(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas LITERATURA

'Tchevengur', obra-prima de Andrei Plat�nov, � lan�ado no Brasil

Cidade imaginada pelo escritor russo causou admira��o e repulsa no fim da primeira d�cada do duro regime stalinista da Uni �o Sovi�tica


03/06/2022 04:00 - atualizado 03/06/2022 03:36

Capa do livro 'Tchevengur'
(foto: Ars et Vita/Divulga��o)
Imagine uma pequena cidade isolada nas vastas estepes russas, chamada Tchevengur, logo depois da grande revolu��o que derrubou o imp�rio czarista e que se transforma num para�so dial�tico do comunismo, onde o capitalismo, a propriedade privada, o ac�mulo de bens, a luta de classes e o trabalho foram abolidos para implanta��o do socialismo. “Toda revolu��o acontece por causa da terra”, prega um personagem. Mas o cultivo igualit�rio da terra para subsist�ncia tamb�m � proibido e a popula��o vive sob a influ�ncia do prolet�rio Sol – o �nico que “trabalha” para o bem-estar de todos –, sobrevivendo da coleta de alimentos e tentando apenas ser feliz. Os diversos e inusitados personagens, com seu mundo muito particular, um tanto quanto quixotesco, se envolvem em tramas que passam por s�tira, f�bula, poesia em prosa, utopia e distopia, uma epopeia com apocalipse iminente, porque esse para�so pode estar por um fio diante do risco de invas�o de bolcheviques ortodoxos. Tudo isso � reunido num romance de forma��o incr�vel e surpreendente, que, em determinado momento da narrativa, destaca que a ignor�ncia do povo � mais importante do que a cultura, porque � vista como campo f�rtil para o desenvolvimento de um novo conhecimento.

Segue um pequeno exemplo: “As pessoas transitavam pelas ruas de Tchevengur. Naquele dia, algumas delas deslocaram casas, outras carregavam jardins com os bra�os. Agora, iam descansar, conversar e acabar de viver o dia em um c�rculo de camaradas. No dia seguinte, elas n�o teriam mais trabalho e ocupa��es, porque somente o Sol, que tinha sido declarado prolet�rio universal em Tchevengur, trabalhava por todos e por cada um. As ocupa��es das pessoas n�o eram imprescind�veis (…) o trabalho fora declarado para sempre uma sobreviv�ncia de gan�ncia e da voluptuosidade exploradora-animal, porque fomentava a origem da propriedade, e a propriedade, por sua vez, a opress�o. O Sol, ao contr�rio, fornece ra��es normais suficientes � vida das pessoas, e qualquer acr�scimo alimentaria a fogueira da guerra de classes, porque se criariam objetos nocivos em excesso”.

Esse � um recorte de uma obra-prima. Fabuloso tamb�m � um adjetivo bem apropriado para definir “Tchevengur” (Editora Ars et Vita), do russo Andrei Plat�nov (1899-1951), pseud�nimo de Andrei Platonovich Klimentov, que, finalmente, � lan�ado no Brasil, quase um s�culo depois de escrito. � incr�vel como um livro dessa grandeza tenha ficado tanto tempo na sombra, inclusive no Brasil, pois � uma grata surpresa para o leitor, que vai compreender que a literatura russa vai al�m dos gigantes do s�culo 19 – G�gol, Dostoi�vski, Tolst�i, Turgu�niev e Tch�khov –, e tamb�m do pr�prio s�culo de Plat�nov – Maksim G�rki (que come�ou a produzir no 19), Vladimir Nabokov, Mikhail Bulg�kov e os vencedores do Nobel de Literatura Ivan Bunin (1933), Boris Pasternak (1958), Mikhail Ch�lokhov (1965), Aleksandr Soljen�tsin (1970) e Joseph Brodsky (1987). � importante citar tamb�m Svetlana Aleksi�vitch, vencedora do Nobel de Literatura em 2015, que fez 74 anos em 31 de maio, e sua obra essencial que trata do terr�vel sofrimento em �pocas cr�ticas da R�ssia sovi�tica e p�s-sovi�tica, como a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o acidente nuclear de Chernobyl (1986), o ocaso do comunismo sovi�tico (1991) e guerra do Afeganist�o (2001-2021).

