t�cnica e arte, pr�pria de Vilela, para mostrar como � saud�vel beber na fonte l�mpida da inspira��o para matar a sede do leitor com hist�rias sedutoras e precisas.  

Nesta era t�o tecnol�gica, a hist�ria de datilografar os textos se torna um charme a mais na trajet�ria de Vilela, o que, pelo conjunto da obra, n�o faz a menor import�ncia. “Vive na terra natal, est� no seu ambiente, � um escritor universal, traduzido para v�rios idiomas, e tem um estilo de escrever bem sofisticado”, diz o presidente da AML.
 

A ‘guerra’ conjugal

Se o leitor conhece apenas o escritor pelos seus contos, n�o sabe o que est� perdendo. Os bastidores reservam passagens bem saborosas, conforme relata o jornalista e gestor cultural Afonso Borges, criador do Sempre um Papo e dos festivais liter�rios Fliarax� (Arax�) e Flitabira (Itabira). Em 2014, Vilela foi o homenageado em Arax�, na regi�o do Alto Parana�ba.

Borges com a palavra: “Ele me contou, uma vez, que gostava de interpretar seus textos para lhes conferir a extens�o da veracidade, especialmente dos di�logos. E resolveu ler, em voz alta (no caso, muito alta), um di�logo entre marido e mulher em plena briga. Usou como cen�rio o corredor da sua casa, em Ituiutaba, onde disse ter mais eco. Empolgou-se tanto com a hist�ria que os vizinhos chamaram a pol�cia, pensando ser verdade a briga conjugal liter�ria”.

Para Afonso Borges, Luiz Vilela � da gera��o da qualidade liter�ria: “N�o se assemelha a nenhum autor brasileiro. Sua obra est� consolidada nos romances e livros de contos que t�m, nas suas hist�rias, a vertente da perenidade. Isolado em Ituiutaba, tornou-se, em vida, um cl�ssico. Poucos t�m esta sorte, por m�rito, como ele.”

Na terra natal 

O presidente da Funda��o Cultural de Ituiutaba, Gilson Aparecido dos Santos, conta que era bem crian�a, por volta dos 8 anos, quando conheceu o conterr�neo ilustre. “Vilela era amigo do meu irm�o, hoje advogado, Gilberto Aparecido dos Santos. Em 1977, quando “Tremor de terra” estava para ser relan�ado, eu me lembro de ter ficado muito impressionado com aquele que, para mim, � o maior escritor do mundo”, diz Gilson cheio de orgulho.

Ao longo dos anos, o “respeito” pelo escritor foi crescendo e a admira��o ganhando proximidade. “Era do teatro amador e me divertia, pois, quando me encontrava na rua, Luiz Vilela brincava me chamando de ‘meu ator-mentado’”.

� frente da funda��o vinculada � Prefeitura de Ituiutaba, Gilson mant�m acesa a chama da esperan�a quanto ao retorno do Concurso de Contos Luiz Vilela, cancelado em 2012. Na pr�xima segunda-feira, adianta, ele ter� um encontro com Luiz Vilela para tratar da retomada. “No que depender da funda��o, teremos o evento de volta”, avisa Gilson.

Potiguar, filho de um italiano, criado em S�o Paulo e “mineiro h� 20 anos”, o artista visual Elias Zoccoli, de 51, residente em Ituiutaba, tamb�m fala com alegria do escritor e ressalta seu car�ter reservado, o que n�o atrapalha a intera��o. Entre 2016 e 2017, Zoccoli fez 20 obras (acr�licos sobre papel, medindo 42cm x 70cm) para o cinquenten�rio de publica��o de “Tremor de terra”. As pinturas n�o entraram na edi��o e foram doadas � Academia de Letras, Artes e M�sica de Ituiutaba, cidade com 105 mil habitantes, considerada a maior do chamado Pontal do Tri�ngulo Mineiro, quase na divisa com os estados de S�o Paulo, Mato Grosso do Sul e Goi�s.

Com a comemora��o dos 55 anos de “Tremor de terra” em 2022, est� previsto o relan�amento da obra, uma boa oportunidade, segundo o presidente da funda��o, para que sejam usadas as imagens criadas por Zoccoli.

As boas lembran�as s�o compartilhadas pela atriz Juliana Freitas, formada em letras e tamb�m admiradora ardorosa da obra de Vilela, a qual j� foi transportada para o cinema, teatro e televis�o. 

