
Bras�lia – Redu��o da maioridade penal, voc� � contra ou a favor? O tema � t�o pol�mico e desperta tantas paix�es que a resposta a essa pergunta costuma sair de pronto. O que pouca gente sabe � que uma poss�vel altera��o na lei vai abrir caminho para mais do que cadeia para adolescentes infratores. Se aprovada pelo Congresso Nacional, a redu��o da idade penal de 18 para 16 anos pode causar situa��es contradit�rias e desdobramentos em diversas outras �reas da legisla��o brasileira.
Britto ressalta que haver� necessidade de se reinterpretar o Estatuto da Crian�a e do Adolescente (ECA), uma vez que o documento trata tanto da prote��o quanto da puni��o de brasileiros entre 12 e 18 anos. “O entendimento da Constitui��o � que o desenvolvimento da personalidade n�o se perfaz sen�o a partir de 18 anos. At� essa faixa et�ria, a Constitui��o diz que o indiv�duo est� em forma��o”, explica. Para o ministro aposentado, a redu��o viola cl�usula p�trea da Constitui��o — dispositivo que n�o pode ser alterado.
O Estado de Minas ouviu especialistas de diferentes �reas para entender os reflexos da altera��o em �reas como tr�nsito, venda de bebidas alco�licas, leis trabalhistas e no pr�prio ECA. A preocupa��o � compartilhada pelo ministro do STF Marco Aur�lio Mello. “� razo�vel voc� dizer que responde como adulto (ao cometer crimes) e ao mesmo tempo ser proibido de conduzir um ve�culo automotor?”, questiona. Ele lembra que tais reflexos v�o depender da precis�o do texto aprovado pelo Legislativo, que pode, por exemplo, restringir a redu��o da maioridade penal apenas em casos de infratores que cometam crimes hediondos. Mello avalia, ainda, que a PEC vai aumentar o encarceramento e n�o vai reduzir a criminalidade. “Entre pr�s e contras, os contras sobrepujam os pr�s. Eu n�o vejo como algo desej�vel”, comenta.
No �mbito trabalhista, apesar de a redu��o da maioridade penal n�o causar altera��es diretas, pode motivar discuss�es para futuras mudan�as. “A redu��o da maioridade penal n�o afeta diretamente as rela��es trabalhistas, contudo, inicia-se assim mais uma discuss�o sobre o abandono escolar para a entrada de jovens no mercado de trabalho em atividades que hoje s�o vedadas”, explica o advogado trabalhista Marc�lio Braz. A legisla��o atual impede o trabalho para menores de 14 anos. Entre 16 e 18, h� restri��es, como n�o trabalhar em ambiente penoso, insalubre, perigoso, que prejudique a forma��o moral e psicol�gica, desenvolvimento f�sico, al�m de trabalho noturno. Menores tampouco podem fazer hora extra, e o empregador � obrigado a ceder tempo necess�rio para o comparecimento �s aulas.
“Hoje, essas proibi��es mant�m o jovem na escola. Qualquer altera��o nessa legisla��o trar� graves preju�zos aos jovens, que s�o o futuro de nosso pa�s”, afirma Braz. O crit�rio usado � que pessoas nessa faixa et�ria ainda est�o em fase de desenvolvimento. O argumento encontra respaldo nas outras esferas do direito brasileiro, al�m das normas internacionais ratificadas pelo Brasil, como a Conven��o 138, da Organiza��o Internacional de Trabalho (OIT). H�, ainda, uma rela��o direta com a poss�vel libera��o do consumo de bebidas alco�licas, uma vez que � proibido o trabalho de menores em estabelecimentos que comercializem esse tipo de produto.
Habilita��o para dirigir no alvo
O efeito cascata da redu��o da maioridade penal pode colocar atr�s do volante adolescentes de 16 anos. Isso porque a primeira condi��o para um brasileiro se habilitar a conduzir um ve�culo � ser plenamente imput�vel. Para o professor de direito penal e processual e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF) Rafael Augusto Alves, com a aprova��o da emenda, o efeito autom�tico na legisla��o de tr�nsito s� n�o ocorrer� se o Congresso criar mecanismos que impe�am a extens�o dos direitos e deveres. “� preciso ver como o texto ser� aprovado. A imputabilidade ser� para toda e qualquer esp�cie de infra��o penal ou vai se restringir a crimes hediondos, por exemplo? Mas h� uma quest�o mais profunda ainda: se o ECA fosse cumprido integralmente, talvez n�o precis�ssemos disso”, defende.