Essa constela��o de grandes autores e suas obras memor�veis, al�m do regime stalinista persecut�rio e de outros fatores, ofuscaram Plat�nov e “Tchevengur”, escrito entre 1927 e 1920, publicado em seu pr�prio pa�s apenas em 1988, quando a Uni�o das Rep�blicas Socialistas Sovi�ticas (URSS) j� agonizava. “A literatura russa ora era mistificada por uma esquerda que hoje, com o distanciamento hist�rico necess�rio e saud�vel, endeusava tudo o que chegava da Uni�o Sovi�tica, ora (e muitas vezes) era demonizada pela ditadura militar ent�o vigente no Brasil”, disse ao Pensar Maria Vragova, que traduziu a obra para o portugu�s com Graziela Schneider.

Ao lado de “A m�e” (G�rki), “O mestre a margarida” (Bulg�kov) e “Doutor Jivago” (Pasternak), eu poria “Tchevengur” entre os maiores romances do s�culo 20, talvez o maior. Na obra de Plat�nov, a efervesc�ncia de Moscou est� distante, assim como o principal l�der da Revolu��o Russa, Vladimir Ilyich Ulianov, conhecido pelo pseud�nimo L�nin, apenas citado. O que vigora s�o os  ventos da mudan�a. E que mudan�a! Desde as primeiras p�ginas, o desenrolar da leitura de “Tchevengur” (al�m da saga quixotesca de um dos protagonistas, Step�n Kopienkin, que tem um cavalo chamado For�a Prolet�ria, analogia com o Rocinante do her�i/anti-her�i de Cervantes), a linguagem par�dica e po�tica de Plat�nov e a variedade de g�neros remetem o leitor tamb�m �s obras de outros dois g�nios liter�rios, o brasileiro Guimar�es Rosa (1908-1967) e o mo�ambicano Mia Couto, de 66 anos, tamb�m pela grande riqueza de estilo e linguagem, como “um aspecto tot�mico”, ressalta Maria Vragova.

Beleza e poesia, por exemplo, podem ser extra�das at� da morte, como quando Aleksandr Dv�nov, o outro protagonista, presencia o fim de um soldado do Ex�rcito Vermelho, que perde a vida aos poucos com uma hemorragia na virilha:

“– Feche-me a vis�o! – disse fitando Dv�nov, com os olhos que iam secando e as p�lpebras que sequer tremiam.
- Por que? Perguntou Aleksandr, inquieto de vergonha.
- Me d�i... explicou o soldado e cerrou os dentes para fechar os olhos. Mas os olhos n�o se fecharam, em vez disso, murcharam e descobriram-se, transformando-se em um mineral embaciado. Nos seus olhos, via-se nitidamente o reflexo do c�u nublado, como se a natureza regressasse ao homem, ap�s desaparecer a vida que a molestava por lhe ser contr�ria, e o soldado, para n�o sofrer, a ela se acomodova por meio da morte”.


RUMO AO �DEN

O fio da meada de “Tchevengur” est� na saga e na sina dos dois protagonistas. O primeiro � Dv�nov, filho de um pescador que cometeu suic�dio involunt�rio ao mergulhar num lago para descobrir o “segredo” do outro lado. Um dia n�o aguentou a curiosidade e se jogou do barco na �gua, com os p�s amarrados para n�o nadar involuntariamente, apenas para ver o que existia no fundo. “Talvez fosse mais interessante viver ali do que no vilarejo ou n�o beira do lago”, pensava; “afinal, enxergava a morte como outra prov�ncia, situada sob o c�u, como se ela estivesse no fundo da �gua gelada e o atra�sse”. Obviamente, morreu afogado. Essa passagem curiosa do afogamento est� estampada na capa do livro, em ilustra��o da artista russa Svetlana Filippova, de 53 anos, que permeia toda a obra com belas imagens de fundo preto.

Assim, com o pai afogado pela atra��o da morte, Dv�nov se tornou um menino �rf�o, foi adotado por uma fam�lia muito pobre, que esmolava para n�o morrer de fome. Adulto, j� nomeado para o comit� executivo da revolu��o, ele se junta a Kopienkin, o segundo protagonista, homem ainda perdidamente apaixonado por sua noiva, a revolucion�ria fil�sofa e economista polaco-alem� Rosa Luxemburgo (personalidade hist�rica, l�der do Partido Comunista da Alemanha, brutalmente espancada e assassinada a tiros por paramilitares a mando do governo social-democrata, em 15 de janeiro de 1919). O seu cavalo For�a Prolet�ria e amor perdido de Rosa Luxemburgo faz de Kopienkin um Quixote das estepes. “Meu amor agora brilha no sabre e na espingarda, mas n�o no meu pobre cora��o. Eliminarei os inimigos de Rosa, dos pobres e das mulheres como se fossem ervas daninhas”, jura ele. Juntos, Dv�nov e Kopienkin, entre percal�os e devaneios, seguem pelas vastas estepes at� a distante Tchevengur, onde s�o surpreendidos pela forma absurda e “ultrarrevolucion�ria” de aplica��o pr�tica de uma esp�cie de comunismo solar, onde a propriedade privada e o trabalho foram abolidos e a popula��o delirante tenta se acomodar diante da nova realidade como uma irmandade.