Em Ituiutaba, h� uma d�cada, ela foi proponente de um projeto teatral baseado nos textos do conterr�neo. Foi nesse per�odo que sentiu, bem de perto, a paix�o de Vilela pelo trabalho e seu perfeccionismo. “Cria seus personagens a partir do cotidiano, com grande profundidade.” Palavras que ajudam a contar a hist�ria do criador de tantas hist�rias.

“50 contos”
• Luiz Vilela
• Editora Faria e Silva
• 464 p�ginas
• R$ 86


Em sala de aula 


O encantamento pela obra de Luiz Vilela sempre se fez presente em sala de aula e nos momentos de leitura da vereadora em Belo Horizonte Duda Salabert. Formada em letras e professora de literatura, ela considera o escritor com todos os elementos para cativar os estudantes. "A linguagem � acess�vel, tem profundidade. Todas as vezes em que trabalhei os textos de Luiz Vilela em sala de aula, os alunos se apaixonaram, por isso recomendo a todos os professores”. Para Duda Salabert, o contista Luiz Vilela est� no mesmo patamar de Machado de Assis e Murilo Rubi�o. "O livro ‘Tremor de terra’ � um marco. Tem um conto, ‘O buraco’, que � perturbador. Vilela tem caracter�sticas machadianas, sempre me encanta.”


Biografia 

Luiz Vilela nasceu em Ituiutaba, no Tri�ngulo Mineiro, em 31 de dezembro de 1942. Come�ou a escrever aos 13 anos, e, aos 14, publicou pela primeira vez um conto num dos jornais da cidade, o Correio do Pontal. Aos 21, criou com outros jovens escritores mineiros, em Belo Horizonte, a revista de contos Est�ria e o jornal liter�rio de vanguarda Texto. Em 1967, aos 24, depois de recusado por v�rios editores, publicou � pr�pria custa, em edi��o graficamente modesta e de apenas mil exemplares, seu primeiro livro, de contos, “Tremor de terra”, e com ele ganhou, a seguir, em Bras�lia, o Pr�mio Nacional de Fic��o, derrotando 250 escritores, entre os quais v�rios j� consagrados, tornando-se conhecido em todo o Brasil. Vilela ganhou tamb�m, em 1973, com “O fim de tudo”, o Pr�mio Jabuti de melhor livro de contos do ano, e em 2012, com o romance “Perdi��o”, o Pr�mio Liter�rio Nacional PEN Clube do Brasil 2012. Em 2014, seu livro de contos “Voc� ver�” recebeu o Pr�mio ABL de Fic��o, concedido pela Academia Brasileira de Letras ao melhor livro de fic��o publicado no Brasil em 2013, e o 2º lugar no Pr�mio Jabuti. 
 


Um conto de um mestre


 “Dez anos”

