Os defensores da criminaliza��o da homofobia t�m ao seu lado um aliado de peso. Relator do processo que concedeu o direito de uni�o est�vel para homossexuais, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto acredita que o pa�s n�o pode se omitir nessa quest�o. “No mundo todo ocidental, h� uma tend�ncia de rep�dio � homofobia. E o Brasil n�o poderia ficar de fora desse progresso civilizat�rio”, disse ontem ao Correio, ap�s participar de um debate sobre o tema promovido pela Universidade de Bras�lia (leia entrevista abaixo). O audit�rio da Faculdade de Estudos Sociais Aplicados ficou lotado.
O ministro esteve ontem no derradeiro debate da Semana de Direito e G�nero, organizada pela Faculdade de Direito da UnB. Dividiram a mesa com ele o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ), a doutora em psicologia Tatiana Lion�o e a mestranda em antropologia Mariana Cintra. Ayres Britto era a figura mais aguardada do dia e a fala dele foi aplaudida em diversas ocasi�es. Ele voltou a endossar a decis�o do STF quanto � uni�o de pessoas do mesmo sexo. “Quem � que est� perdendo? Quem � que est� tendo os seus direito subtra�dos? Os heterossexuais n�o v�o continuar do mesmo jeito? Por que proibir os direitos dos homoafetivos?”, reiterou o magistrado.
Para ele, a decis�o � a prova de que os assuntos de afeto passaram a integrar a pauta da Justi�a brasileira. “Finalmente, o Poder Judici�rio come�a a entender que o afeto tamb�m � uma categoria jur�dica. A Constitui��o fala do pensamento, do sentimento e da cria��o art�stica, de religiosidade e agora estamos compreendendo que, sem afetividade, n�o pode haver efetividade da Constitui��o.”
Perd�o
O uso de argumentos cient�ficos para justificar discursos homof�bicos e o mau uso da palavra, principalmente por parte de fundamentalistas religiosos, foram os temas escolhidos pela psic�loga Tatiana Lion�o. “O discurso da degenera��o e da anormalidade, do ponto de vista cient�fico, n�o se sustenta mais. Ele s� se sustenta do ponto de vista religioso. A eles eu digo: ‘Perdoai, eles n�o sabem o que dizem’”, defendeu. A antrop�loga Mariana Cintra lembrou que, apesar de os homens serem alvos mais frequentes, mulheres, transg�neros e travestis tamb�m s�o alvos constantes de agress�o.
Press�o por legisla��o
O deputado federal Jean Wyllys (PSol-RJ) reconhece as conquistas sobre a uni�o entre pessoas do mesmo sexo, mas nem por isso deixar� de militar para que o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) seja convertido em lei. Ele sabe que a tarefa ser� �rdua. “A decis�o � um instrumento de combate � discrimina��o jur�dica. Mas ainda n�o h� uma lei, � uma jurisprud�ncia. Para que isso seja acessado automaticamente, o Congresso (Nacional) tem que legislar e, a� mora o problema, porque o Congresso � formado por uma maioria conservadora. A �nica maneira de mudar a face da Casa � ampliando a consci�ncia pol�tica sobre o assunto”, avaliou ontem em semin�rio realizado na UnB.
Parte da consci�ncia a que se refere � a educa��o de respeito �s diferen�as em uma sociedade pluralista. Da�, a necessidade de desfazer conceitos distorcidos e lutar contra a discrimina��o. “O homossexual, para se assumir, precisa reinventar a si mesmo para driblar a homofobia cultural e conceitual introjetada nele mesmo. Precisamos de uma transforma��o nas regras para criar um mundo onde h� respeito a todos.”
Nesse contexto, est� inserida a UnB. Atualmente, a comunidade acad�mica est� em plena discuss�o sobre a cria��o de um programa de combate � homofobia dentro da institui��o. Uma das propostas levantadas nas plen�rias � que a UnB redija o pr�prio material educativo contra a discrimina��o a l�sbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transg�neros.
S�o muitas as den�ncias de persegui��o e agress�o a estudantes em fun��o da orienta��o sexual. Para o deputado federal Jean Wyllys, a iniciativa da cartilha � salutar. “Acho maravilhoso. � lament�vel que um aluno entre na universidade e n�o desconstrua os seus preconceitos. Esse aluno � uma cavalgadura que nem sequer merece estar na universidade. Ningu�m � obrigado a amar o homossexual, mas a discrimina��o e a persegui��o s�o inadmiss�veis”, disse.
Atraso de 10 anos
O Projeto de Lei (PL) nº 122 tem origem no PL nº 5003, de 2001, apresentado pela ent�o deputada petista Iara Bernardi. O texto estipulava puni��es para quem cometesse discrimina��o em fun��o de orienta��o sexual. Depois deles, outros projetos semelhantes surgiram e foram unificados para facilitar a tramita��o. Em 2006, com nova reda��o, a norma foi aprovada pela C�mara dos Deputados e encaminhado ao Senado Federal. Ele prev� altera��o na Lei do Racismo para que a discrimina��o por op��o sexual seja considerada crime, assim como acontece com ra�a e cor. Desde ent�o, a proposta passou pelas comiss�es de Constitui��o, Justi�a e Cidadania (CCJ), Assuntos Sociais (CAS) e atualmente est� na Comiss�o de Direitos Humanos da Casa. Sob forte press�o da bancada evang�lica e cat�lica, o texto sofreu altera��es. Entre 2008 e 2010, o projeto n�o teve o andamento esperado na Casa, mas em 2011 foi resgatado pela senadora Marta Suplicy (PT-SP). Ela propor� altera��o no texto para que n�o seja considerado crime “a manifesta��o pac�fica de pensamento fundada na liberdade de consci�ncia e de cren�a”.
Tr�s perguntas para Carlos Ayres Britto
Como o senhor avalia a decis�o do STF sobre a uni�o est�vel homoafetiva, que teve imensa repercuss�o?
Acho que o Supremo interpretou muito bem a Constitui��o. E o fez � luz dos seus princ�pios mais importantes.
Mas h� quem diga que o Supremo atropelou o Poder Legislativo. O senhor concorda?
N�o usurpou fun��o legislativa, porque n�o lhe cabe fazer as vezes de legislador. Ao promover a inclus�o comunit�ria do segmento homoafetivo do nosso pa�s, o fez conciliando rigorosamente o direito constitucional e o humanismo. Eu fico muito feliz.
O que o senhor pensa sobre a criminaliza��o da homofobia?
No mundo todo ocidental, civilizado, arejado mentalmente, h� um rep�dio � homofobia. E o Brasil n�o poderia ficar de fora desse progresso civilizat�rio.