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Estado de Minas PENSAR

Samanta Schweblin: 'O medo me fascina porque exige aten��o absoluta'

Em entrevista ao Pensar, autora argentina radicada na Alemanha detalha sua prefer�ncia por suspense e horror e o destaque recente das autoras latino-americanas


24/06/2022 04:00 - atualizado 23/06/2022 23:57

Samanta Schweblin
Nascida em Buenos Aires, em 1978, Samanta Schweblin escreveu "Sete casas vazias" e "Dist�ncia de resgate" em Berlim, onde mora: "Curiosamente, s�o os meus dois livros mais argentinos, onde a paisagem, o espa�o rural e o espa�o da cidade t�m mais presen�a" (foto: Suhrkamp Verlag II)

“As coisas acontecem sempre na mesma ordem, at� as mais ins�litas.” A constata��o do personagem de um dos contos de “P�ssaros na boca e Sete casas vazias”, de Samanta Schewblin, cabe tamb�m � obra da argentina. Nos livros da escritora lan�ados no Brasil, o prosaico se une com o improv�vel e, por meio de diferentes t�cnicas narrativas, ela consegue sempre surpreender o leitor.

Leia: Medo: escritoras latino-americanas se destacam com fic��o perturbadora

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“P�ssaros na boca”, que traz na edi��o da F�sforo tamb�m os contos de outro livro, “Sete casas vazias”, � o terceiro lan�amento de Schweblin em portugu�s. Antes foram publicados no romance de estreia, “Dist�ncia de resgate” (Record, 2016, adaptado para o audiovisual pela cineasta Claudia Llosa e dispon�vel na Netflix com o t�tulo “O fio invis�vel”) e “Kentukis” (F�sforo, 2021, finalista do International Man Booker Prize). Nascida em Buenos Aires, em 1978, a autora j� foi traduzida para mais de 20 idiomas e vive em Berlim. A seguir, a entrevista de Samanta Schweblin ao Pensar.
  
Como viu a reuni�o das hist�rias de “P�ssaros na boca” com as de “Sete casas vazias” em um �nico volume? O que h� em comum e de diferente entre elas?
Escrevi “P�ssaros na boca” quando chegava aos 30 anos, “Sete casas” chegando aos 40 e j� longe de Buenos Aires, vivendo em outro continente. Na minha cabe�a, eles representam estados e buscas pessoais distintas. No entanto, em seus temas, em suas formas de abordar o estranho no real, e at� mesmo nos espa�os em que os personagens se movem, sinto que h� muita conex�o entre as duas cole��es de contos. Sempre quero escapar dos meus temas, mas acho que n�o � um exerc�cio t�o f�cil.  
Capa do livro Pássaros na boca
(foto: Divulga��o/F�sforo)

Uma das cr�ticas para a primeira edi��o brasileira de “P�ssaros na boca”, de Gustavo Melo Czekster para a revista virtual Am�lgama, afirma que o livro traz hist�rias com “pequenas fraturas da realidade”. Concorda com essa vis�o? 
Sim, eu gosto da defini��o, � uma busca deliberada e eu acho que ela se apresenta em tudo que eu escrevo. Querer quebrar a realidade nem sempre implica a inten��o de ir em dire��o ao estranho ou ao fant�stico, mas, acima de tudo, demonstrar at� que ponto o que consideramos “real”, “normal” e “estabelecido” tamb�m � outra forma de fic��o. Uma fic��o estabelecida por costumes, cren�as e lugares de poder. O que eu gosto n�o � de quebrar a realidade, e sim de romper com o que est� estabelecido e mostrar at� que ponto o que surge, �s vezes, pode nos fazer muito mais humanos e felizes. �s vezes, o que aparece por tr�s � t�o diferente, mas ao mesmo tempo muito mais natural e sensato, que acalma e excita. E procuro essa emo��o porque preciso dela. 

