(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

O mundo perdido de J. P. Cuenca

Em livro de cr�nicas, escritor narra experi�ncias que teve em viagens pelos quatro cantos do planeta


24/09/2021 04:00 - atualizado 23/09/2021 21:23

Seul (2016)
Seul (2016) (foto: Arquivo pessoal)

“Os acontecimentos s�o justamente o que fazemos deles”, especula J. P. Cuenca em “Vamos supor, apenas supor, que eu tenha sido preso”, uma das cr�nicas mais intrigantes de “Qualquer lugar menos agora”. A capacidade de transformar relatos de viagem em experi�ncias desconcertantes � um dos pontos altos do novo livro do escritor, inclu�do em 2012 pela revista Granta na rela��o dos melhores romancistas brasileiros com menos de 40 anos. Impressionam tamb�m os encontros de Cuenca com a vida que pulsa em diversos lugares do planeta: Berlim, Macau, Jerusal�m, Gaza, Lima, �bidos, Han�i. Descobertas, mist�rios, sustos, o corpo e a mente abertos para o desconhecido. “Acredito que essa ca�a por epifanias e por tudo o que esteja al�m dos cart�es-postais s�o meus principais motores numa viagem”, afirma o escritor a respeito das viv�ncias de tempos com euforia e sem pandemia; de um mundo, talvez, irremediavelmente perdido. “Minha �ltima viagem foi para Berlim, de onde voltei em dezembro de 2019. Eu iria novamente para a Alemanha, em mar�o de 2020, dar um curso na Universidade de Col�nia, e muito possivelmente passar uma outra temporada por l�, mas veio a pandemia e os planos todos mudaram”, conta. Na entrevista a seguir, Cuenca revela ao Estado de Minas sobre o ponto de partida de suas viagens, antecipa o pr�ximo romance (o mais recente, “Descobri que estava morto”, de 2015, venceu o Pr�mio Machado de Assis, da Funda��o Biblioteca Nacional) e conta o que tenta repassar aos participantes da “oficina experimental de cria��o” que oferece anualmente.

Israel (2014)
Israel (2014) (foto: Arquivo pessoal)

“Viagens s�o como contos”, voc� escreve no in�cio das “Notas de Zagreb”. Por que contar as suas viagens em cr�nicas?
Tenho a impress�o de que s� conhe�o realmente algum lugar se escrevi sobre ele. Se n�o transformo aquela experi�ncia num texto, vejo as fotografias que tirei e n�o me reconhe�o: � como se fosse outra pessoa viajando. Nesse sentido, a experi�ncia � sempre dupla. Assim como a viagem: para fora, ao redor do mundo, e para dentro de si mesmo. 

O que os tempos de quarentena o fizeram refletir sobre a import�ncia de sair de casa?
A experi�ncia de revisitar e editar esses textos durante a pandemia, sem saber quando (ou se) poder�amos voltar a viajar, foi intensa. O livro � fruto de 15 anos de viagens, um per�odo em que o mundo parecia muito menor por uma s�rie de fatores — tanto concretos (como o c�mbio favor�vel e o interesse do mundo por escritores brasileiros) como tamb�m pessoais (desejo de fuga, apetite pelo desconhecido). Hoje em dia, quero continuar saindo de casa, mas, ao contr�rio de antes, sabendo muito bem para onde voltarei no fim da viagem. De qualquer forma, viajar sempre ser� algo fundamental para mim: acho que s� consegui come�ar a entender direito quem sou e de onde vim me perdendo pelo mundo. 

O que voc� mais busca em uma viagem? Uma “experi�ncia desconcertante”, como a caminhada em Macau, descrita em uma das cr�nicas? Houve alguma experi�ncia que voc� n�o conseguiu traduzir em palavras?
H� no livro uma passagem em que comparo viagens a contos, pois em ambos sempre h� a expectativa de uma revela��o. Acredito que essa ca�a por epifanias e por tudo o que esteja al�m dos cart�es-postais s�o meus principais motores numa viagem. E, sim, h� sempre algo que as palavras n�o alcan�am — no caso desse livro, tentei montar uma s�rie de booktrailers com imagens de algumas dessas viagens para ilustrar. Considero esses nove v�deos uma experi�ncia complementar � leitura do livro e eles podem ser encontrados aqui: https://vimeo.com/showcase/8599598.

