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Estado de Minas PENSAR

Ensaios analisam lirismo e observa��o social de Manuel Bandeira

Livro "Sou poeta menor, perdoai" re�ne leituras cr�ticas da obra do poeta pernambucano


23/09/2023 00:30 - atualizado 23/09/2023 05:44
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Manuel Bandeira
Manuel Bandeira: "Sou poeta menor, perdoai" (foto: arquivo em)


Cassiana Lima Cardoso
ESPECIAL PARA O EM



“Sou poeta menor, perdoai”, escrevia o poeta de Pas�rgada em versos endere�ados ao pai, que o queria arquiteto, no belo poema “Testamento”, publicado no livro “Lira dos Cinquent’anos”, em 1940. Nesse poema, bem de acordo com seu olhar acurado para as miudezas do cotidiano, o escritor, que comp�s a tr�ade dos poetas mais destacados da fase heroica do modernismo - sendo os outros Mario e Oswald de Andrade - faz um balan�o po�tico de sua trajet�ria. 

Dos tr�s, talvez por inabal�vel paix�o de quem escreve essa resenha, seja Manuel Bandeira aquele que tenha feito valer por mais tempo o seu legado. Ele, indiscutivelmente, apesar de sua “Nova Po�tica”, o poeta mais terno de sua gera��o, que, mesmo nos seus poemas de revolta, “vi ontem um bicho, na superf�cie do p�tio” IN: O Bicho (...), nos revela sens�vel e aguda fotografia social com pleno dom�nio de seus recursos. 

Bandeira � aquele a que chamamos por mais longa fase de nossas vidas (ou pela vida inteira?) de poeta de cabeceira. Dele, n�o h� quem n�o saiba uns versos de cor, no sentido estrito da express�o, de cora��o - perdendo, talvez, somente para Gon�alves Dias e sua “Can��o do Ex�lio”. Afinal, quem n�o quis fugir para alguma Pas�rgada, nos momentos de agonia e sofrimento, n�o temeu a indesejada das gentes ou se maravilhou com seu para�so er�tico das Tr�s Mulheres do Sabonete Arax�?  

Mas qual seria o legado de Bandeira, cem anos ap�s a Semana de 22, efem�ride que, a despeito de seus entusiastas, teve sua validade posta � prova no ano passado? A essa pergunta, responde o heterog�neo volume de ensaios organizado por Rafael Fava Bel�zio, “Sou poeta menor, perdoai: Manuel Bandeira pela cr�tica contempor�nea” (Alameda).

A maioria das investidas de an�lise ainda resgata da fortuna cr�tica de Bandeira tr�s de seus principais comentadores, revitalizando categorias cr�ticas por eles engendradas: Gilda de Mello e Souza, Antonio Candido e, principalmente Davi Arrigucci Jr. O estilo humilde, da leitura de Arrigucci, o sermo humilis de Auerbach, s�o “estruturas em que o m�nimo, o m�ltiplo e comum se abrem a flor do espa�o mais imenso”, escreve Bel�zio, confirmando que o sublime, em Bandeira, comparece ao r�s do ch�o. Junto �s ru�nas, por entre frestas; junto �s coisas descartadas, desprez�veis, corriqueiras e/ou mais prosaicas, est� a fina flor da poesia. 

  Ali�s, lirismo confirmado pelo ensaio de Marcia Regina Jaschke Machado, que citando o pr�prio autor de “Libertinagem”, “Acho que sou mais l�rico que poeta”, escreve a partir da correspond�ncia com Mario de Andrade, trazendo curioso epis�dio em que mais l�rico dos l�ricos aponta um derramamento gong�rico em poema do autor de “Paulic�ia Desvairada”.

Joelma Santana examina a correspond�ncia dos ‘primos’ pernambucanos, Jo�o Cabral de Melo Neto e Bandeira, no qual cada um discute a pr�pria po�tica em missivas, que muito enriquecem o leitor interessado nos processos de composi��o de dois poetas t�o d�spares, ainda que pr�ximos, cada um com sua pujan�a e singularidade.  