As hist�rias de “Sete casas vazias” envolvem situa��es perturbadoras em fam�lias ou com pessoas muito pr�ximas, como vizinhos, que ocorrem entre quatro paredes. Voc� acha que as casas tamb�m podem ser fontes de desconforto?
Bem, vivemos nelas trancadas, movendo-se �s vezes por d�cadas nas mesmas dimens�es. As paredes nos protegem, formam o nosso espa�o mais privado, mas tamb�m podem ser lugares opressivos, ou dos quais �s vezes � dif�cil escapar. Sempre me interessei muito pelas casas, especialmente pelas casas dos outros. Me parecem espa�os t�o pessoais, t�o cheios de informa��es, que �s vezes s�o at� perturbadores para mim. 
Em entrevista recente ao Suplemento Pernambuco, voc� declarou o seu fasc�nio pelo medo. Pode explicar a origem desse fasc�nio? Quando o medo � mais poderoso na literatura ou no cinema?
O que me fascina, tanto ao ler quanto ao escrever, � aquele estado de suspens�o em que ficamos quando h� algo que nos interessa muito. Talvez porque suspeitamos de que h� algo nessa hist�ria que tamb�m � informa��o vital para n�s, que nos servir� de alguma forma, mas que ao mesmo tempo ainda n�o compreendemos completamente. Eu gosto de suspense, do horror com alguns limites: acho que s�o g�neros nos quais esse tipo de aten��o suprema � obtida rapidamente e pode permanecer por longos per�odos. O que me fascina � essa aten��o absoluta. Quando eu era crian�a e meus pais liam hist�rias antes de dormir, �s vezes eu pedia para criar os finais. Lembro-me muito bem de um sentimento que � a origem da minha vontade de escrever. Percebia que contar uma hist�ria era como mover as pe�as de xadrez: havia os personagens, o problema a ser resolvido e os lugares onde as coisas aconteciam. Se eu movia errado as pe�as, minha m�e sorria de forma condescendente. Mas ela me olhava com muita aten��o quando eu acertava os movimentos. Era uma aten��o genu�na, a que temos quando se quer saber o que vai acontecer a seguir; de quem tenta entender e espera o que vir�. Era uma sensa��o maravilhosa. Nunca esquecerei o momento em que comecei a reconhecer essa aten��o do outro, o qu�o precioso me pareceu. Sempre que escrevo, tento ir para esse lugar. 

Voc� se envolve nas adapta��es de seus trabalhos para cinema e streaming?
Em geral, eu n�o me envolvo. Assumo que, nesse tipo de trabalho, a presen�a de um diretor sempre implica um novo olhar ou uma leitura particular das minhas hist�rias. A �nica exce��o foi com “Dist�ncia de resgate” (dispon�vel na Netflix com o t�tulo “O fio invis�vel”). Tive algumas ofertas interessantes para adapt�-lo ao cinema, duas delas at� vieram de diretores que me interessavam muito. Mas a hist�ria ainda parecia muito delicada para mim, tive dificuldade em larg�-la at� aparecer Claudia Llosa (diretora peruana). Em nosso primeiro caf�, eu j� sabia que tinha de ser ela. Escrevemos juntas o roteiro. Foi um trabalho muito intenso e interessante. Mas sempre vou preferir usar o meu tempo para escrever algo novo.

Veja o trailer de 'O fio invis�vel', adapta��o do livro 'Dist�ncia de resgate'


Em uma das hist�rias de “Sete casas vazias”, a personagem faz listas para n�o esquecer o que deve fazer e lembrar. Voc� poderia elaborar uma lista de itens que voc� considera essenciais para escrever fic��o?
Que tarefa dif�cil! Gosto da lista de Kurt Vonnegut (escritor norte-americano, autor de “Matadouro Cinco”), especialmente o item “todo personagem tem que querer algo, mesmo que seja um copo d’�gua”. E a lista de Liliana Heker (escritora argentina que ministra oficinas de cria��o liter�ria), especialmente o ponto “cada primeira vers�o de um texto � um mal necess�rio”. Acho que ter dom�nio dos personagens � importante, porque eles s�o um bom guia para quando voc� se perder. Acredito que n�o devemos cair na armadilha da trama, do argumento, do ponto de virada. Cada hist�ria tem seus tempos e seus caminhos, e se voc� sabe como ouvi-la, ela sussurra suas pr�prias regras. Talvez a coisa mais importante para mim seja a emo��o final que eu quero atingir. Quero dizer algo muito pontual, uma emo��o t�o pontual que n�o pode ser nomeada: � necess�rio passar por toda a hist�ria at� o final para entend�-la. Essa emo��o, para mim, � a �nica coisa que n�o estou disposta a mudar quando escrevo uma hist�ria. Todo o resto, at� que a hist�ria esteja terminada, � circunstancial. O que me lembra outro grande conselho, embora este eu n�o me lembre agora de quem �: “Voc� n�o tem que parar de escrever a grande hist�ria que voc� poderia contar porque ela est� ligada � que voc� quer contar.” 
Capa do livro Distância de resgate
(foto: Divulga��o/Record)