Embora Tchevengur n�o tenha um l�der, como Ant�nio Conselheiro, o leitor tamb�m tende a se lembrar do povoado de Canudos e seu car�ter messi�nico ao ler a obra de Plat�nov, oscilando entre o del�rio da salva��o e a aniquila��o total. O messianismo e o ideal de um para�so terrestre eram realidade na R�ssia e tamb�m no Brasil no fim do s�culo 19 e in�cio do 20. Maria Vragova explica o que ocorria na R�ssia: “O ‘reino milenar’, de acordo com as ideias de igrejas crist�s, principalmente a protestante, surgir� ap�s o segundo advento de Cristo. O quiliasmo, doutrina do reino milenar, � o para�so na terra, muito popular entre os intelectuais m�sticos e entre os numerosos sect�rios camponeses na R�ssia no fim do s�culo 19”. Ela lembra que grande parte da popula��o associou a revolu��o a um para�so terrestre, no caso, o comunismo, ou seja, os anos logo ap�s a revolu��o foram de muita esperan�a. “Plat�nov usou brilhantemente sua imagina��o para criar como poderia ser esse para�so, com seus personagens messi�nicos e sect�rios”, diz. Importante lembrar tamb�m que “Tchevengur” foi escrito quando o chamado “realismo socialista”, doutrina est�tica do regime que cooptou escritores e outros intelectuais a partir da d�cada de 1930, ainda era incipiente.

Em Tchevengur, Dv�nov e Kopienkin se surpreendem ao encontrar um modelo aleg�rico de comunismo, como este cen�rio descrito pelo narrador: “Uma estepe profunda e poderosa abria-se na extremidade da cidade (…) O Sol ainda n�o tinha se posto, mas naquele momento, era poss�vel direcionar o olhar para ele – o incans�vel calor redondo; sua for�a vermelha deveria ser suficiente para o comunismo eterno e para o completo cessar das disc�rdias v�s entre as pessoas, disc�rdias nascidas da necessidade mortal de comer, enquanto o astro celeste trabalhava para o cultivo do alimento, sem a participa��o dos homens. Era necess�rio que cada um cedesse ante seu vizinho para preencher esse lugar interior, iluminado pelo Sol e pela amizade”. A quem Plat�nov est� ironizando com o seu Sol espec�fico? Um ditador intoc�vel (St�lin?) ou um trabalhador eterno? O leitor pode interpretar como bem entender.


“ESCRITOR PROLET�RIO”

Maria Vragova conta que se a publica��o de “Tchevengur” foi complicada, n�o menos dif�cil foi a vida de Andrei Plat�nov. O escritor nasceu em 28 de agosto de 1899, na cidade russa de Voronezh, perto da fronteira com a Ucr�nia. Seu pai, Plat�n Kliment�v, era mec�nico ferrovi�rio e conhecido como inventor autodidata. A m�e, Maria Lob�tchikhina, mulher simples, tinha forma��o crist�. Plat�nov come�ou a trabalhar aos 14 anos, foi entregador e ajudante de maquinista. Depois da Revolu��o de 1918, entrou para o departamento eletrot�cnico da polit�cnica ferrovi�ria. O conhecimento nessa �rea est� presente em “Tchevengur” na pele de um  personagem histri�nico que gosta mais de locomotivas do que de gente. Por essa �poca, o futuro escritor come�ou a participar de discuss�es pol�ticas e liter�rias e passou a publicar artigos, contos e poemas em jornais de sua cidade. Aproximou-se do Partido Comunista, mas suas cr�ticas e s�tiras a “revolucion�rios oficiais” sempre lhe renderam s�rios problemas. O seu primeiro livro foi “Eletrifica��o” e o primeiro volume de poemas, “A profundeza azul”. Como engenheiro e “escritor prolet�rio”, como se definia, teve vida atribulada porque estava em pleno regime stalinista, numa situa��o amb�gua. No fim da d�cada, se mudou para Moscou, publicou as novelas “O cidad�o estatal”, e “Makar, o duvidoso”, rejeitadas pela cr�tica e pelo pr�prio St�lin, que leu a segunda obra. O ditador n�o aprovou a “ambiguidade ideol�gica e o anarquismo da novela”, conta Vragova. 

