
Milh�es de reais deixam de entrar nos cofres da Previd�ncia Social e do Tesouro Nacional simplesmente porque uma bolada recebida por um seleto grupo de servidores n�o sofre o desconto previdenci�rio nem do Imposto de Renda. S�o as chamadas verbas “indenizat�rias” recebidas por integrantes do Judici�rio e do Minist�rio P�blico, tais como aux�lio-moradia, aux�lio-sa�de, aux�lio-livro e outros benef�cios que n�o s�o especificados nos contracheques. O Estado de Minas analisou uma �nica folha de pessoal do Tribunal de Justi�a e do Minist�rio P�blico, o que totaliza 2.970 desembargadores, ju�zes, procuradores e promotores ativos, aposentados e pensionistas. Se tributadas todas as verbas recebidas, algo em torno de R$ 30 milh�es teriam sido recolhidos a mais em impostos nos meses analisados.
Ao contabilizar v�rios recebimentos como indenizat�rios, vantagens pessoais (adicionais, vantagens de extens�o administrativa ou senten�a judicial e abono de perman�ncia) ou vantagens eventuais (pagamentos retroativos, substitui��es, servi�os extras, f�rias e d�cimo-terceiro), o grupo de servidores se v� livre do desconto previdenci�rio e da mordida do Le�o. “O que temos a� � uma ind�stria da indeniza��o, j� que a legisla��o prev� a isen��o para essas verbas. O problema � que o conceito � aplicado de forma ampla para escapar dos impostos”, diz Jo�o Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tribut�rio (IBPT).
De acordo com ele, uma indeniza��o � algo que deve ser recebido para reparar uma “injusti�a” – o que certamente n�o inclui verbas para morar, dinheiro de f�rias, pagamentos retroativos ou ac�mulos de fun��o. “Todos t�m natureza de remunera��o”, sentencia. A pedido da reportagem, o IPBT fez c�lculos para mostrar a “regalia financeira” desses contribuintes. As opera��es foram feitas partindo do pressuposto de que o trabalhador n�o tem dependentes ou qualquer tipo de isen��o – at� porque os portais de transpar�ncia do TJ e MP n�o trazem detalhamento sobre a que se refere cada parcela recebida.

O maior contracheque do TJ mineiro em julho foi pago a um juiz de entr�ncia especial: de um sal�rio bruto de R$ 470.049,97, ele embolsou R$ 461.153,91. O montante foi calculado levando em conta o subs�dio de R$ 28.947,55, indeniza��es de R$ 3.624,23 e vantagens eventuais de R$ 436.947,33. Sobre o bruto, ele teve um desconto de R$ 8.896,06 (somados a previd�ncia de R$ 2.575,79 e IR de R$ 6.320,27). Pois o que aconteceria se um trabalhador da iniciativa privada recebesse essas mesmas verbas? Sem dependentes, o dono do contracheque pagaria R$ 608,44 de INSS (no Regime Geral h� um teto de contribui��o) e exatos R$ 127.475,25 de Imposto de Renda. Ou seja, o l�quido cairia para R$ 341.966,28.
C�lculo semelhante foi feito com o maior sal�rio pago em maio no Minist�rio P�blico mineiro. Trata-se de um procurador que recebeu brutos R$ 83.440,11 e l�quidos R$ 75.929,91 (descontados IR e Previd�ncia). O contracheque se baseou no subs�dio l�quido de R$ 22.960,91, indeniza��es de R$ 18.465,88 e “remunera��es retroativas ou tempor�rias” de R$ 34.503,12. Da mesma forma que o colega magistrado, se ele fosse da iniciativa privada e sem dependentes, o desconto seria bem maior: chegaria a R$ 22.474,32, em vez dos R$ 7.510,20 descontados no contracheque.
MULTA Segundo Eloi Olenike, a inclus�o de verbas que deveriam ser taxadas como “indenizat�rias” � muito comum no poder p�blico, mas existe tamb�m na iniciativa privada. Caberia ent�o � Receita Federal, durante a declara��o de Imposto de Renda, verificar a natureza dos benef�cios. Mas n�o � tarefa f�cil. “Possivelmente, a Receita n�o deve fazer esse questionamento porque o trabalhador tem o contracheque classificando a verba como indenizat�ria”, explica. De toda forma, uma poss�vel multa seria aplicada � empresa ou �rg�o que paga o sal�rio, e n�o ao trabalhador.
Al�m de isent�-los de impostos, as indeniza��es servem para que os magistrados e membros do MP recebam contracheques acima do teto permitido no servi�o p�blico no pa�s: atualmente R$ 33,7 mil mensais. Para ter uma ideia, em maio, dos 1.028 promotores e procuradores de Justi�a de Minas Gerais, 894 receberam acima de R$ 33,7 mil. J� no TJMG, 1.610 magistrados receberam acima desse teto em julho.
Reforma tribut�ria permitir� cobran�a
Se aprovada sem modifica��es, a reforma tribut�ria em tramita��o na C�mara dos Deputados permitir� o pagamento do Imposto de Renda sobre qualquer tipo de parcela indenizat�ria, por meio de uma altera��o no artigo 150 da Constitui��o Federal. “Determinamos a cobran�a do Imposto de Renda sobre o valor das verbas indenizat�rias que superem o gasto ou patrim�nio indenizado, acabando, assim, com estratagema comum de travestir renda em pretensas indeniza��es n�o tribut�veis para fugir do pagamento do imposto”, escreveu o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), relator da reforma.
A minuta com os principais pontos da reforma tribut�ria foi apresentada por Hauly em comiss�o especial no �ltimo dia 22. O parlamentar est� confiante na aprova��o do texto no plen�rio at� o fim deste ano: at� mesmo do artigo que trata das verbas indenizat�rias. Os deputados e senadores recebem o aux�lio-moradia de R$ 4.377,73 – mesmo valor dos magistrados e integrantes do Minist�rio P�blico –, mas no caso deles, se n�o for apresentado um documento comprovando a despesa eles sofrem o desconto de 27,5% no IR.
HARMONIZA��O De acordo com Luiz Carlos Hauly, no bolo das altera��es propostas na reforma tribut�ria, a taxa��o sobre as verbas indenizat�rias pode at� n�o representar um valor t�o significativo, mas j� � um come�o. “Se ganhou a renda, tem que tributar mesmo. A Justi�a ou o pr�prio Supremo Tribunal Federal podem at� decidir que n�o pode cobrar o imposto sobre as indenizat�rias, mas n�o vejo a raz�o disso”, afirma o parlamentar. “O que estamos apresentando � um conceito de harmoniza��o internacional. N�o estamos inventando nada”, justifica.
Em tramita��o no Congresso h� d�cadas, o objetivo da reforma � reestruturar ao sistema tribut�rio brasileiro, criado na d�cada de 1960. Entre as propostas est� a substitui��o de tributos estaduais por imposto sobre valor agregado (IVA) e imposto seletivo. Dessa forma, simplificar o atual sistema por meio da unifica��o de tributos sobre o consumo e aumentar gradativamente os impostos sobre renda e patrim�nio.