Poemas in�ditos de Carlos Drummond de Andrade s�o publicados
Mais de 60 anos ap�s a segunda e, at� ent�o, �ltima edi��o, 'Viola de bolso' volta �s livrarias e ganha 25 poesias encontradas pelos netos
O escritor Carlos Drummond de Andrade: 25 poemas in�ditos (foto: Arquivo)
(...)
A c�mara hoje passeia contigo pela Mata Atl�ntica.
No que resta - ainda esplendor - da Mata Atl�ntica,
Apesar do decl�nio hist�rico, do massacre
De formas latejantes de vi�o e beleza.
Mostra o que ficou e amanh� - quem sabe? - acabar�
Na infinita desola��o da terra assassinada.
E pergunta: "Podemos deixar
Que uma faixa imensa do Brasil se esterilize,
Vire deserto, ossu�rio, tumba da natureza?"
Este livro-c�mara � anseio de salvar
O que ainda pode ser salvo,
O que precisa ser salvo
Sem esperar pelo ano 2 mil.
(...)
("Mata atl�ntica: A c�mara viajante", de Carlos Drummond de Andrade)
Sem responsabilidade pelo que viu, a inquieta e irretoc�vel “c�mara” fotogr�fica de Carlos Drummond de Andrade vai revelando paisagens, contando sobre a natureza do mundo, for�ando o julgamento, insuflando o desejo de mudan�a. Sejam as montanhas exterminadas de Minas Gerais, seja a Mata Atl�ntica devassada, a consci�ncia ambiental chega a este autor muito antes de seu tempo. N�o haver� dia seguinte para os ecossistemas aniquilados; nem a vida harmoniosa se restaura, avisa ele. E o que ser� no dia seguinte � o vazio da noite, o vazio de tudo, registra Carlos Drummond de Andrade no poema “Mata atl�ntica - A c�mara viajante”, que integra a se��o “Viola de bolso (nova)”, de 25 in�ditos integrados � terceira edi��o de “Viola de bolso: Mais uma vez encordoada”. A obra ser� lan�ada em mar�o pela editora Jos� Olympio, do grupo editorial Record.
“Viola de bolso” foi publicado pela primeira vez em 1952, pela Cole��o Cadernos de Cultura, do Minist�rio da Educa��o e Sa�de. Em 1955, “Viola de bolso: Novamente encordoada” foi relan�ado pelo selo da editora Jos� Olympio. S�o muitas transforma��es entre as edi��es, o que deixa em cada uma delas, assim como o car�ter da vida, a marca da permanente transforma��o. Na primeira edi��o, 37 foram os poemas denominados pelo autor de versos de “circunst�ncias” – em que recorda “ternuras” de sua inf�ncia, da terra natal, a mineira Itabira, mas tamb�m traz muito da poesia que remete ao Rio de Janeiro (bairros do Flamengo e Leblon), onde passou a viver a partir de 1934. Na primeira edi��o, os poemas est�o divididos em duas se��es: a primeira sem t�tulo; a outra batizada de “Meigo tom”. Na primeira se��o:
O Rio Amazonas � o maior do mundo,
mas o Rio do Tanque � o menor.
(Deslizava na fazenda de meu irm�o.)
O Rio Doce banha terras amargas
de maleita, ferro e melancolia.
O c�rrego da Penha, esse, coitado,
mal fazia um po�o raso onde a gente, fugindo, se banhava.
Talvez porque me faltasse �gua corrente,
hoje a tenho represada nos olhos
e neste vago verso fluvial.
(“Cidade sem rio”)
Tamb�m a solid�o, que ao pre�o da nostalgia alimenta a alma drummondiana, � abordada na primeira edi��o de “Viola de bolso”:
Solid�o, n�o te mere�o,
pois que te consumo em v�o.
Sabendo-te embora o pre�o,
calco teu ouro no ch�o.
(“Desperd�cio”)
A segunda edi��o da obra leva o t�tulo “Viola de bolso novamente encordoada” (editora Jos� Olympio), incorporando, aos 37 poemas originais, mais 54, totalizando 91 poemas, distribu�dos nas se��es – Prima & contraprima (primeira, batizada na nova edi��o); Meigo tom; al�m de quatro novas se��es: Boas-festas; Dedicat�rias de “Claro enigma”; Dedicat�rias de “Fazendeiro do ar”; e Para agradecer; e Ponteio maduro.
