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Estado de Minas

Drag�o corr�i bolsa fam�lia e acorda fantasma da fome no Jequitinhonha

Eleva��o do custo de vida j� obriga moradores do Jequitinhonha dependentes do programa do governo a recorrer � ajuda de conhecidos para complementar renda e comprar comida


postado em 03/05/2015 07:00 / atualizado em 04/05/2015 11:35

Maria José:
Maria Jos�: "a gente passa necessidade sim" (foto: Jair Amaral / EM / D.A Press)
Itinga e Ara�ua� – Com 13,97 milh�es de cadastrados, o Bolsa Fam�lia – que envolve hoje a cifra de R$ 2,3 bilh�es mensais e ajudou a retirar da linha de pobreza 36 milh�es de brasileiros entre 2003 e 2013, como propaga o governo federal – come�a a sofrer os efeitos negativos da pol�tica econ�mica do pr�prio Planalto. Os ataques do drag�o da infla��o j� fazem estragos nos or�amentos de fam�lias que precisam da ajuda do governo para sobreviver, especialmente daquelas que vivem em �reas mais carentes, como o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, onde a falta de oportunidades para melhorar de vida amplia a depend�ncia e reduz os �ndices de sa�da do programa, constatou a reportagem do Estado de Minas, que percorreu 10 cidades na regi�o. Em boa parte das casas, o cart�o do programa � guardado como o maior patrim�nio familiar, mas, com o aumento do custo de vida – especialmente da conta de luz –, o sagrado dinheirinho recebido do governo j� n�o d� mais para comprar comida para o m�s inteiro.


Pelo Vale afora, benefici�rios do programa repetem a mesma hist�ria: mesmo com o aux�lio do governo, precisam agora recorrer � ajuda de parentes e conhecidos para n�o passar fome. � o caso de Teresa Fernandes Pessoa, de 59 anos, moradora de Itinga – um dos ber�os do programa de transfer�ncia de renda implantado ainda na primeira gest�o do PT na Presid�ncia da Rep�blica. O munic�pio, que Luiz In�cio Lula da Silva visitou em 1993 – 10 anos antes de ser eleito – e onde conheceu Teresa, que dividia um cub�culo com oito filhos – foi escolhido pelo ex-presidente como uma das plataformas de lan�amento do Programa Fome Zero ao assumir seu primeiro mandato , em janeiro de 2003.

Tereza Pessoa já não consegue garantir as refeições com a ajuda do governo(foto: Jair Amaral / EM / D.A Press)
Tereza Pessoa j� n�o consegue garantir as refei��es com a ajuda do governo (foto: Jair Amaral / EM / D.A Press)
Da primeira leva do programa, a mulher que impressionou Lula por sua pobreza diz que o Bolsa Fam�lia “mudou bastante” sua vida, mas reclama da situa��o atual. As despesas de �gua e luz representam cerca da metade dos R$ 140 que recebe. A outra parte n�o � suficiente para comprar comida para o m�s inteiro. Como n�o tem outra renda, o jeito � pedir alimentos para os outros: “Chego na casa de fulano e pe�o um pouquinho de arroz, um pouquinho de farinha. Na casa de outro, ganho um pouquinho de feij�o. E a gente vai levando a vida”, conta Teresa. “Tem hora que nem chego a pedir. As pessoas veem a situa��o da gente e trazem (as coisas) pra gente. Mas, tem hora que a gente tem que pedir: ‘�, fulano, me arranja isso, que l� em casa n�o tem nada’”, completa.

Teresa recorda da promessa feita por Lula em 1993: “Ele pediu que eu rezasse porque, se fosse eleito, iria me dar uma casinha”. At� hoje, ela continua na mesma moradia apertada, de um c�modo s�, separado apenas por meia parede. “Foi uma separa��o para a gente trocar de roupa”, explica . O pequeno espa�o, que serve de sala, cozinha e quarto, � dividido hoje com um filho e dois netos. A mulher reclama do n�o cumprimento da promessa do ex-presidente. Mas, resignada, diz: “Pe�o a Deus que continue iluminando ele”.