“Tchevengur”, que surgiu nessa �poca, tamb�m foi malvisto e recusado. Plat�nov, ent�o, buscou apoio no escritor Maksim G�rki, outro g�nio liter�rio, que integrava o “realismo socialista”. Mas G�rki vaticinou: “Apesar de todos os m�ritos incontest�veis do seu trabalho, n�o creio que o livro venha ser impresso. Seu estado de esp�rito an�rquico, aparentemente, inerente � natureza de sua 'alma', o prejudicam. Goste ou n�o, voc� mostrou a realidade de um ponto de vista l�rico-sat�rico, o que, obviamente, � inaceit�vel para a nossa censura”, conta Maria Vragova no pref�cio de “Tchevengur”. Mesmo assim, Plat�nov seguiu escrevendo, apesar de nunca ter visto suas principais obras publicadas. Em 1938, seu filho, Platon, de apenas 15 anos, foi preso como "terrorista" e "espi�o" e condenado a 10 anos de pris�o. Contraiu tuberculose, que o matou em 1943. O escritor tamb�m contraiu a doen�a ao tratar do filho, e morreu em janeiro de 1951, sem ver a gl�ria posterior de sua genialidade. 

TRECHO DO LIVRO

“Os que haviam descido da colina j� tinham chegado a Tchevengur. Incapaz de formular seus pensamentos de forma expressiva, Tchep�rni pediu que Prok�fi o fizesse, e este falou com gosto aos prolet�rios que se aproximavam:
– Camaradas cidad�os indigentes! Apesar de a cidade de Tchevengur ter sido concedida a voc�s, n�o � para pilhagem dos miser�veis, e sim para o provento de toda a propriedade conquistada e para a organiza��o de uma grande fam�lia fraternal em prol da integridade da cidade. Agora, inevitavelmente, somos irm�os e fam�lia, porque a nossa propriedade � unida socialmente em uma s� economia. Por isso, vivam aqui com honestidade – sob a dire��o do Comit� Revolucion�rio!”

“Tchevengur”
• Andrei Plat�nov
• 584 p�ginas
• Tradu��o: Maria Vragova e Graziela Schneider
• Ilustra��es: Svetlana Filippova
• Editora: Ars et Vita 
• R$ 96,90

ENTREVISTA

MARIA VRAGOVA/Tradutora

Por que um livro monumental como “Tchevengur” n�o teve a divulga��o que merecia nas �ltimas d�cadas, inclusive no Brasil? Na R�ssia mesmo, s� foi publicado em 1988, por causa da persegui��o do regime stalinista. Seria pelo fato tamb�m de Plat�nov ser comunista e ter sido visto com maus olhos no Ocidente? Voc� mesma, no pref�cio, a considera uma das obras mais importantes do s�culo 20.
Na verdade, grande parte da cultura russa chegou ao Brasil at� as �ltimas d�cadas somente por tabela. A literatura russa chegava validada pela Fran�a, e o cinema russo que conhecemos, com rar�ssimas exce��es, foi o cinema que conseguiu algum sucesso nos Estados Unidos. At� muito pouco tempo atr�s, todas as obras da literatura russa eram traduzidas para o portugu�s a partir de um terceiro idioma. Esta falta de fontes prim�rias abre um espa�o perigoso para reduzirmos uma cultura a uma simples etiqueta. Trabalhando no setor cultural h� 12 anos no Brasil e promovendo um interc�mbio entre a cultura brasileira e a russa, tenho muitas vezes a impress�o de que a cultura russa raramente chegou ao Brasil de maneira objetiva. Ora era mistificada por uma esquerda que hoje, com o distanciamento hist�rico necess�rio e saud�vel, endeusava tudo o que chegava da Uni�o Sovi�tica, ora (e muitas vezes) era demonizada pela ditadura militar ent�o vigente no Brasil. Creio que “Tchevengur” venha cumprir um papel importante, dando acesso a esta riqueza de cores que Plat�nov apresenta, n�o se restringindo a um livro pr� ou contra o comunismo. O pr�prio Plat�nov, que sofreu as piores consequ�ncias da verticaliza��o stalinista na Uni�o Sovi�tica, acreditava em diversos aspectos do comunismo. Entretanto, assim como os her�is de “Tchevengur”, n�o se curvou ao autoritarismo, pagando um pre�o alt�ssimo por isso.

