
Lan�ado na Argentina em 2009, “Os perigos de fumar na cama” � o segundo livro de contos da escritora Mariana Enriquez a ser publicado no Brasil pela editora Intr�nseca. O primeiro, o impressionante “As coisas que perdemos no fogo”, saiu em 2016. Considerada um dos expoentes da literatura contempor�nea capaz de unir elementos da cultura latino-americana e quest�es pol�ticas e sociais da regi�o �s narrativas de g�nero, em especial �s de terror, a escritora ganhou na Espanha o Pr�mio Herralde de Novela com o monumental romance “Nossa parte de noite”, tamb�m editado pela Intr�nseca.
Leia: Mariana Enriquez e as primeiras li��es de pavor
Leia: Mariana Enriquez e as primeiras li��es de pavor
Nascida em Buenos Aires em 1973, Enriquez publicou no seu pa�s em 2009 as doze hist�rias de “Os perigos de fumar na cama”. “O belo e terr�vel mundo que vislumbramos – com adolescentes perturbados, fantasmas, dem�nios decadentes, pessoas marginalizadas, tristes e furiosas da Argentina dos dias de hoje – � a descoberta mais empolgante que fiz na fic��o em muito tempo”, elogiou o romancista Kazuo Ishiguro, Nobel de Literatura, em afirma��o reproduzida na contracapa da edi��o brasileira.
Leia, a seguir, a entrevista de Mariana Enriquez ao Pensar:
Quais as diferen�as e semelhan�as entre as hist�rias de “As coisas que perdemos no fogo” e as de “Os perigos de fumar na cama”?
Acho que, apesar de serem muito parecidas, s�o duas �pocas diferentes. “Os perigos...”foi publicado originalmente em 2009 e s�o minhas primeiras hist�rias de g�nero, terror ou fantasia. Tive que aprender (ou ensinar) a escrever no g�nero com conte�do argentino ou latino-americano, ou seja, com medos locais, com situa��es e cen�rios reconhec�veis em nossas culturas. Tamb�m tentei lidar com quest�es pol�ticas e sociais a partir do terror e, muito importante, a escrever tendo mulheres como narradoras. Ent�o os contos t�m algum aprendizado e algo mais selvagem, ainda mais punk. Acho que “As coisas...”t�m hist�rias em que me senti mais segura. Mas n�o h� necessariamente uma evolu��o, s�o dois momentos diferentes de investiga��o.
A personagem Josefina, do conto “O po�o”, tem pesadelos com o “Sagrado Cora��o de Jesus e o peito aberto de Cristo”. A religi�o pode ser uma das fontes de medo?
N�o sou mais religiosa, mas tive uma educa��o cat�lica. Quando crian�a, fiquei fascinada pelo imagin�rio do catolicismo. E � muito brutal: uma mitologia com pessoas mortas saindo de seus t�mulos, com possess�es e dem�nios. O Antigo Testamento tem narrativas genuinamente assustadoras ou muito cru�is, como o Livro de J�. Isso no imagin�rio e nos textos. Na pr�tica, as cerim�nias, como todos os rituais, t�m algo misterioso. E pode ser uma fonte de horror para os que creem. Por causa do temor de Deus, de pecar, de ser punido. A religi�o � uma forma de disciplina e, como tal, envolve o medo.
Um dos personagens do conto “O carrinho” se refere a outro como “negro de merda” e “favelado filho da puta”. O racismo tamb�m � um problema na Argentina?
� um problema em todos os lugares. Mas quando dizemos ‘negro’ n�o nos referimos necessariamente a uma pessoa afrodescendente, mas a qualquer pessoa parda ou nem de cor, mas pobre. Classe e cor da pele podem ser um estigma, especialmente se combinarem. As pessoas que moram nas favelas s�o muito discriminadas. N�o acho que exista uma sociedade sem racismo: h� simplesmente sociedades diferentes atacando grupos diferentes.
A ep�grafe do livro � um trecho da can��o “A sucker’s evening”, do compositor Will Oldham (tamb�m conhecido como Bonnie 'Prince' Billy) da banda Palace Music. Como a m�sica influencia sua escrita? Voc� sempre escuta m�sica ao escrever?
Sempre. Geralmente sou obcecada por uma ou v�rias m�sicas que surgem do que ou�o quando escrevo. Neste livro � engra�ado, mas ouvi algo sinistro do folk americano – como Bonnie Prince, mas tamb�m Low, Bill Callahan e o primeiro disco da (cantora) Cat Power. Tamb�m escutei muitas bandas bem pesadas, como Sepultura e Slayer, e black metal noruegu�s, em particular Darkthrone e Mayhem. Acho que todo livro tem uma vibe musical que n�o � necessariamente coesa ou coerente.
Qual o maior pesadelo que a Argentina vive no momento?
A impossibilidade de melhorar a nossa economia e o dia a dia das pessoas que passam por um momento muito dif�cil. E o avan�o da direita negacionista. N�o sou daquelas pessoas que acreditam que o progressismo e a esquerda s�o necessariamente “a coisa boa”, embora eu costume votar neles. Mas h� certos direitistas na Am�rica Latina que s�o dementes e negacionistas e que se aproximam do fascismo. E isso � um pesadelo.
E o que podemos esperar de seu pr�ximo livro? Um novo romance ou mais contos?
Meu pr�ximo livro de fic��o j� est� escrito. S�o contos. Estou trabalhando em um romance e acabei de publicar um livro de n�o fic��o chamado “Porque tamb�m n�o � o suficiente”, por uma editora chilena (Montacerdos). � um livro de mem�rias sobre ser f� de uma banda, Suede (banda inglesa surgida no in�cio dos anos 1990 e ainda em atividade), um ensaio sobre fandoms caprichosos, liter�rios e hist�ricos, e talvez tamb�m um livro com muita nostalgia dos anos 90. N�o porque fossem fabulosos, mas porque foram os anos da minha juventude.