Segundo relat�rio do Minist�rio do Desenvolvimento Social e do Combate � Fome (MDS), atualmente h� 2.426 benefici�rios do Programa Bolsa Fam�lia em Itinga. Considerando a m�dia de 3,1 de pessoas por domic�lio, levantada na Pesquisa Nacional de Amostras por Domic�lios (Pnad 2013), o n�mero de pessoas atingidas pelo programa na cidade chega a 7.520, o que corresponde � metade da popula��o de Itinga (15.012 habitantes).

Adriana e Neusa lavam vasilhas no rio para reduzir conta de água(foto: Jair Amaral / EM / D.A Press)
Adriana e Neusa lavam vasilhas no rio para reduzir conta de �gua (foto: Jair Amaral / EM / D.A Press)
Drama que se repete
O drama vivido por Teresa n�o � �nico em Itinga. Segundo a secret�ria municipal de A��o Social, Deborah Ramalho Vieira, os pedidos de ajuda ao �rg�o s�o constantes. “Recebemos pessoas que alegam que sua �nica renda � do Bolsa Fam�lia, que n�o t�m nada em casa nem dinheiro pra fazer a feira. Outros dizem que n�o t�m nenhuma colher de arroz para fazer o almo�o e alimentar o filho para mand�-lo � escola”, conta Deborah. “Recebemos constantemente pedidos variados de pessoas beneficiadas do Bolsa Fam�lia. Ultimamente, o que tem chegado mais � pedido de ajuda de custo para o pagamento da conta de luz”, completa.

Em Ara�ua�, a reportagem encontrou o mesmo problema. No Bairro S�o Jorge, uma das �reas mais carentes do munic�pio, a dom�stica Maria Jos� Lopes Pereira, de 30, reclama que os R$ 314 recebidos do Bolsa Fam�lia j� n�o d�o mais para o sustento, pois ela � m�e de quatro filhos e o companheiro, Marcelo, ganha pouco como trabalhador bra�al. Para piorar, nem sempre ele encontra servi�o. Ultimamente, a situa��o piorou muito, principalmente devido ao aumento da conta de luz, conta Maria Jos�. N�o � todo dia que h� mantimentos em casa e, volta e meia, o fantasma da fome bate � porta, admite a dom�stica. A�, tem que recorrer � solidariedade alheia. “Vou falar a verdade: a gente passa necessidade sim e precisa pedir ajuda para outros”, afirma Maria Jos�. A fam�lia mora num barrac�o de dois c�modos. Um deles � o quarto do casal, cozinha e sala ao mesmo tempo. A moradia n�o tem banheiro. “Usamos o da vizinha”, explica Maria Jos�.

Numa estrada, perto de Baixa Quente (lugarejo de cerca de 50 casas), na zona rural de Ara�ua�, a reportagem encontrou tr�s mulheres carregando  na cabe�a vasilhas, que refletiam os raios do sol forte que predomina na regi�o. Elas voltavam do Rio Calhauzinho, percorrendo a p� uma dist�ncia de 1.500 metros. Neuza Fernandes Rodrigues, de 54 anos, uma das mulheres, explica: “A gente tem que caminhar para lavar vasilhas no rio porque se lavar em casa n�o consegue pagar a conta de �gua. O que a gente ganha � muito pouco”. Os R$ 70 que recebe de ajuda do governo s�o a �nica renda certa da fam�lia de Neuza, m�es de seis filhos j� criados. Segundo ela, o marido, Jos� Francisco Cardoso, trabalha como lavrador, ro�ando pastos, a R$ 40 por dia. Mas, como costuma ocorrer no Vale, a oferta de trabalho � escassa.