Afinal, como classificar essa obra aleg�rica, �pica e quixotesca que cont�m elementos do messianismo vigente na R�ssia da �poca? Nem comunista, nem anticomunista, como voc� diz no pref�cio. A utopia do para�so da igualdade e a distopia do desterro e da fome, por exemplo.
Na minha opini�o, “Tchevengur” � um romance que, com maestria, esquiva-se de qualquer r�tulo. Epopeia, utopia social, distopia, romance de aprendizagem ou forma��o, de viagens, aventuras, ideol�gico, filos�fico, s�tira mani- peia... “Tchevengur” � tudo isso e muito mais. A� reside tamb�m a maior riqueza do livro e tamb�m a maior dificuldade em traduzi-lo. Trata-se tamb�m do talento de Plat�nov em condensar imagens no limite de uma s� frase. No romance, h� contos inteiros que residem no limiar de uma s� frase. Esses fios que parecem suspensos s�o tecidos com maestria por Plat�nov ao longo de todo o livro.

O "�den comunista", na realidade, � uma volta �s origens do Homo sapiens, mero coletor que depende quase exclusivamente da energia do Sol, com aboli��o da propriedade, do trabalho e da luta de clas- ses. Seria uma cr�tica sat�rica de Plat�nov de que o comunismo e o capitalismo n�o deram certo?
Apesar de que “o Sol, que tinha sido declarado prolet�rio universal em Tchevengur, trabalhasse por todos por cada um”, este "id�lio" � visto por Plat�nov com bastante ceticismo e s�tira. Cabe ressaltar que Plat�nov trabalhou durante anos como engenheiro ferrovi�rio e viajava muit�ssimo pela vastid�o da R�ssia nos primeiros anos ap�s a re- volu��o. Tenho certeza de que in�meras cenas que nos parecem absurdas foram simplesmente documentadas com precis�o pelo autor a partir dessas experi�ncias. Me parece ainda interessante mencionar que nessa �poca havia in�meros movimentos messi�nicos na R�ssia e esses influenciaram in�meros intelectuais russos no final do s�culo 19 e in�cio do s�culo 20. Curiosamente, encontramos esses mesmos movimentos messi�nicos tamb�m no Brasil, nessa mesma �poca.

Em termos liter�rios, al�m da evidente influ�ncia de Dom Quixote, o que a obra de Plat�nov tem em comum com os universos de Guimar�es Rosa e Mia Couto, por exemplo?
Assim como Guimar�es Rosa e Mia Couto fizeram com a l�ngua portuguesa, Plat�nov se permite liberdades com a l�ngua russa at� ent�o impens�veis. De certa forma, pode-se dizer que Plat�nov, em in�meras ocasi�es, recria palavras, al�m de utilizar constru��es de frase �nicas, platonovianas. Al�m disso, h� um aspecto tot�mico na sua literatura, assim como no universo de Guimar�es Rosa e Mia Couto.

Uma das curiosidades da obra, que poderia ser o motivo de sua perdi��o, mas que acaba dando certo, � a miscel�nia de g�neros, inclusive de f�bula, com animais que falam, e a profus�o de personagens, que desaparecem e ressurgem na obra sem comprometer o resultado final. Foi uma ousadia de Plat�nov? 
Sem d�vida, esse � um dos aspectos mais fascinantes do romance. Plat�nov, como Ariadne, vai puxando os fios de cada personagem, tecendo uma trama na qual cada personagem tem um ritmo pr�prio. A trama avan�a em velocidades diferentes para cada personagem e, por vezes, esses desaparecem para dar lugar a cenas que s�o como uma esp�cie de conto dentro do romance. H� uma poesia singular na escrita platonoviana e toda esta linguagem esopiana muitas vezes lembra-me a pintura de Chagall ou do pintor georgiano Lado Guaishvili. Plat�nov sempre foi muito interessado nos contos populares russos e tamb�m nos contos folcl�ricos de diferentes rep�blicas da Uni�o Sovi�tica. No final da vida, perseguido pelo regime stalinista, este material seria a �nica maneira de este escritor maior do s�culo 20 manter contato com a literatura. O interesse em toda esta sabedoria popular � vis�vel de maneira perene ao longo do romance “Tchevengur”.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)