Poderia explicar o porqu� de classificar algumas metr�poles como Buenos Aires, Paris e Nova York de “cidades neur�ticas”? Existem pa�ses neur�ticos?
Acho que as chamo de neur�ticas porque s�o cidades excessivamente psicanalisadas e auto-conscientes, onde tamb�m h� uma ilus�o de protagonismo ou centralidade. Claro que s�o generaliza��es, mas �s vezes elas nos ajudam a pensar os lugares e nossas rela��es com eles. Sobre pa�ses, talvez agora o mundo inteiro esteja vivendo um momento profundamente patol�gico. Tor�o para que seja breve, mas n�o tenho muitas esperan�as. 

Por que a pausa na fic��o para um livro de cr�nicas? Est� mais dif�cil fazer fic��o no Brasil?
Nunca foi f�cil! No meu caso, depois do “Descobri que estava morto”, passei cerca de tr�s anos sem escrever uma linha de fic��o. Fui voltando aos poucos e estou hoje montando um romance sobre di�rios que alimento desde esse meu retorno � vida (ou a minha pr�pria ideia de literatura) em 2019, em Berlim. A ideia de publicar essa antologia de cr�nicas surgiu pela saudade de viajar durante a quarentena e para celebrar a ida desse meu romance in�dito para a Editora Record, inaugurando nova fase sob os ausp�cios do grande escritor, editor e amigo Rodrigo Lacerda. 

Quais ser�o as suas pr�ximas viagens quando terminarem as restri��es impostas pela pandemia?
Estou com muitas saudades de Buenos Aires. Que, por motivos familiares, � dos lugares para onde mais fui. E tamb�m o primeiro fora do Brasil. Um bom lugar para voltar a viajar: pelo meu particular come�o. 

Viajar �, tamb�m, descobrir que voc� est� vivo?
Sem d�vida. Editar esse livro me fez entender mais uma vez que a viagem � para mim t�o importante quanto o cinema, a literatura, a m�sica, a arte, a comida, o vinho, o amor. Estamos menos vivos sem qualquer uma dessas coisas. 
Viena (2016)
Viena (2016) (foto: Arquivo pessoal)

“Decidi sistematizar o que aprendi na pr�tica sobre processo criativo”, voc� explicou ao anunciar que ministraria uma oficina experimental de cria��o.  O que aprendeu, na pr�tica, e � poss�vel compartilhar, e o que � imposs�vel de ensinar?
Acho que � muito poss�vel compartilhar m�todos, pr�ticas e caminhos. De forma extensiva e com muitas refer�ncias. O que me parece imposs�vel de ensinar � o objeto de cria��o em si. Porque cada aluno tem o potencial para ser o melhor de si mesmo — e, ao mesmo tempo, esse “melhor” pode n�o ter nada a ver com as afinidades est�ticas do seu professor. Na minha opini�o, as boas oficinas s�o as que ajudam os alunos a abrirem trilhas em mato fechado, e n�o as que indicam caminhos existentes e j� cimentados. 

Por que a sua oficina de literatura � “ao redor da escrita” e n�o uma “oficina de escrita liter�ria”?
Depois de mais de 10 anos dando oficinas focadas em produ��o textual, decidi explorar mais diretamente o outro lado da moeda: os procedimentos, gestos, a��es e h�bitos que acompanham a escrita. Tentando entend�-la, acima de tudo, como uma pr�tica art�stica. Que envolve, entre outras coisas, a aten��o plena e o exerc�cio da deriva. � uma oficina n�o s� para escritores, mas para todo tipo de criador interessado em ampliar sua percep��o e seu repert�rio de rituais e truques de m�gica.
 
O �nico final para a hist�ria do Brasil � um acidente?
Acho que n�o h� final feliz para o Brasil enquanto n�o entendermos que nada aqui � por acidente. Parece contraintuitivo pensar que nossas piores mazelas s�o estruturais e fruto de planejamento onde o notici�rio � t�o ca�tico, mas para mim � exatamente o caso. Enquanto n�o transformarmos nosso passado escravocrata e etnocida definitivamente em hist�ria, estaremos condenados a esse presente infinito, sem consci�ncia do passado e, acima de tudo, sem perspectivas para um futuro realmente novo.
None

“Qualquer lugar menos agora – cr�nicas de viagem para tempos de quarentena”
• J. P. Cuenca
• Editora Record
• 238 p�ginas
• R$ 44, 90



Cuenca na estante

Romances: 
• “Corpo presente” (2003) 
• “O dia Mastroianni” (2007) 
• ”Descobri que estava morto” (2017)”  
•  “O �nico final feliz para uma hist�ria de amor � um acidente” (2010)

Cr�nicas: 
• “A �ltima madrugada” (2012)


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)