Outra integrante do trio de Baixa Quente, Adriana Fernandes, de 32, m�e de sete filhos, revela que recebe R$ 313 do programa governamental e agradece por isso: “Se n�o fosse o Bolsa Fam�lia, eu n�o sei como a gente iria sobreviver”. Por outro lado, reclama das condi��es do lugar onde mora, sobretudo, da falta de saneamento b�sico. A casa onde mora n�o tem banheiro e as necessidades s�o feitas no mato. “Banho, s� de mangueira, no quintal”, completa. “Quero ir embora desse lugar. Vou me mudar para Belo Horizonte’, anuncia Adriana. Em Ara�ua�, segundo dados do MDS, h� 4.662 cadastrados no Bolsa Fam�lia, que, considerando a m�dia de 3,1 moradores por domic�lio, alcan�a 14.452 pessoas, o equivalente a 38,9% da popula��o do munic�pio (37.220 habitantes).

Corros�o

A alta da infla��o – cuja proje��o para 2015 � de 8,3%, pelo �ndice de Pre�os ao Consumidor Amplo (IPCA) – afeta os brasileiros em geral, aponta Nora Raquel Zygielszyper, professora de economia da Funda��o Get�lio Vargas. Ela ressalta, entretanto, que entre os benefici�rios do Bolsa Fam�lia ou mesmo quem ganha o sal�rio m�nimo “a redu��o do poder aquisitivo � dram�tica, pois  impossibilita at� que comprem comida suficiente para o m�s”. Nora Zygielszyer lembra que o governo reajustou os benef�cios do Bolsa Fam�lia em 10% em 2014, o que representou ganho real. Mas ressalta: “A escalada da infla��o continuou e esse ganho j� foi corro�do”.

 

Atados � ajuda do programa
Falta de oportunidades cr�nica perpetua depend�ncia de carentes no Jequitinhonha

Al�m enfrentar a corros�o da renda provocada pela infla��o, os benefici�rios do Bolsa Fam�lia no Vale do Jequitinhonha t�m pouca chance de reduzir sua depend�ncia da ajuda governamental. A falta de oportunidades � cr�nica na regi�o – onde uma s�rie de projetos de gera��o de emprego e renda fracassou nos �ltimos anos, como mostrou reportagem do Estado de Minas realizada em 10 cidades do Vale e publicada no �ltimo fim de semana – e praticamente tranca a porta de sa�da do programa. Levantamento feito pelo EM com base em dados do Minist�rio do Desenvolvimento Social e de Combate � Fome (MDS) sobre a revis�o de benef�cios revela que, no Jequitinhonha, o percentual de desligamento do Bolsa Fam�lia por quem obteve eleva��o de renda � de 2,3%, inferior � m�dia nacional, de 3,2%, confirmando a pereniza��o de uma pobreza apenas remediada. O �ndice de sa�da no Jequitinhonha � ainda mais distante da m�dia de Minas Gerais, de 4,45%.

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Os baixos percentuais de desligamento do programa s�o verificados no Brasil inteiro, mas de forma mais acentuada nas´ï¿½reas mais pobres, confirma a professora Nora Raquel Zygielszyper, da Funda��o Get�lio Vargas (FGV). “Infelizmente, o programa n�o parece ter sido desenhado com a preocupa��o de ter uma porta de sa�da”, critica a especialista. Ela frisa, por�m, que a ajuda financeira aos mais pobres � importante e necess�ria, mas, sem conjuga��o com projetos para gerar renda, “demonstra uma vis�o de curto prazo”. “O que se percebe no Vale do Jequitinhonha � resultado dessa pol�tica, que merece reparos”, afirma.

Para o professor Geraldo Ant�nio dos Reis, do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), entretanto, � preciso levar em conta os impactos de outras pol�ticas do governo sobre �reas menos desenvolvidas. Ele cita os efeitos positivos da valoriza��o do sal�rio m�nimo. “Rendimentos de aposentados, pensionistas e servidores p�blicos municipais est�o fortemente atrelados ao m�nimo nesses locais”, lembra.

