
Vale do Jetinhonha – Urnas fechadas, sonhos desfeitos. A cada quatro anos, a pobreza extrema, a falta de perspectiva, o desemprego e at� a seca desaparecem do Vale do Jequitinhonha, e a regi�o – uma das mais pobres do Brasil – � brindada com recursos para obras de infraestrutura, al�m de investimentos em sa�de e educa��o, transformando-se, nos reiterados discursos eleitorais, na pr�pria terra prometida. A m�gica exibida nos palanques, entretanto, dura pouco. Arrebanhados os votos locais e garantida a vit�ria, as enf�ticas promessas de mudan�as evaporam. A reportagem do Estado de Minas percorreu o Jequitinhonha e constatou o esquecimento a que est� relegada a popula��o local, apesar dos afagos recebidos nas campanhas pol�ticas. A regi�o convive com um problema que afeta todo o pa�s, mas que ganha ares de trag�dia numa �rea marcada pelo mart�rio da seca e por baixos �ndices de desenvolvimento s�cioecon�mico: obras e projetos implementados pelo poder p�blico que n�o funcionam, est�o parados ou abandonados. O resultado � o desperd�cio de dinheiro p�blico, enquanto os cidad�os sofrem as consequ�ncias da falta de investimentos e de compromisso dos governantes.
Na imers�o no Jequitinhonha que come�a a ser contada nesta edi��o, o EM refez o itiner�rio da viagem do ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva � regi�o durante a Caravana da Cidadania, em outubro de 1995. A reportagem visitou 10 cidades que abrigam obras nunca conclu�das, em diferentes �reas, como sa�de, transporte, pavimenta��o, tratamento de lixo, combate � seca, infraestrutura e gera��o de emprego. Foram percorridos cerca de 1.500 quil�metros, incluindo trechos de estradas vicinais malconservadas, numa regi�o que sofre com a falta d’�gua, enquanto as prometidas barragens, que solucionariam o problema, n�o saem do papel e barramentos constru�dos n�o funcionam por erro de projeto. A equipe de reportagem tamb�m atravessou as perigosas pontes e os trechos de terra da BR-367, que corta o Jequitinhonha em dire��o � Bahia. A pavimenta��o da rodovia, cobrada h� mais de 30 anos, virou o s�mbolo das promessas nunca cumpridas.
Plataforma obrigat�ria nas campanhas eleitorais, a realidade da �rea de sa�de no Vale do Jequitinhonha tamb�m passa longe do cen�rio tra�ado nos palanques. Faltam hospitais e postos, sobram obras abandonadas, e os doentes s�o for�ados a longas viagens em busca de atendimento. Uma rotina dura que marca a j� dif�cil vida de pessoas como Sil�sia Aparecida de Matos, de 30 anos. A cada 15 dias, ela tem que deixar o barrac�o de tr�s c�modos em que vive com os cinco filhos e o marido, em Itamarandiba, e viajar 600 quil�metros para que uma das crian�as, de 10 anos, receba tratamento contra leucemia em servi�o especializado em c�ncer na capital mineira, bancado pelo Sistema �nico de Sa�de (SUS).
Em Itinga, Fabiana Brito, de 35, m�e de uma menina em idade escolar, vive problema semelhante. Tem que viajar com o marido diab�tico, Gilson Ant�nio de Jesus, sempre que ele precisa de atendimento hospitalar. Recentemente, conta Fabiana, o marido ficou internado 15 dias em hospital de Itaobim, a 40 quil�metros de sua cidade. Resultado: para acompanh�-lo, ela teve que apertar o j� parco or�amento familiar, obtido com a venda de biscoitos que produz, a presta��o, “de vez em quando”, de servi�o de faxineira e, como no caso de Sil�sia, renda de R$ 134 do Bolsa-Fam�lia. As vidas de Fabiana e Sil�sia t�m mais um ponto em comum: confinadas na pobreza, sem acesso � informa��o, elas jamais acompanharam as a��es dos pol�ticos que ajudaram a eleger – em 2014, ambas votaram em Dilma Rousseff .