Caso a PEC seja realmente aprovada, o Brasil ter� que repensar a forma��o do condutor. Doutor em estudos de transportes, o professor da Universidade de Bras�lia (UnB) Paulo C�sar Marques entende que n�o h� restri��o do ponto de vista cognitivo para um adolescente de 16 pegar o volante. Mas defende a necessidade de um “esfor�o adicional” na forma��o dos futuros motoristas, porque h� diferen�as consider�veis do ponto de vista da maturidade. “Teoricamente, se uma pessoa com 16 anos pode votar e decidir o futuro do pa�s, ela pode conduzir um carro. Mas a maturidade precisa ser mais trabalhada e o processo de forma��o necessitaria ser ajustado para a nova realidade”, destaca Marques.
Diretor de Policiamento e Fiscaliza��o de Tr�nsito do Detran-DF, Silvain Fonseca n�o tem d�vidas sobre o que chama “efeito domin�” da redu��o da maioridade penal na legisla��o de tr�nsito. “Se isso acontecer, o Estado ter� que refor�ar a educa��o, al�m de trabalhar as quest�es de maturidade e comportamento nas vias. Teremos um perfil novo de condutores e seremos obrigados a pensar como seria a forma de capacita��o desse p�blico.”
VENDA DE �LCOOL A preven��o ao uso de drogas l�citas, como o �lcool, est� no pacote de normatiza��es que poder�o ser afetadas diretamente pela redu��o da maioridade penal. H� menos de dois meses, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a Lei Federal 13.106, que torna crime a venda e a oferta de bebidas alco�licas e outras drogas que podem causar depend�ncia a menores de 18 anos. “H� um interesse econ�mico que se sobrep�e ao direito � sa�de da popula��o como um todo”, lamenta Alessandra Diehl, psiquiatra e secret�ria da Associa��o Brasileira de Estudos do �lcool e outras Drogas (Abead). Ela diz n�o enxergar desdobramento imediato, uma vez que a legisla��o que veta a venda e oferta de drogas l�citas e il�citas a menores est� bem fundamentada. Quem desrespeita a Lei 13.106 pode ficar preso por dois a quatro anos e pagar multa de at� R$ 10 mil.
Contradi��es na prote��o de jovens
A redu��o da maioridade penal criaria uma situa��o contradit�ria em que um jovem de 16 anos pode ser punido por um crime como adulto, mas continua sendo protegido como adolescente, uma vez que o Estatuto da Crian�a e do Adolescente (ECA) — que trata da faixa et�ria de 12 a 18 anos — continuaria vigente. “Desmontaria todo o sistema legal de prote��o da juventude, ent�o geraria uma s�rie de incompatibilidades e contradi��es nos diferentes sistemas”, explica Sinara Guimieri, consultora jur�dica do Instituto de Bio�tica, Direitos Humanos e G�nero. “A aprova��o criaria um precedente perigoso para que o Congresso venha a reformular o ECA”, refor�a a procuradora da Rep�blica Mariane Guimar�es.
Se o ECA for alterado, crimes cometidos contra adolescentes entre 16 e 17 anos seriam descaracterizados. Entram nessa categoria explora��o sexual, pornografia infantil, sequestro e tr�fico internacional de pessoas, entre outras quest�es. Atualmente, quem envia crian�a ou adolescente de at� 18 anos para o exterior com a finalidade de obter lucro pode cumprir de quatro a seis anos de pris�o, al�m de pagar multa. Se houver emprego de viol�ncia, a pena sobe para oito anos, somada ao tempo correspondente aos atos violentos praticados. Com a poss�vel aprova��o da PEC 171, seria considerada v�tima desse tipo de crime pessoa com at� 16 anos. A altera��o valeria tamb�m para crimes como filmar ou fotografar menores em cenas pornogr�ficas, cuja puni��o inclui multa e reclus�o de quatro a oito anos. A pena aumenta se o autor do crime for agente p�blico ou parente da v�tima.
CRIMES SEXUAIS Na avalia��o do soci�logo Dijaci David de Oliveira, da Universidade Federal de Goi�s (UFG), a aprova��o da emenda pode incentivar crimes sexuais se causar altera��es no ECA. “Vai ter a explora��o sexual legal entre 16 e 17 anos e abrir a porta para ampliar a explora��o no segmento logo abaixo, entre 14 e 15 anos, que j� existe”, afirmou. Ele lembra ainda que a capacidade de fiscaliza��o do cumprimento da lei � prec�ria, o que agrava o problema. Em 2013, o servi�o Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos (SDH-PR) registrou 124.079 den�ncias de viol�ncia cometidas contra crian�a e adolescente no pa�s. Desse montante, 28% se referiam a viol�ncia sexual. Para Oliveira, os n�meros mostram como, mesmo com a prote��o legal, a adolesc�ncia brasileira � vulner�vel.