“Voc� n�o pode escolher com quem voc� se conecta e essa � a divers�o”, diz um dos personagens de um de seus livros lan�ados no Brasil, “Kentukis”. Essa frase tamb�m se aplica � literatura? Como conectar leitores no s�culo 21? 
Bem, n�o fa�o ideia. Nem acho que � algo em que penso durante a escrita. Ou bem, vamos ver, n�o exatamente. Penso no leitor quando escrevo, mas penso nele como um �nico “outro” que ao mesmo tempo sou eu. Escrevo e ao mesmo tempo tento calcular o que est� produzindo o texto palavra por palavra no leitor. Esse leitor � um espelho de mim mesmo, � a minha maneira de ler a mim mesmo enquanto escrevo.

Viver na Alemanha mudou sua literatura ou a forma como voc� v� a Argentina? 
Moro em Berlim desde 2013. Estar longe do meu pa�s me deu, no in�cio, uma aten��o muito mais forte para a Argentina. “Sete casas vazias” e “Dist�ncia de resgate” s�o os primeiros livros que escrevi fora do meu pa�s, e s�o curiosamente os meus dois livros mais argentinos, onde a paisagem, o espa�o rural e o espa�o da cidade t�m mais presen�a. Acho que h�, nessas p�ginas, muita nostalgia trazida pelo primeiros anos de aus�ncia. 

O que voc� encontra em Berlim que voc� n�o encontrou em Buenos Aires? O que mais sente falta?
O que mais sinto falta de Buenos Aires � a vida cultural. Caminhar de noite com a maioria das livrarias abertas, ir ao teatro, ciclos de leitura, apresenta��es de livros. Mas, ao mesmo tempo, eu tamb�m estava procurando fugir dessa agita��o. Sinto que preciso de sil�ncio e isolamento para escrever.

A que atribui o fato de tantas escritoras terem se destacado na Am�rica Latina nos �ltimos anos?
H� um forte movimento feminista em toda a Am�rica Latina, o que suponho que impulsionou esse processo. E, por sua vez, muitas escritoras est�o envolvidas em movimentos pol�ticos muito fortes, e n�o me refiro apenas aos direitos das mulheres. Penso em Claudia Pi�eiro, Nona Fern�ndez, Lina Meruane, Valeria Luiselli, Leila Guerriero. Todas s�o escritoras que, al�m de escrever livros maravilhosos, usam as palavras para jogar luz sobre conflitos sociais, �s vezes nomeando o que n�o tinha sido dito, �s vezes escrevendo as bandeiras das pr�prias manifesta��es. Isso � bem marcante em uma gera��o. O sucesso da literatura escrita por mulheres tamb�m est� ligado ao fato de que, at� muito recentemente, apesar de representar quase metade da popula��o, ainda �ramos minoria na ocupa��o de espa�os nas prateleiras das livrarias. E quando as minorias finalmente chegam ao c�none elas formam um balde de �gua refrescante. S�o sempre novas informa��es, novas maneiras de ver o mundo, novas formas de nomear as coisas. 
O que sabe sobre literatura brasileira ou cultura brasileira? Nosso pa�s desperta mais medo ou fasc�nio?
Por que traria medo? N�o h� medo, mas muita ignor�ncia. Ou seja, posso citar muitos autores brasileiros que leio, alguns at� que eu ensino nas minhas oficinas. Mas tenho a sensa��o de que o idioma continua a promover um distanciamento do Brasil muito mais forte do que de outros pa�ses latino-americanos que tamb�m n�o conhecemos, mas onde o espanhol � falado. Esse distanciamento, do ponto de vista do leitor, faz do Brasil um pa�s ainda mais fascinante. Mas, infelizmente, a diferen�a de idioma imp�e uma certa dist�ncia para contato com outros autores da minha gera��o.


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