(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas PENSAR

Daniel Mella exp�e as feridas abertas ap�s trag�dia em 'O irm�o mais velho'

Livro autobiogr�fico do autor uruguaio detalha morte na fam�lia e os dias ap�s a perda do irm�o, eletrocutado por um raio na praia


19/08/2022 04:00 - atualizado 18/08/2022 22:05

Escritor uruguaio Daniel Mella
Escritor uruguaio Daniel Mella aborda as consequ�ncias de trag�dia familiar ocorrida na praia (foto: Aut�ntica/Reprodu��o)
"Sua morte vai cair num 9 de fevereiro, para sempre dois dias antes de meu anivers�rio. Alejandro ter� 31 anos na madrugada desse dia cuja luz jamais ver� e na qual, de quatro irm�os, passaremos a ser tr�s." A abertura de "O irm�o mais velho" resume objetivos e estrat�gias do escritor uruguaio Daniel Mella em seu romance. A morte do salva-vidas Alejandro, eletrocutado por um raio na Playa Grande, desencadeia a narrativa de Mella, mais centrada nos efeitos da trag�dia na vida do pr�prio narrador (inten��o explicitada no t�tulo e em diversas passagens, a come�ar pela men��o ao "meu anivers�rio" logo na primeira frase) do que no significado da perda do irm�o e na tentativa de obter respostas � pergunta formulada pelo pai da fam�lia: "Os mortos, em algum momento, terminam de partir?".

Nascido em Montevid�u, em 1976, Daniel Mella estreou na literatura aos 21 anos com o romance "Pogo", seguido por "Derretimento" e "Noviembre". Ele ganhou duas vezes o pr�mio Bartolom� Hidalgo, um dos mais importantes de seu pa�s: o primeiro com a colet�nea de contos "Lava" e, em 2017, com este "O irm�o mais velho", exerc�cio impiedoso de autofic��o que chega ao Brasil pela Aut�ntica Contempor�nea.

No livro, dedicado � "minha fam�lia, sem voc�s n�o haveria hist�ria", Mella exp�e as pr�prias incertezas e obsess�es (e dos que est�o � volta) ao narrar, em min�cias, as horas e os dias seguintes � morte do irm�o. Entre idas e vidas no tempo, segredos e mentiras v�m � tona enquanto o luto, aos poucos, reveste e transforma, irremediavelmente, as rela��es familiares. "O que te arde s�o as feridas, n�o as l�grimas", constata um dos familiares. 

Do s�bito �bito � despedida no mar, Alejandro involuntariamente impulsiona o irm�o a reagir por meio da escrita. "Trata-se de escrever ou morrer", garante Dani, o narrador-autor. "Ao escrever, vou descobrindo que posso expulsar meus pais dos territ�rios que conquistaram impunemente desde minha mais tenra inf�ncia. � dessa no��o que tiro a energia extra nos momentos em que minha mente fraqueja e minha aten��o, totalmente focada nos objetos que me rodeiam e nas ang�stias de meu corpo, amea�a se diluir, e as palavras come�am a perder o sentido no papel."

TRECHO

De "O irm�o mais velho", de Daniel Mella


Alejandro pensava na morte, embora n�o diariamente, como eu. Para ele, pensar na morte era necess�rio. Mais do que na morte, era necess�rio pensar na pr�pria mortalidade. Em sua morte - em como ele gostaria que fosse e em como ele n�o gostaria que fosse - quase n�o pensava.  Preferia n�o ter imagem alguma desse momento e deix�-lo nas m�os do acaso. No meio de uma de suas viagens, pensou que ia morrer. Em Pichilemu, na costa do Chile, numa rebenta��o clara e fria, a ponta de uma onda de cinco metros havia ca�do em cima dele. Enquanto via como a filha da puta se fechava sobre ele, lenta, irrefre�vel, pensava: posso morrer aqui. Diz que duvidou. Nunca tinha visto a morte t�o de perto. Estava sempre consciente dos riscos que corria quando viajava em busca de ondas grandes. Aqui, em nossa costa, apenas uma ou duas vezes por ano o mar ficava dessa envergadura, quase nunca no ver�o e, portanto, era dif�cil estar preparado para esse tipo de onda. A �nica maneira de se preparar para pegar uma onda grande era pegando ondas grandes, e as viagens de Ale nunca duravam mais do que tr�s meses. De algum modo, em cada viagem ele tinha de aprender de novo a pegar ondas desse tamanho e em rebenta��es que eram sempre novas e que exigiam todo um processo para que se acostumasse a elas. Voc� sempre sentia a adrenalina ao entrar num mar assim. Ficava s�rio, por causa do medo. N�o pegava a primeira onda boa, como fazia num mar pequeno. Deixava passar v�rias s�ries, estudava-as, ia procurando a melhor posi��o. A viagem ao Chile tinha sido uma de suas viagens solit�rias e Ale estava sozinho na rebenta��o naquela tarde. Sua �nica companhia estava na beira do mar, um chileno que alugava seus servi�os como fot�grafo. Era de lei n�o se enfiar sozinho num mar grande, mas Ale n�o ia esperar por ningu�m, e diz que a onda se fechava sobre ele, que se perguntava: o que estou fazendo aqui?. Quis se preparar endurecendo os m�sculos, e, quando a ponta da onda o alcan�ou, a for�a do impacto esvaziou seus pulm�es de uma vez s�. Depois o jogou contra o fundo rochoso e o sacudiu como um boneco, at� que enxergou cores e os pulm�es pegaram fogo. Passou o resto da tarde e a noite inteira jogado em sua barraca, sentindo-se agredido, como se tivesse levado uma surra. Depois de ter passado por isso, j� n�o tinha uma imagem de sua pr�pria morte que lhe causasse medo. Eu temia, antes de mais nada, a morte por alguma daquelas doen�as que te deixam prostrado. Ele tamb�m achava que essa era uma das mortes menos desej�veis, mas n�o lhe causava pavor nem suspeitava que esse pudesse ser seu destino." 

"O irm�o mais velho"
* Daniel Mella
* Tradu��o de S�rgio Karam
* Aut�ntica Contempor�nea
* 166 p�ginas
* R$ 54,90


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)