Adriana Caitano
Bras�lia – Na mesma medida em que a falta de aproveitamento dos dias �teis na C�mara dos Deputados torna a rotina da Casa improdutiva – o plen�rio ficou vazio durante pelo menos seis meses no �ltimo ano –, o tempo livre que sobra aos parlamentares facilita um fen�meno comum entre os congressistas: a dupla jornada. Apesar de, oficialmente, o parlamento justificar que h� atividades pol�ticas a serem feitas nos outros dias da semana em que n�o h� sess�es, muitos deputados aproveitam para exercer outras profiss�es remuneradas. A atua��o extra n�o � proibida, mas est� na mira do Tribunal de Contas da Uni�o (TCU), que observa casos de conflito de interesses. Especialistas divergem sobre a necessidade de uma dedica��o pol�tica exclusiva.
O deputado Eleuses Paiva (PSD-SP) � um dos recordistas em jornada m�ltipla da Casa. Al�m de vice-l�der de bancada, � professor da Faculdade de Medicina de Rio Preto (SP), d� palestras em congressos m�dicos, � diretor substituto de medicina nuclear do Hospital S�rio-Liban�s, em S�o Paulo, e ainda atende em um hospital de Rio Preto e numa cl�nica particular.
Segundo Paiva, as atividades extras s�o exercidas de sexta a segunda-feira, quando n�o h� vota��es na C�mara. “D� para fazer todas as coisas bem, tudo vai do quanto quer se dedicar e eu aprendi a ter disciplina”, comenta. “Quando me candidatei pela primeira vez, meu ex-professor Adib Jatene (ex-ministro da Sa�de nos governos Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso) disse para eu nunca abandonar minha profiss�o, porque pol�tica n�o � profiss�o, � um momento da vida em que a gente se dedica a uma causa p�blica”, conta.
Nem todos, por�m, conseguem manter muitas atividades. O deputado Abelardo Lupion (DEM-PR) est� no sexto mandato na C�mara. Nos �ltimos 22 anos, conciliou a atua��o pol�tica com uma empresa do ramo imobili�rio e as fazendas que possui. Ele garante que as a��es profissionais nunca o atrapalharam no mandato parlamentar, mas assegura que se cansou e n�o deve ser candidato � reelei��o em 2014. “N�o deixei a peteca cair, sempre fui atuante e, ao mesmo tempo, vivo o dia a dia de quem eu represento”, garante. “Mas paguei muito caro por estar aqui, fui um pai ausente e deixei de fazer muitos neg�cios”, afirma.
Na lista de parlamentares que mant�m atividades extras est�o ainda alguns dos mais conhecidos, como o pastor Marco Feliciano (PSC-SP), que faz shows e prega��es evang�licas de quinta-feira � noite at� segunda-feira, e Tiririca (PR-SP), que faz shows de humor nos fins de semana. “Larguei um programa de tev� porque estava complicado faltar l� para n�o perder as sess�es”, conta o humorista.
Conflito �tico Especialistas destacam que a dupla jornada dos parlamentares n�o � proibida pela Constitui��o. No entanto, lembram, � preciso avaliar se h� conflito �tico na pr�tica. “Enquanto n�o h� proibi��o, � leg�timo, desde que de fato n�o comprometa a atua��o parlamentar. Isso � crit�rio de cada um. Se o eleitor aceita, tudo bem”, afirma o professor de ci�ncias pol�ticas da Universidade de Bras�lia (UnB) David Fleischer. Ele cita o exemplo do ex-presidente da Rep�blica Juscelino Kubitschek, que exerceu a medicina enquanto era deputado federal e prefeito de Belo Horizonte. “Os congressos mundo afora tamb�m n�o pro�bem a pr�tica, mas, muitas vezes, ela se inviabiliza pela dist�ncia entre a capital e os estados de origem”, narra.
Para o analista pol�tico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Ant�nio Augusto Queiroz, cabe � popula��o acompanhar o deputado em que votou e checar se ele tem de fato se dedicado ao mandato. “Como n�o � proibido hoje, n�o tem como cobrar que n�o tenham outra atividade, mas acho que, se eles est�o sendo remunerados, a dedica��o deveria ser exclusiva, permitindo apenas atua��es que tenham rela��o com o mandato e ainda sem retorno financeiro”, defende.
J� na opini�o do diretor da ONG Transpar�ncia Brasil, Claudio Abramo, a sobra de tempo que permite aos parlamentares ter outras atividades � um problema institucional. “N�o interessa o que eles fazem para se ocupar fora do Congresso, mas, se foram eleitos para cumprir mandato que exige atividade no Parlamento, n�o precisa ser 100% do tempo, mas precisa ser um tempo razo�vel, pelo menos quatro dias na semana”, reage. “O que n�o d� � para manter a casa legislativa mais cara do mundo e os parlamentares trabalharem praticamente s� dois dias”.
Fiscaliza��o n�o co�be irregularidades
Apesar de a pr�tica profissional em outro ramo n�o ser proibida a parlamentares, �rg�os fiscalizadores entram em a��o quando as empresas de parlamentares t�m alguma liga��o com o poder p�blico, o que � inconstitucional e pode render-lhes a perda de mandato. Alguns se aproveitam de brechas para burlar a regra, passando o empreendimento para o nome de parentes, por exemplo. E h� casos em que nem mesmo h� fiscaliza��o, como ocorre com quem comanda emissoras de r�dio e tev�, que s�o concess�es p�blicas. De acordo com dados de 2011 do Minist�rio das Comunica��es, 56 parlamentares s�o donos ou t�m parentes como s�cios de empresas desse tipo, mas nenhum deles sofre qualquer san��o.
Ap�s fazer auditoria em 142 mil contratos do governo federal assinados entre 2006 e 2010, o Tribunal de Contas da Uni�o (TCU) identificou parlamentares em exerc�cio em agosto de 2010 que eram donos de pelo menos 50% de empresas contratadas pela administra��o p�blica federal. O ac�rd�o publicado em 2011 apontou inclusive que um deles assinou pessoalmente um desses termos contratuais. A lista de acusados � considerada sigilosa e foi encaminhada ao Minist�rio P�blico Eleitoral e aos conselhos de �tica da C�mara e do Senado. No ac�rd�o, o TCU recomendou que o Congresso e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aperfei�oassem “a verifica��o do cumprimento da Constitui��o”, que pro�be a pr�tica. N�o h� informa��es de que algum acusado tenha sido punido.
Em outras decis�es, o Tribunal de Contas considerou irregular tamb�m a concess�o de cr�dito do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) a empresas que t�m parlamentares como s�cios. Em um ac�rd�o de 1998, o �rg�o indicou que “a pura obten��o do cr�dito com recursos p�blicos j� �, por si, um favor, mesmo sem exame das condi��es contratuais”. Em 1996, o TCU havia destacado que “a fun��o de representante do povo com a de dire��o de empresas que recebem recursos p�blicos s�o incompat�veis e essa situa��o, al�m de antijur�dica, � anti�tica”.