— E a�?
— A� eu fui para o terreiro.
— Hum.
— J� contei que eu estava sozinho l� em casa, n�o contei?
— Contou.
— Papai e mam�e tinham sa�do.
— �.
— Eu fui dar milho para as galinhas. Depois fui lavar as m�os no tanquinho; aquele tanquinho da lavanderia, sabe qual?
— Sei.
— Lavei as m�os e fui para dentro. Fiquei l�, na sala, olhando uma revista. Ent�o lembrei que eu tinha esquecido de p�r �gua para as galinhas e voltei l�, no galinheiro.
— Hum.
— Quando passei na lavanderia, ouvi o barulho do chuveiro da empregada. A� dei uma olhada para l�, mas continuei andando, e de repente levei um susto: eu vi que a porta do banheiro estava aberta. Feito a gente v� nos filmes: o sujeito v� uma coisa, parece que n�o viu, e de repente arregala os olhos e para; sabe como?
— Sei. E a�?
— O que voc� acha que eu fiz?
— Voc� olhou.
— �. Eu parei e dei uma olhada: a porta estava mesmo aberta, n�o era imagina��o.
— Que tanto mais ou menos?
— Assim...
— Ent�o dava para ver muita coisa...
— Dava...
— E a�. Conta.
— Eu cheguei mais perto, andando na ponta dos p�s, e escondi atr�s do tanque; do tanc�o, n�o � do tanquinho, n�o.
— Sei.
— A� eu olhei...
— Hum...
— Menino...
— Estava dando para ver?
— Era a mesma coisa de a porta estar aberta inteira...
— Puxa... E ela?
— O qu�?
— Ela estava com alguma coisa?
— Alguma coisa como?
— Alguma roupa.
— Gente tomando banho de roupa?...
— Nada?
— Nada, uai.
— Nada nada?
— Nada nada.
— Ent�o deu para ver tudo?
— Tudo.
— Mas tudo tudo ou s� tudo de cima?
— N�o, tudo tudo.
— Tudo de baixo tamb�m?
— N�o estou dizendo que tudo?
— Puxa, hem?...
— Tudo.
— Deve ser, hem?...
— Vou te contar...
— � aquela loura mesmo, n�?
— �. Eu n�o sabia que ela era sem-vergonha.
— E ela? Ela n�o te viu?
— A� � que eu acho que ela � mais sem-vergonha ainda: ela viu, mas fingiu que n�o estava vendo.
— Foram uns quantos minutos?
— Uns cinco.
— Isso tudo?
— �.
— E a�, que mais?
— A� ela fechou a porta; mas, na hora de fechar, ela deu uma risadinha para mim.
— Risadinha? Como?
— Uma risadinha assim... Uma risadinha sem-vergonha...
— E voc�?
— Eu? Acho que eu fiquei vermelho pra burro; n�o sabia onde esconder a cara...
— E a�, que mais?
— A� acabou. Eu fui para o terreiro, dar �gua para as galinhas. Depois voltei para dentro.
— E ela?
— O qu�?
— Depois disso. Voc� tornou a ver ela?
— S� hoje de manh�, quando eu vim para a aula.
— Ela disse alguma coisa?
— N�o. Dizer, ela n�o disse; mas deu outra risadinha daquelas. Eu morri de vergonha.
— Hum...
— Essa noite eu sonhei com ela.
— Do jeito que voc� viu ela ontem?
— �.
— Como que foi o sonho?
— S� isso, ela daquele jeito.
— Conta assim mesmo.
— Mas foi s� isso, ela daquele jeito. Tudo igual. S� que n�o teve o peda�o do galinheiro.
— Peda�o do galinheiro? Qual? Esse voc� n�o contou, n�o.
— N�o, estou falando as galinhas, quando eu fui tratar das galinhas. S� n�o apareceu isso no sonho; o resto foi igual.
— Ela estava sem roupa tamb�m?
— A mesma coisa.
— Puxa, hem? Quer dizer que voc� acabou vendo ela duas vezes...
— �...
— Quanto tempo mesmo que voc� disse?
— O sonho?
— N�o; o banheiro.
— Uns dez minutos.
— Voc� n�o disse que foram cinco?
— Cinco? N�o. Dez minutos.
— Por que voc� n�o foi l� em casa me chamar?
— N�o dava tempo.
— Voc� podia ter dado um assobio dos nossos.
— � mesmo, mas na hora eu n�o lembrei. Na pr�xima vez eu dou.
— Quando ser� que vai ser a pr�xima?
— N�o sei...
— Domingo que vem seus pais v�o sair?
— Acho que v�o.
— Se tiver, voc� me chama?
— Chamo.
— Mesmo?
— Mesmo.
— Jura?
— Juro.
— Por Deus?
— Por Deus.
— Ent�o est� combinado.
 
 Inclu�do no livro “50 contos” (Faria e Silva Editora)




Obras publicadas 

Romances

1971 – “Os novos”
1979 – “O inferno � aqui mesmo”
1983 – “Entre amigos”
1989 – “Gra�a”
2011 – “Perdi��o” 

Contos

1967– “Tremor de terra” – Ganhador do Pr�mio Nacional de Fic��o, concedido em Bras�lia (DF)
1968 – “No bar”
1970 – “Tarde da noite”
1973 – “O fim de tudo” – Ganhador do Pr�mio Jabuti
1979 – “Lindas pernas”
2002 – “A cabe�a”
2014 – “Voc� ver�” – Ganhador do Pr�mio ABL de Fic��o, concedido pela Academia Brasileira de Letras
 
Novelas

1979 – “O choro no travesseiro”
1994 – “Te amo sobre todas as coisas”
2006 – “B�ris e D�ris”
2016 – “O filho de Machado de Assis”
 


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