Cr�ticas
“O grande problema do Vale do Jequitinhonha � a falta de interesse do governo federal, que prefere investir no Bolsa-Fam�lia. Como o programa j� traz o retorno pol�tico, os governantes deixam de investir no desenvolvimento da regi�o”, afirma Adhemar Marcos Filho (PSDB), prefeito de Itinga. Por causa da extrema pobreza, em 2003, o munic�pio foi visitado pelo ent�o presidente Lula, ap�s ser escolhido como plataforma do Programa Fome Zero – na �poca, o petista esteve tamb�m na Vila Irm� Dulce, em Teresina (PI), e na Favela Bras�lia Teimosa, no Recife (PE), lugares igualmente carentes.
“O Jequitinhonha s� � lembrado pelos pol�ticos na �poca da elei��o, quando v�m aqui pedir votos”, reclama Jos� Roberto Alves (DEM), vereador em Berilo, cidade que, assim como Itinga, esteve na rota da Caravana da Cidadania. Apesar das reclama��es, entretanto, Itinga � um dos poucos munic�pios que t�m como “trof�u” uma promessa cumprida: a ponte sobre o Rio Jequitinhonha, anunciada por Lula ao visitar a cidade em 2003 e inaugurada por ele em mar�o de 2004. A obra foi financiada pela mineradora Vale.
Frustra��o 20 anos depois
Minas Novas e Berilo – Em outubro de 1995, o Vale do Jequitinhonha ganhou destaque na imprensa nacional. Daquela vez, o enfoque n�o foi a hist�rica da seca ou a pobreza da regi�o, mas sua inclus�o no roteiro de viagens do hoje ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva. A passagem da Caravana da Cidadania – uma esp�cie de plataforma de governo paralelo criada pelo Partido dos Trabalhadores depois de Lula perder, para Fernando Henrique Cardoso (PSDB), sua segunda disputa pela Presid�ncia – ainda � lembrada por moradores, mas hoje alimenta a frustra��o de parte deles.
Ao lado de personalidades como o ge�grafo Aziz Ab´Saber, a historiadora Helo�sa Starling e o te�logo Leonardo Boff, que participaram de semin�rios voltados para “apontar solu��es para o desenvolvimento da regi�o”, Lula percorreu o Jequitinhonha plantando promessas de mudan�a. A viagem, por terra, come�ou em Diamantina e prosseguiu por cidades ao longo da BR-367. Ele passou por Couto de Magalh�es de Minas, Turmalina, Minas Novas, Chapada do Norte, Berilo, Virgem da Lapa, Ara�ua�, Itinga, Itaobim, Jequitinhonha e Almenara.
“A esperan�a criada foi que, se chegasse � Presid�ncia (o que s� ocorreu nas elei��es de 2002), Lula olharia para o Jequitinhonha”, relembra o comerciante de Minas Novas Alexandre Martins Ferreira, de 37 anos, na �poca um adolescente de 17. Depois de duas gest�es de Lula e de sua sucessora – a tamb�m petista presidente Dilma Rousseff – entrar em seu segundo mandato, a frustra��o substituiu o sonho. “Lula trouxe apenas o Bolsa-Fam�lia e n�o destinou quase mais nada pra c�”, lamenta Ferreira. “Infelizmente, � muita pol�tica e promessa. A��o mesmo, nenhuma”, acrescenta o comerciante. Ele cobra a prometida constru��o da Barragem de Santa Rita, no Rio Ara�ua�, que atenderia a cidade.
O ex-vereador Sinevaldo Rodrigues Aguiar, que recebeu Lula em 1995 na condi��o de presidente da C�mara Municipal, lembra que o petista chegou a falar em um plano exclusivo para o Jequitinhonha com enfoque na educa��o, sa�de e transporte para a regi�o. “Ele perdeu a elei��o seguinte (1998). Depois foi eleito presidente (2002), mas n�o tocou mais no assunto do plano”, lamenta Sinevaldo, ressaltando que tanto Lula quanto Dilma tiveram vota��es maci�as no Jequitinhonha. Apesar de o “plano exclusivo” ter sido deixado de lado, Sinevaldo avalia que Lula “melhorou muita coisa para os pequenos empres�rios”.
Em Berilo, o comerciante Milton (que prefere n�o revelar o nome completo) relembra dos discursos de Lula a uma multid�o na cidade, em que o petista prometeu o asfaltamento da BR-367 e a constru��o de barragens se um dia o PT assumisse o comando do pa�s. “Prometeu e nada foi feito”, disse. (LR)