
Quando caminhoneiros entraram em greve em 21 de maio contra o pre�o do diesel, talvez n�o tenha ficado claro que parar as estradas poderia significar parar o Brasil. Por causa dos protestos, emergiram problemas de abastecimento, escolas suspenderam aulas, cirurgias foram canceladas, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, pediu demiss�o e a popula��o e a economia ficaram imobilizadas pela falta de gasolina nos postos. Em vez de mercadorias, a categoria entregou na porta de cada brasileiro um pa�s � beira de um colapso, claramente dependente das rodovias e do petr�leo. Nessa combina��o explosiva, somou-se ainda contexto pol�tico inflamado que voltou a colocar fogo na crise que o Brasil vinha tentando superar. Se bastaram 10 dias para travar a na��o, a sa�da desse cen�rio dram�tico � projetada para d�cadas, ao custo de, pelo menos, R$ 600 bilh�es. Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas afirmam que botar o pa�s nos trilhos envolve, necessariamente, investimento em infraestrutura, em especial no transporte ferrovi�rio e hidrovi�rio, al�m do incentivo ao uso de biodiesel e aprofundamento do debate sobre a pol�tica de pre�os dos combust�veis.
“O Brasil � o pa�s entre as principais economias do mundo de dimens�es continentais que apresenta maior depend�ncia em rela��o a rodovias”, afirma o coordenador do n�cleo de infraestrutura e log�stica da Funda��o Dom Cabral (FDC), Paulo Resende. Ao longo de d�cadas, os governantes priorizaram uma pol�tica rodoviarista, em detrimento �s ferrovias. Essa mentalidade come�ou nos anos 1920 e se intensificou a partir dos governos Get�lio Vargas (1930-1945 e 1951-1954) e Juscelino Kubistchek (1956-1961).
Como consequ�ncia, as rodovias s�o respons�veis por 61,1% do transporte de cargas no pa�s, tr�s vezes mais em rela��o �s ferrovias, que transportam 20,7% das mercadorias, e quase cinco vezes mais em rela��o �s hidrovias, por onde trafegam 13,6% das cargas. Os dados s�o do boletim estat�stico de abril da Confedera��o Nacional do Transporte (CNT).
Enquanto a malha rodovi�ria conta com 1,7 milh�o de quil�metros, sendo 213.788 pavimentados, a ferrovi�ria n�o chega nem a 1,7% disso, com 30.576 quil�metros. A CNT registra 41.795 quil�metros de vias naveg�veis no Brasil, mas menos da metade delas – 19.464 quil�metros – � usada para fins econ�micos. Embora o trem seja considerado meio de transporte mais barato, ecol�gico e eficiente, o n�mero de vag�es em tr�nsito, hoje em 102.024 unidades, corresponde a 3,7% da frota de caminh�es, com 2.729.570 ve�culos. J� a frota de cabotagem, para navegar longos trechos, � de 197 navios.
“N�o tem caminho curto para resolver essa quest�o. � uma obra para mais de 10 anos at� come�ar a mudar essa matriz. Se pegar o mapa, s�o muito poucas ferrovias e espa�adas, num sistema que hoje serve praticamente �s mineradoras”, afirma o consultor em transporte e tr�nsito, Osias Baptista, mestre em transporte pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele destaca ainda que o transporte por ferrovia tem n�vel de perda muito menor do produto, se comparado aos caminh�es.
O caminho n�o � curto nem barato. O n�cleo de infraestrutura e log�stica da FDC calcula investimento de pelo menos R$ 600 bilh�es nos pr�ximos 15 anos para aumentar a participa��o das hidrovias e ferrovias na matriz de transporte. “Para ter uma mudan�a, � preciso um plano de log�stica que garanta investimentos em longo prazo, protegido da agenda eleitoral”, diz Resende. “Nossa sugest�o � que comece pela fronteira agr�cola, implementando, de imediato, maior n�mero de ferrovias no Centro-Oeste e aproveitamento de rios naveg�veis, para que soja e milho escoem por ferrovias e hidrovias aos portos do Norte”, explica.
O diretor da ONG Transporte e Ecologia em Movimento (Trem), Nelson Dantas, destaca que cada tipo de transporte deve ocupar determinado espa�o, hoje dominado pelo transporte rodovi�rio. “O ferrovi�rio tem a caracter�stica de baixo custo de transporte. Cada vag�o transporta o equivalente a tr�s carretas “Ocorreram equ�vocos ao longa da hist�ria e o Brasil abriu m�o de mais de 40.000km de ferrovias. A ferrovia chegou a subsidiar a constru��o de rodovias”, afirma.
Ele lista medidas de curto, m�dio e longo prazo que devem ser postas em a��o. “A curto prazo, deve-se aproveitar a infraestrutura ferrovi�ria para transporte de carga geral interna. As centrais de distribui��o junto. Existe uma ociosidade nas ferrovias como transporte interno. � preciso criar espa�o para transporte de carga em geral”, afirma. Ele tamb�m chama a aten��o para a regulamenta��o do mercado de frete. “A concorr�ncia � muito desigual”.

Concess�es rodovi�rias
A greve dos caminhoneiros tamb�m colocou em evid�ncia a necessidade de discutir o modelo de concess�o de rodovias brasileiras. Segundo a CNT, do total de rodovias pavimentadas, apenas 9% s�o concess�es rodovi�rias privadas, que se estende por 19.463 quil�metros dos mais de 213 mil. Durante a paralisa��o, o principal questionamento dos caminhoneiros foi a isen��o de cobran�a de ped�gio em rela��o ao eixo suspenso, concedida pelo governo federal depois da press�o da categoria.
Mas a quest�o abriu margem para pedir maior transpar�ncia quanto ao tema, considerado uma caixa-preta. “As rodovias concessionadas s�o muito melhores. No entanto, cada modelo de concess�o foi feito de um jeito diferente. Os pre�os s�o muito malucos e ainda h� press�o de empreiteiras. N�o h� uma transpar�ncia no valor do ped�gio”, afirma Osias Baptista.
No fim de abril, a Ag�ncia Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) revisou o modelo de concess�o, para atender a pedidos do Tribunal de Contas da Uni�o (TCU). Ainda sem mostrar efeito pr�tico, as mudan�as passaram por pontos como limitar a cinco anos a prorroga��o contratual e maior controle sobre investimentos n�o previstos em contrato.
“Falta uma l�gica maior dos custos para o transporte. Os ped�gio deveriam resultar em obras de constru��o de rodovias, mas de outros transportes mais eficientes”, afirma o coordenador da Comiss�o T�cnica de Transporte da Sociedade Mineira de Engenheiros (SME), Jos� Ant�nio Silva Coutinho, ex-diretor do Dnit. “H� uma defici�ncia na fiscaliza��o, desde o projeto da rodovia ou ferrovia at� a constru��o, concess�o. Se fiscaliz�ssemos melhor, haveria manuten��o de menor custo e mais eficiente”, destaca.