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Estado de Minas LITERATURA

Poeta e tradutor italiano Cesare Pavese volta �s livrarias brasileiras

Obra-prima 'Trabalhar cansa' e p�stumo 'Vir� a morte e ter� seus olhos' recebem, cada um, duas edi��es diferentes no pa�s


01/04/2022 04:00 - atualizado 01/04/2022 00:38

ilustração do poeta e tradutor italiano Cesare Pavese
Figura plural, intelectual central do panorama italiano no s�culo 20, Cesare Pavese ganha lan�amento de novos t�tulos e relan�amento de tradu��es de sua obra (foto: Quinho)
Cesare Pavese n�o � um nome novo para n�s. Figura plural, intelectual central do panorama italiano no s�culo 20 pelas m�ltiplas e interligadas atividades desenvolvidas ao longo de seus 42 anos de vida, al�m de escritor, poeta, consultor da Einaudi (importante editora italiana), teve um papel importante de mediador da literatura em l�ngua inglesa, ao lado de Elio Vittorini. 

Nos anos pesados do fascismo, traduzir e olhar para a literatura americana representava um desvio, talvez necess�rio, para se voltar depois para as quest�es mais localizadas dentro da It�lia. Mesmo sem nunca ter se deslocado para a Am�rica, � nesse mundo “outro” que ele e outros encontram possibilidades de viagens, mediadas pela literatura e pela tradu��o. Como o pr�prio Pavese afirma, num artigo de 20 de maio de 1945, “nos nossos esfor�os para compreender e para viver sorriram para n�s vozes estrangeiras”. Pavese foi tradutor de Melville, Defoe, Dickens, Stein, dos Passos, S. Lewis, Joyce.

A experi�ncia do regime, da guerra e da resistenza s�o indel�veis, como se l� tamb�m em narrativas como “A lua e a fogueira”, em que aparecem as famosas colinas de sua regi�o natal (Langas, perto de Turim), repletas de cad�veres que pareciam quase n�o suportar a sepultura. As mortes existem, elas est�o ali, basta procur�-las.

 Descri��o que tamb�m ecoa na “Trilha dos ninhos de aranha”, de Italo Calvino, no poema “Os companheiros que correram na frente; em “Vocativo”, de Andrea Zanzotto, e em tantos outros textos que tratam da espolia��o violenta causada pela guerra e da rela��o entre org�nico e inorg�nico que ela mesma imp�e. J� em 21/11/1937, l�-se no di�rio do pr�prio Pavese: “Se � verdade que a gente se acostuma � dor, por que com o passar dos anos sofre-se cada vez mais?”.

O perfil sinuoso das colinas � uma das paisagens mais marcantes em sua obra. H� nessa escrita uma rela��o intensa com a paisagem e com o landscape. � Natalia Ginzburg, escritora e companheira de trabalho na Einaudi, quem vai sublinhar esse aspecto na descri��o que ela oferece do amigo, pelas lentes do territ�rio: “[...] nossa cidade � melanc�lica por natureza”. 

Duas tradu��es

Em 2022, completam-se 70 anos da morte de Pavese e, com os direitos liberados, algumas editoras aproveitam para lan�ar novos t�tulos ou relan�ar tradu��es de sua obra, como � o caso da Companhia das Letras com “Trabalhar cansa”, que havia sido publicado numa dobradinha pela 7Letras e CosacNaify em 2009, com tradu��o de Maur�cio Santana Dias, e um aparato de grande relev�ncia, inclusive o texto assinado pelo tradutor.

E esse livro de estreia na poesia de Pavese chega, agora, tamb�m pela recent�ssima Colenda, de Bras�lia, na tradu��o de Andr�ia Riconi: pode-se dizer que � um luxo duas tradu��es de uma mesma obra! A tradu��o � a sobrevida do texto, poder�amos pensar com Walter Benjamin, ou seja, � um retorno que � diferen�a e recarga de vida.

Mas tamb�m podemos dizer com Steiner, toda tradu��o � insuficiente, � uma aproxima��o com muitas tangentes, que possibilitam in�meras incurs�es – inclusive contingenciais – na leitura de um texto. A edi��o da Colenda traz um ap�ndice com os textos que fazem parte da hist�ria de “Trabalhar cansa”, “O of�cio do poeta” e “A prop�sito de certos poemas ainda n�o escritos” – j� presentes na edi��o de 2009. 

A edi��o italiana de “Lavorare stanca” � de 1936, quando Pavese estava no confinamento acusado de antifascismo, e n�o recebeu muita aten��o da cr�tica, o que se d� s� a partir da segunda edi��o, em 1943. Na escolha por uma “poesia-conto” – adversa ao hermetismo –, com versos longos, com tipos de personagens, as tem�ticas giram em torno da ant�tese cidade-campo, do mundo do proletariado, do sexo, de certo sentimento de desola��o, com pitadas rea- listas e m�tico-simb�licas, que aparecem inclusive em outros livros. 