Elisabete Barros abre o volume com o olhar voltado para a produ��o do Bandeira cronista, “grande observador da vida e amante dos dias perdidos”, iniciando o itiner�rio cr�tico a partir de uma faceta menos explorada do poeta, mas igualmente pertinente e inventiva, al�m de enfatizar como o autor de “Belo Belo”, um arguto observador da produ��o art�stica de sua �poca, n�o se restringiu � literatura, mas a diversos outros campos da arte, em uma escrita eivada de energia po�tica. Poesia condensada, �s vezes aforismo, inteligentemente desfiada e modulada em ousado ensaio em forma de fragmento, de autoria do organizador do livro, intitulado “Opus 10: ensaio desentranhado”, em que Bel�zio extrai de “Flauta de Papel” e outros escritos em prosa, a poesia que habitava a urdidura de toda produ��o de Bandeira, independente do g�nero textual. 

Viviane Vasconcelos tamb�m se destaca, trazendo um Bandeira que atravessou o Atl�ntico e foi decisivo na forma��o de, ao menos, dois grandes poetas portugueses: Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena, comparando a influ�ncia do antigo morador do Curvelo, no Morro de Santa Tereza, a de Fernando Pessoa, na Literatura do outro lado do Atl�ntico. 

A inf�ncia, em Bandeira, tamb�m � retomada em diversos ensaios. Os tempos de crian�a em Petr�polis, no morro de Santa Teresa, em Pernambuco. Entretanto, mais do que a inf�ncia como representa��o, no caso do poeta, os ensaios apresentam a percep��o infantil como ferramenta discursiva que movimenta um modo de fazer po�tico, resgatando o olhar primeiro, o espanto e o reencantamento diante das coisas do mundo, ao lidar com uma mem�ria ativa, que presentifica o passado, lugares e personagens.  

H� um interessante texto de Pablo Rocca sobre tradu��o na America Latina, como tradutor de Borges e amigo de Pereda Vald�s, que o traduziu no Uruguai, jogando com os termos contrabando e importa��o para analisar como se deu esse interc�mbio.  

“Emo��o po�tica”

E como se j� n�o fosse o suficiente, o artigo de Lu�s Bueno, “Contingente permanente”, valeria, s� ele mesmo, o livro. Com f�lego investigativo e leitura apurada, o texto lan�a novas luzes ao espa�o ocupado pela poesia tanto nas “Cr�nicas da prov�ncia do Brasil”, Flauta de Papel, como em colet�nea publicada no �ltimo ano de vida do poeta, “Col�quio unilateralmente sentimental”. O m�rito do pesquisador est� em buscar essa “emo��o po�tica” nas cr�nicas de Bandeira de forma original, seja citando personagens an�nimos da �poca, seja trazendo � cena poetas que n�o s�o citados comumente como seus interlocutores, como Ascenso Ferreira ou Febr�nio �ndio do Brasil. 

A an�lise do poema “Noite morta” de Bueno, um dos prediletos de Bandeira, apresenta uma leitura competente do jogo melanc�lico que se constr�i na po�tica do autor de “Estrela da tarde”, jogando com os opostos complementares, para dizer, dialeticamente, que a vida que poderia ter sido e n�o foi, foi paradoxalmente “cheia de tudo”, no jogo de presen�a/aus�ncia que sua po�tica encena. 

Bandeira, que viveu a epidemia de gripe espanhola, perdeu a amada irm� nesse acontecimento hist�rico; acompanhou a ascens�o do nazismo e do fascismo, e viveu com as limita��es de um tuberculoso os anos vinte do s�culo passado, ainda tem muito a nos dizer com sua poesia moderna e eterna. N�o h� o que perdoar, a publica��o da editora Alameda comprova que Bandeira � nosso contempor�neo, e h� muito ainda a se desentranhar de sua produ��o.  

Cassiana Lima Cardoso � escritora e professora de Literatura Brasileira e Teoria da Literatura na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP-UERJ)

• “Sou poeta menor, perdoai: Manuel Bandeira pela cr�tica contempor�nea”
•  Organiza��o de Rafael Fava Bel�zio
•   Alameda
•  254 p�ginas
•  R$ 74
•  Lan�amento neste s�bado (23/9), de 12h �s 15h, na Papelaria Mercado Novo (Loja 1167 – Corredor i – Mercado Novo – Av. Oleg�rio Maciel, 742, Centro). No mesmo local, lan�amento de “Opus 10: ensaio desentranhado”, de Rafael Fava Bel�zio


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