Alice Maciel, Alessandra Mello e Marcelo da Fonseca

Em 348 das 554 cidades fiscalizadas, m�dicos n�o cumprem a carga hor�ria de 40 horas semanais e h� casos em que eles aparecem apenas uma vez a cada sete dias, mas recebem, no m�nimo, R$ 10 mil. “Os m�dicos s�o profissionais com estilo pr�prio, que n�o aceitam, em hip�tese alguma, laborar em jornada intensiva de cinco dias por semana”, argumenta a Prefeitura de Mana�ra, na Para�ba, para explicar � CGU a falta de m�dicos �s segundas e sextas-feiras. Para suprir a car�ncia desses profissionais nos rinc�es do pa�s, uma das apostas do governo federal para os pr�ximos anos � o Mais M�dicos. Lan�ado em julho, o programa levantou a quest�o da dificuldade de os munic�pios do interior atra�rem m�dicos.
Para manter esses profissionais, os gestores s�o obrigados a ceder �s condi��es impostas por eles de trabalhar poucas horas. “Crendo que n�o recebem uma remunera��o justa, acabam acumulando v�nculos em outras localidades e �rg�os, sempre ante a amea�a de rompimento do v�nculo com esta administra��o municipal. Esta, por sua vez, v�-se diante de apenas duas alternativas: ceder �s chantagens ou romper com v�nculos, deixando a comunidade sem atendimento”, observa a Prefeitura de Itamogi, na Regi�o Sul de Minas.
Em Ferreira Gomes, no Amap�, o m�dico, al�m de trabalhar na equipe de sa�de da fam�lia, tem outros empregos, que somam 150 horas semanais. Para cumprir essa carga hor�ria, ele teria de atender nos sete dias da semana e pelo menos 21 horas por dia, “o que tornaria invi�vel o atendimento adequado pelo profissional”, ressalta a CGU. De acordo com a Portaria 2.488, de 21 de outubro de 2011, os profissionais das equipes m�nimas do Programa Sa�de da Fam�lia devem cumprir hor�rio integral – jornada de 40 horas semanais –, com exce��o daqueles que devem dedicar ao menos 32 horas de sua carga hor�ria a atividades na equipe de sa�de da fam�lia e at� oito horas do total de sua carga hor�ria para atividades de resid�ncia multiprofissional e/ou de medicina de fam�lia e de comunidade, ou trabalho em hospitais de pequeno porte.
Para n�o cumprir a carga hor�ria de 40 horas na semana, os m�dicos chegam at� mesmo a burlar a folha de ponto. Foi o que ocorreu em Tapes, no interior do Rio Grande do Sul. A CGU encontrou as folhas de pontos dos m�dicos j� com as presen�as assinadas para todo um m�s que ainda nem tinha terminado. Os m�dicos atendiam apenas de segunda a quinta-feira, totalizando 32 horas semanais.
ESCASSEZ DE TUDO
“Trouxe at� meu almo�o para esperar o m�dico”, diz Sebastiana Viana de Souza, de 67 anos, � reportagem. Ela chegou ao posto de sa�de �s 10h30 de quarta-feira da semana passada. Eram 13h e o m�dico ainda n�o tinha chegado. A unidade de sa�de do Bairro Nazar�, em S�o Joaquim de Bicas, Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, ficou sem o profissional de mar�o a agosto. A m�dica contratada no in�cio deste m�s, no entanto, n�o foi trabalhar na semana passada. O doutor Tales Carvalho foi substitu�-la na tarde de quarta-feira.
A diarista Maria Madalena da Silva, de 52 anos, tinha consulta marcada na ter�a-feira, mas de novo nenhum m�dico apareceu. “� uma falta de considera��o, n�o podemos ser tratados assim s� porque somos pobres”, reclamou. A enfermeira coordenadora, Renata Veloso, justificou que a m�dica estava em Juiz de Fora para terminar a mudan�a para Bicas. O n�o cumprimento de carga hor�ria dos m�dicos nos munic�pio j� havia sido apontado pela CGU em relat�rio divulgado em 2010.
No posto do Bairro Nazar�, c�es se misturam com os pacientes que aguardam a consulta. Nos dos bairros S�o Jos� e Vila Rica, tamb�m em S�o Joaquim de Bicas, nem mesmo sab�o, papel higi�nico e papel-toalha tinha nos banheiros quando a reportagem visitou o local, na semana passada.
Em Mateus Leme, tamb�m na Grande BH, a situa��o se repete. No posto do Bairro Imperatriz, o �nico banheiro tamb�m n�o tinha os itens b�sicos de higiene. J� na unidade do Bairro Ara��s, funcion�rios reclamaram da falta de luvas e de �lcool.
Em Mesquita, no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, relat�rio da CGU divulgado em 2010 apontou a falta de �gua e energia el�trica nos postos. Tamb�m em Curral de Cima, na Para�ba, a �gua usada na Unidade de Sa�de da Fam�lia n�o � pot�vel, de acordo com os relatos dos fiscais do �rg�o, publicados em 2011. L�, o �nico sanit�rio em funcionamento, mesmo sem janelas e sem pia, � compartilhado por profissionais e pacientes. “O esgoto resultante da lavagem que precede a esteriliza��o dos instrumentos se espalha pelo quintal do posto, que fica a uma dist�ncia de apenas tr�s metros de um curral em pleno funcionamento”, relatou a CGU.