“Verr� la morte e avr� i tuoi occhi”, volume publicado p�stumo, em 1951, dividido em duas se��es, com 20 poemas, sai por duas editoras, a Jabuticaba e a K casa editorial. “A morte vir� e ter� seus olhos” � a tradu��o da K casa editorial, a cargo de Francisco De Matteu e Cristiano Passos. J� em circula��o e com tiragem reduzida a 100 exemplares, o livro conta com a introdu��o de Mariarosa Masoero (respons�vel por obras de Pavese na It�lia) e cont�m fotos que ela mesma cedeu de seu arquivo pessoal. O projeto tradut�rio � um desafio ao problematizar a tradu��o da segunda pessoa, o “tu”. 

“Vir� a morte e ter� os seus olhos” � o t�tulo da Jabuticaba, na tradu��o de Elena Santi e Cl�udia Alves. A edi��o traz tr�s cartas endere�adas a Bianca Garufi e Constance Dowling, que tamb�m est� presente no di�rio do poeta (6/3/50) e � seu �ltimo amor. 

O t�tulo do livro cita o primeiro verso de um poema que trata da inevitabilidade da morte, vista por meio dos olhos da artista americana C. Dowling. Para uma parte da cr�tica, o tom desses poemas j� aparece no final de alguns textos de “Trabalhar cansa”.

Antologia de microcontos

 E teremos tamb�m a prosa de Cesare Pavese, porque os volumes de poesia chegam acompanhados de uma antologia de microcontos e do di�rio, que � talvez o grande livro. “Trabalhar � um prazer” � a antologia que re�ne 14 microcontos, escritos entre 1941 e 1942, com lan�amento previsto para abril pela 7Letras.

Esses microcontos retomam as atmosferas da poesia e narrativa pavesiana e ainda fazem um contraponto, uma esp�cie de passagem entre “Trabalhar cansa” e “Vir� a morte e ter� os seus olhos”. A solid�o do confinamento em Brancaleone Calabro (que � quando come�a a escrever seu di�rio), os campos de trigo, as videiras, as colinas est�o ao lado das sensa��es da primeira juventude, das concre��es memoriais de s�mbolos infantis. Essa tradu��o contou com a colabora��o de v�rios tradutores e a organiza��o ficou a cargo de Francisco Degani. 

S�o livros e tradu��es que v�o formando uma teia: cicatrizes da guerra, das rela��es pessoais, imagin�rio e imagens da inf�ncia e adolesc�ncia que passam de uma escrita para outra modificam-se e refazem-se. Tudo isso se entrela�a com a escrita mais �ntima, desviante que � aquela do di�rio: “O of�cio de viver”, que tamb�m est� chegando na tradu��o de Davi Pessoa, pela Cultura e Barb�rie, no segundo semestre. 

A primeira tradu��o do final da d�cada de 1980 � de Homero Freitas de Andrade, para a Bertrand Brasil. As anota��es do di�rio iniciam no final de 1935 e se interrompem em 18/8/1950, um dia antes do suic�dio. As folhas encontradas numeradas, organizadas por I. Calvino, M. Mila e N. Ginzburg para a sua primeira edi��o em 1952, na It�lia, tocam em temas como a reflex�o sobre a poesia e a rela��o com a prosa, sobre a pr�pria escrita, o sofrimento, a vis�o da realidade racional e laica, anota��es de leituras feitas, a cidade de Turim. 

Todas essas publica��es ajudam a delinear um retrato quebrado – sempre insuficiente –, que exp�e o salto profundo nas intemp�ries, nas formas de tentar se reencontrar. Enfim, tetos tamb�m inc�modos, vistos muitas vezes pelo filtro de uma simbologia da origem perdida, que se inscreve e pulsa nas diferentes incurs�es da escrita de Cesare Pavese.

* Patricia Peterle � cr�tica liter�ria, tradutora, professora de literatura italiana da UFSC, autora de "no limite da palavra" (7Letras, 2015) e "A palavra esgar�ada: poesia e pensamento em Giorgio Caproni" (Rafael Copetti Editor, 2017)

Capa do livro 'A morte virá e terá seus olhos'

“A morte vir� e ter� seus olhos”
Cesare Pavese
Edi��o bil�ngue
Tradu��o de Francisco De Matteu, Daniel Delatin e Cristiano Passos
Cole��o Outro Lugar
Casa editorial K edi��es
104 p�ginas
R$ 30 + postagem
Encomendas: [email protected]

Capa do livro 'Trabalhar cansa'

“Trabalhar cansa”
Cesare Pavese
Companhia das Letras
Tradu��o de Maur�cio Santana Dias
384 p�ginas
R$ 74,90; e-book: 39,90

livro 'Trabalhar cansa'

“Trabalhar cansa”
Cesare Pavese
Colenda
Tradu��o de Andr�ia Riconi
192 p�ginas
R$ 37,90


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