S�o muitas as homenagens prestadas pelo autor a grandes artistas de seu tempo. Drummond tra�ou um roteiro afetivo de seu c�rculo de relacionamentos, e dedicou poemas a Lygia Fagundes Telles, Guimar�es Rosa, Murilo Mendes, Lu�s Martins, Paulo R�nai, Eneida, Portinari, Santa Rosa, Guignard e outros escritores, artistas e intelectuais. A Lygia, Drummond escreve:
A cinza no cinzeiro, e a chama n’alma,
Lygia, � o que te desejo: vida calma
e intensa, no seu ritmo criador,
e, entre todas perene, aquela palma
que envolve de um austero resplendor
a quem p�e na sua arte o seu amor
(“Um cinzeiro”)
Ao amigo Di Cavalcanti, o poeta mineiro enfatiza a analogia com a obra m�gica de “Alice no Pa�s das Maravilhas”:
Lewis Carroll ainda faz das suas.
J� n�o fotografa menininhas nuas.
Mas, com Eneida e Di Cavalcanti,
bebe u�sque, toca pra diante.
Dedica livros na Jaragu�,
toma o avi�o, ei-lo aqui est�,
louco manso, poeta, meu amigo,
muito obrigado, Di, veio contigo.
(“Alice in Wonderland”)
Em sua terceira edi��o, “Viola de bolso mais uma vez encordoada” baseia-se na tipologia gr�fica da segunda edi��o, mantida ao ponto de recriarem-se as serifas que se veem nos travess�es, nos tra�os e nos hifens. O livro reproduz emendas manuscritas do poeta. S�o 116 poemas, 79 a mais do que os 37 da primeira edi��o, entre os quais 25 in�ditos, de uma pasta encontrada pelos netos de Carlos Drummond de Andrade, em que o autor escreveu a m�o. Foi denominada “Viola de bolso (nova)”. Nesta se��o, h� um poema precioso sobre a maior festa popular brasileira no in�cio do s�culo 20 ("Legendas para 12 estampas de carnaval") e, serpenteado pelo tempo, "no maior trem do mundo", a vida e a obra do poeta s�o lan�ados � imortalidade.
(foto: Record)
O maior trem do mundo
leva minha terra
para a Alemanha
leva minha terra
para o Canad�
leva minha terra
para o Jap�o.
O maior trem do mundo
puxado por cinco locomotivas a �leo diesel
engatadas geminadas desembestadas
leva meu tempo, minha inf�ncia, minha vida
triturada em 163 vag�es de min�rio e destrui��o.
O maior trem do mundo
transporta a coisa m�nima do mundo,
meu cora��o itabirano.
L� vai o trem maior do mundo
vai serpenteando vai sumindo
e um dia, eu sei, n�o voltar�,
pois nem terra nem cora��o existem mais (“O maior trem do mundo”)
(foto: Record)
“Viola de bolso: mais uma vez encordoada”
Carlos Drummond de Andrade
Editora Jos� Olympio, 3ª edi��o
280 p�ginas
R$ 129,90
Nas livrarias a partir de mar�o
Quem foi Carlos Drummond de Andrade
(foto: Record)
Carlos Drummond de Andrade (Itabira, 1902 – Rio de Janeiro, 1987) foi jornalista, poeta, cronista e contista, consagrado-se como um dos autores mais importantes da literatura em l�ngua portuguesa do s�culo 20. Express�o do Modernismo, foi redator-chefe do Di�rio de Minas quando, em 1928, publicou, na Revista de Antropofagia, o poema “No meio do caminho”, marco inicial da sua carreira e dos novos rumos e influ�ncia do Modernismo na literatura. Em 1930, estreou em livro com “Alguma poesia”. Entre as dezenas de t�tulos de sua vasta obra, publicou “Sentimento do mundo” (1940), “Confiss�es de Minas” (1944), “A rosa do povo” (1945), “Claro enigma” (1951), “Contos de aprendiz” (1951) “Antologia po�tica” (1962), “Obra completa” (1964), “Cadeira de balan�o” (1966), “Mundo vasto mundo” (1967).
Por ocasi�o das comemora��es dos 120 anos de nascimento de Carlos Drummond de Andrade, as obras dele voltaram a ser editadas, desde 2021, pelo Grupo Editorial Record – e, em algumas edi��es hist�ricas, publicadas pela editora Jos� Olympio, duas casas com as quais o autor trabalhou em vida. S�o 63 livros lan�ados em edi��es novas, do projeto gr�fico ao desenho das capas, dos posfaciadores � conex�o que se estabelece, por meio de um QR code, entre o texto impresso e o chamado mundo digital, em que os leitores encontram bibliografias, cronologias, manuscritos e imagens do autor.