Doen�as cr�nicas
M�O DE OBRA
M�dicos n�o cumprem jornada
» As a��es para aten��o b�sica de sa�de na grande maioria dos munic�pios fica comprometida pelo descumprimento do tempo de trabalho previsto nos programas de sa�de da fam�lia e outras atividades ligadas ao Sistema �nico de Sa�de (SUS). No interior do pa�s, s�o raros os m�dicos que atendem apenas tr�s dias por semana nos postos ou at� mesmo apenas uma vez por semana. � o caso de Mu�um (RS), onde a prefeitura admite que, como n�o tem op��o para contratar novos m�dicos, a �nica alternativa foi aceitar que alguns profissionais n�o atendessem certos dias da semana.
Ac�mulo de cargos e postos vazios
» Ao acompanhar a realidade dos munic�pios, a CGU relata casos de m�dicos que t�m cargos em diversas institui��es ligadas ao SUS: “Ac�mulos muito superiores ao razo�vel que permitisse o cumprimento das tarefas previstas em seus contratos”. Algumas situa��es apontam m�dicos contratados para atender em postos no interior que abriram m�o dos cargos e optaram por outros servi�os, como atendimentos em hospitais de outras cidades ou em consult�rios. Em Ferreira Gomes (AP), um dos m�dicos mant�m tr�s v�nculos empregat�cios, o que o obrigaria a cumprir uma carga hor�ria di�ria, incluindo o fim de semana, de 21 horas.
Desvio de fun��o
» M�dicos que deixam os postos para atuar nos escrit�rios administrativos e funcion�rios que cumprem fun��o de m�dicos tamb�m foram irregularidades recorrentes nas fiscaliza��es da CGU. Em Aurelino Leal (BA), os moradores relataram aos fiscais da CGU que grande parte dos atendimentos “depende apenas da atua��o das enfermeiras”, uma vez que os m�dicos ficam ausentes por longos per�odos. J� em Camuntinga (PE), foram encontradas prescri��es de medicamentos feitas pelas enfermeiras que atuavam nas unidades de sa�de b�sica.
CORRUP��O
Desvios de verbas
» A m� gest�o de prefeitos tamb�m aparece nos relat�rios da CGU. A contrata��o de servi�os de sa�de por pre�os superiores ao das tabelas do SUS, movimenta��o irregular de dinheiro repassado pelo governo federal e fraudes em conv�nios foram registradas em todas as regi�es do pa�s. Em Bonito (MS), entre agosto e dezembro de 2009, os custos de procedimentos cl�nicos, como ultrassonografias, testes ergom�tricos e eletrocardiograma, superaram os valores previstos nas tabelas oficiais do SUS, ocasionando um preju�zo de R$ 61 mil.
Superfaturamento
» Os gastos com medicamentos distribu�dos aos pacientes tamb�m foram fraudados por prefeituras. Em alguns casos, as compras s�o feitas sem atender os processos licitat�rios previstos em lei e em outros o pagamento supera os valores das tabelas dos medicamentos. Em Jo�o C�mara (RN), alguns medicamentos foram adquiridos com pre�o 400% superior ao de mercado, com preju�zos de mais de R$ 20 mil para os cofres p�blicos. Outros itens b�sicos para o atendimento aos pacientes tamb�m foram superfaturados.
Fraudes em licita��es
» Na movimenta��o de recursos para constru��o de postos e gastos com combust�veis para atender a popula��o foram encontradas situa��es em que o dinheiro foi usado para outros fins, sem comprova��o. Nas obras no Centro de Refer�ncia em Atendimento � Mulher, posto conhecido como Cl�nica da Mulher, em Belford Roxo (RJ), os desvios geraram rombo de R$ 40 mil. J� em Caputira (MG), os fiscais apontaram a compra de um Fusca em fevereiro de 2011 com recursos da aten��o b�sica de sa�de. O ve�culo estaria com documenta��o irregular e “nem sequer foi usado pela Secretaria Municipal de Sa�de em a��es e atividades de aten��o prim�ria”.
INFRAESTRUTURA
Sem �gua pot�vel, banheiro e energia el�trica
» A situa��o f�sica dos postos tamb�m vem sendo motivo de alertas recorrentes por parte da CGU. Animais misturados a pacientes nas filas de espera e falta de �gua pot�vel e energia el�trica para manter o atendimento s�o algumas das situa��es apontadas nos relat�rios. Em Mesquita (MG), os fiscais registraram sinais de abandono, como vidros quebrados, c�modos sujos e sem condi��es de receber pacientes por falta de �gua e luz. J� em Curral de Cima (PB), “o posto est� a tr�s metros de um curral em pleno funcionamento”.
Medicamentos vencidos e mal armazenados
» O desperd�cio de verbas com medicamentos por causa de validade vencida e a falta de rem�dios b�sicos para distribuir aos pacientes s�o outro reflexo do caos na sa�de p�blica no Brasil. Nos relat�rios, s�o comuns os registros de descartes de rem�dios, comprados sem qualquer forma de controle e estocados em condi��es prec�rias nas farm�cias e em postos de sa�de. Em Segredo (RS), as duas situa��es foram registradas em 2011. J� em Benedito Novo (SC), o �rg�o detectou aus�ncia de registro nas aquisi��es, pagamento de rem�dios n�o entregues e compras sem notas fiscais para controle do munic�pio.