Contudo, o professor defende “mais arrojo nas pol�ticas de infraestrutura”, inclusive em �mbito estadual. Como exemplo cita a pavimenta��o de rodovias estaduais que permitir�o superar o hist�rico isolamento do Jequitinhonha e do Mucuri. “No que diz respeito � melhoria da rede vi�ria, ogGoverno federal tamb�m poder� ter um papel essencial”, acrescenta.

Morador da cidade de Jequitinhonha, o mototaxista Olinto Ant�nio Viana acredita que a n�o pavimenta��o da BR-367 impede o crescimento da regi�o e resume: “Aqui � o vale da mis�ria porque n�o existem condi��es de transporte. Se tivesse pelo menos estrada, poderia ter movimento. O povo poderia plantar colher e distribuir as mercadorias. O Governo s� cobra impostos e deixa de fazer aquilo que presta. Essa regi�o est� esquecida.

Infraestrutura ruim aprofunda o isolamento e dificulta geração de renda no Vale, dizem especialistas(foto: Jair Amaral / EM / D.A Press)
Infraestrutura ruim aprofunda o isolamento e dificulta gera��o de renda no Vale, dizem especialistas (foto: Jair Amaral / EM / D.A Press)
S� 2.333 desligamentos
Dados do Minist�rio do Desenvolvimento Social e de Combate � Fome (MDS) referentes � revis�o cadastral do Bolsa Fam�lia em todo o pa�s apontam que 449.546 benefici�rios sa�ram do programa ap�s ter sua renda elevada. Eles representam 3,2% do bolo de 13,97 milh�es beneficiados em todo o territ�rio nacional, de acordo com os n�meros, atualizados em mar�o. Dos que deixaram o programa, 238.493 informaram renda familiar superior a R$ 154,00 por pessoa – o valor m�ximo para receber a ajuda – e 211.055 n�o renovaram o cadastro. Tamb�m foram contabilizadas 197.704 fam�lias que deixaram de receber benef�cio b�sico por declarar ganhos acima do limite da extrema pobreza (R$ 77 per capita). Ainda segundo os dados do MDS, em Minas Gerais, 49 mil cadastrados no Bolsa Fam�lia informaram aumento de renda, o que correspondente a 4,45% do 1,1 milh�o de benef�cios pagos nos 853 munic�pios do estado, que somam R$ 173,4 milh�es mensais.

Com base nos dados individuais dos 57 munic�pios do Vale do Jequitinhonha registrados pelo MDS, o Estado de Minas identificou a sa�da de 2.333 benefici�rios do Bolsa Fam�lia na regi�o, onde o programa alcan�a 97.654 domic�lios. Considerada a m�dia de 3,1 pessoas por casa apontada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (Pnad 2013), o total de pessoas atingidas pelo programa chega a 302.702, contingente equivalente a 38,8% dos 785.182 habitantes do Vale.

Em algumas cidades a situa��o o �ndice de sa�da do programa � ainda mais baixo que a m�dia de 2,3% da regi�o. Em S�o Gon�alo do Rio Preto (3.180 moradores), por exemplo, somente quatro das 399 fam�lias que recebem o benef�cio foram convocadas para a revis�o cadastral e nenhuma delas saiu do Bolsa Fam�lia. Mata Verde (8,36 mil habitantes) teve um �ndice de sa�da do programa de apenas 0,2% – tr�s entre 1.222 fam�lias benefici�rias. Outras cidades que tiveram percentuais �nfimos de sa�da foram: Alvorada de Minas (0,4%), Felisburgo (0,5%), Serra Azul de Minas (0,6%), Joa�ma (0,7%), Ponto dos Volantes (0,7%), Padre Para�so (0,7%), Berilo (0,8%), Jos� Gon�alves de Minas (0,8%) e Itinga (0,9%).


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