
A atitude agressiva contra o governo e uma s�rie de manobras para impor seus desejos faz do presidente da C�mara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), uma figura controversa, odiado por muitos e her�i para outros. O segundo round da vota��o da proposta de redu��o da maioridade penal, na madrugada dessa quinta-feira (2), despertou a ira dos deputados derrotados, pela forma como a sess�o foi conduzida, mas, para decanos do Legislativo, Cunha jogou muito bem as regras do jogo e mostrou dom�nio do regimento interno da Casa. “Ele (Eduardo Cunha) tem poder como presidente da C�mara. Mas h� exagero dos que perdem. Os que ganham acham que ele est� certo. Os que perdem dizem que ele � um ditador”, afirma o deputado Miro Teixeira (PROS-RJ), do alto de sua experi�ncia na C�mara Federal, onde est� desde 1971.
O PSOL, partido cujos parlamentares se manifestaram com mais veem�ncia contra Cunha, considerou a vota��o da emenda aglutinativa um golpe. “Houve aqui uma redu��o dos direitos democr�ticos, uma vergonha ao processo legislativo. N�s n�o vamos legitimar esse processo esp�rio do Parlamento”, declarou o l�der do partido, deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).
Humberto Souto (PPS), que foi deputado por 10 mandatos, por�m, n�o se assusta com as atitudes do presidente da C�mara. “Acho que ele � vulner�vel, mas � inteligente e est� querendo votar as mat�rias que est�o na Casa h� muitos anos”, avalia o pol�tico de Montes Claros. Souto entende que Cunha teve a percep��o de que � bom ficar contra o PT. “Como geralmente os presidentes da C�mara s�o subalternos, ele n�o � e est� se destacando por isso.” O pol�tico, de 81 anos, explica que todos os deputados e partidos t�m � disposi��o um corpo de t�cnicos com conhecimento do regimento interno e que Cunha n�o disp�e de nenhuma vantagem.
Miro Teixeira explica que o presidente da C�mara sabe usar o regimento a favor de seus interesses e recorda que o artif�cio da emenda aglutinativa era usado desde a �poca do Imp�rio e tamb�m foi recorrente durante a Assembleia Nacional Constituinte, em 1987. “Foi com emenda aglutinativa que se resolveram as quest�es da Previd�ncia Social”, exemplifica Teixeira. Ele avalia, por�m, que, ap�s a Assembleia Constituinte, as emendas aglutinativas “ca�ram na vida”. “Passaram a ser usadas, manuseadas e manipuladas”, entende o deputado. O deputado do PROS foi um dos v�rios parlamentares que fizeram o alerta de que a emenda aglutinativa defendida por Cunha desobedecia a Constitui��o. “N�o se pode aglutinar mat�ria j� vencida”, destacou.
JURISTAS Logo ap�s a vota��o, na madrugada dessa quinta-feira, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, criticou a manobra de Cunha e escreveu em sua conta no Twitter o que diz o quinto par�grafo do artigo 60 da Constitui��o: “Mat�ria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada n�o pode ser objeto de nova proposta na mesma sess�o legislativa”.
O ministro do STF Marco Aur�lio Mello seguiu a mesma linha de Barbosa e foi al�m, em entrevista � R�dio Ga�cha: “O que n�s temos na Constitui��o Federal? Em primeiro lugar, que o STF � a guarda do documento maior da Rep�blica. Em segundo lugar, temos uma regra muito clara que diz que mat�ria rejeitada ou declarada prejudicada s� pode ser apresentada na sess�o legislativa seguinte. E nesse espa�o de tempo de 48 horas n�o tivemos duas sess�es legislativas”.
A Associa��o dos Magistrados Brasileiros (AMB) emitiu nota considerando grave o procedimento adotado pela C�mara dos Deputados e destacou a afronta � Constitui��o. “Esse � mais um retrocesso para a democracia brasileira. O sentimento de todos os operadores do sistema de inf�ncia e juventude hoje � de indigna��o. Buscar a redu��o da maioridade penal como solu��o para diminui��o da viol�ncia juvenil, sem o profundo e importante debate, trar� intang�veis danos � sociedade”, afirmou em nota.
Nessa quinta-feira, o vice-l�der do PT, Alessandro Molon (RJ) explicou que o partido recorrer� ao STF. “N�o podemos ter uma Casa de leis em que as vota��es s� terminam quando � aprovado o que o presidente quer. Isso n�o � democracia. Vamos mostrar que esse comportamento reiterado do presidente amea�a a democracia. Toda vez que ele perde, encerrada a vota��o da noite, reorganiza os partidos conforme suas prefer�ncias e refaz a vota��o at� que ven�a sua posi��o”, afirmou Molon.
Ataque sem tr�gua ao governo e ao PT
O presidente da C�mara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), defendeu nessa quuinta-feira que o vice-presidente da Rep�blica, Michel Temer (PMDB), deixe a articula��o pol�tica do governo assim que o Congresso encerrar as vota��es do ajuste fiscal. Ele acusou o PT de estar sabotando o peemedebista e disse que o Planalto est� equivocado em suas posi��es perante o Legislativo. “A articula��o pol�tica est� cada hora indo para um caminho equivocado. Michel Temer entrou para tentar melhorar essa articula��o pol�tica. Est� claramente sendo sabotado por parte do PT. Acho at� que se continuar desse jeito, Michel deveria deixar a articula��o pol�tica”, disse Cunha.
Ele rebateu os parlamentares que o acusaram de conduzir um golpe ao colocar em vota��o uma segunda proposta de redu��o da maioridade penal, que acabou sendo aprovada pela Casa na madrugada dessa quinta-feira, apenas 24 horas ap�s o primeiro texto sobre o tema ter sido rejeitado. “Isso � choro de quem n�o tem voto. Choro de quem est� entrando na agenda que n�o � a agenda da sociedade. Aqueles que est�o contra a sociedade. N�o � � toa que o governo est� com 9% de popularidade e est� do mesmo tamanho de quem apoia a manuten��o da maioridade penal. � um governo desarticulado aqui dentro dessa Casa”, afirmou.
Palavra de especialista*
Dono da agenda
“O regimento, ou a ‘regra que conduz o jogo’ � flex�vel de acordo com quem est� no comando. O presidente da C�mara, Eduardo Cunha, consegue encontrar brechas e artimanhas que favorecem vota��es nitidamente contr�rias ao interesse do governo. Acredito que a afronta ao governo � uma inten��o deliberada de Cunha, pois n�o vejo o mesmo empenho do peemedebista em assuntos que n�o alcancem tanta repercuss�o. O maior poder do presidente da C�mara � ter a prerrogativa de definir a agenda e determinar os assuntos que ser�o colocados em pauta. Quando o jogo entre os poderes Legislativo e Executivo � bem delineado, geralmente, a agenda � favor�vel ao Executivo. Quando ambos est�o em situa��o de oposi��o, se torna um problema.”
*Alexandre Pereira Rocha - doutor em Ci�ncias Pol�ticas e pesquisador da UNB