
O advogado-geral da Uni�o, Andr� Mendon�a, trabalha com um leque de assuntos, desde a reforma da Previd�ncia, dos textos do desarmamento at� os acordos de leni�ncia.
Especialista em direito p�blico pela Universidade de Bras�lia, ele � mestre e doutor pela Universidade de Salamanca, onde desenvolveu trabalhos sobre corrup��o e Estado de direito. O atual foco de Mendon�a, por�m, s�o mesmo os tratados entre a Uni�o e as empresas infratoras, na tentativa de recuperar os recursos fraudados.
“Se n�s pegarmos os acordos de leni�ncia que j� fechamos, Controladoria-Geral da Uni�o (CGU) e AGU, estamos pr�ximos a R$ 10 bilh�es”, disse Mendon�a, durante o programa CB.Poder, uma parceria entre a TV Bras�lia e o Correio Braziliense.
A ideia � recuperar R$ 25 bilh�es nos pr�ximos dois anos. “Hoje, n�s temos cerca de 20 acordos em andamento e a maioria desses acordos j� n�o abrangem a Lava-Jato”, disse Mendon�a, que � pastor presbiteriano.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Nos primeiros seis meses da gest�o do presidente Jair Bolsonaro, quais foram os principais resultados dos grupos de combate � corrup��o?
N�s assinamos dois acordos de leni�ncia e dois marcos importantes. Primeiro, porque celebramos um acordo com a Braskem, no valor de cerca de R$ 2,87 bilh�es, um acordo que j� havia sido costurado com o Minist�rio P�blico Federal, com o Departamento de Justi�a americano e com a Su��a. O porqu� da import�ncia desse acordo � que n�s t�nhamos um questionamento judicial no Tribunal da 2ª Regi�o de que o Minist�rio P�blico n�o tinha legitimidade para fazer os acordos de leni�ncia, ent�o a nossa atitude, desde o ano passado, foi de buscar o Departamento de Justi�a americano para dar uma legitimidade interna para aquilo que j� havia sido constru�do nesses dois pa�ses. Mas, mais do que isso, assinamos, h� uma semana, um acordo de leni�ncia com uma empresa francesa, a Technip, tamb�m agora com o Departamento de Justi�a, CGU, AGU e Minist�rio P�blico Federal. Ent�o, foi a primeira vez que as tr�s grandes institui��es brasileiras que se dedicam ao combate � corrup��o firmam um acordo global que abrange a maior autoridade do mundo no combate � corrup��o, que � o Departamento de Justi�a.
Quais s�o os valores em rela��o a esses acordos?
Esse �ltimo acordo foi de cerca de R$ 1 bilh�o internalizados no Brasil, um pouco mais desse valor iria para os Estados Unidos, mas, se n�s pegarmos os acordos de leni�ncia que j� fechamos, CGU e AGU, estamos pr�ximos de R$ 10 bilh�es.
S� a Lava-Jato ou estende?
Estende. Hoje, temos cerca de 20 acordos em andamento, e a maioria j� n�o abrange a Lava-Jato. N�s temos a estimativa de, com esses acordos, alcan�armos, somando-se a esses cerca de R$ 10 bilh�es, R$ 25 bilh�es nos pr�ximos dois anos.
S�o outras opera��es ou s�o decorrentes da Lava-Jato?
S�o decorrentes de uma cultura que se instalou no pa�s, a partir da lei anticorrup��o, de que as empresas v�o delatar ou entregar os il�citos que ocorreram no seio corporativo delas na rela��o com o poder p�blico. Na Lava-Jato, havia uma opera��o em andamento, e no curso das investiga��es, as empresas v�m e procuram para colaborar. Esses novos casos, alguns antigos ainda, mas os novos casos j� t�m uma caracter�stica diferente, n�o h� investiga��o. A empresa, no seu programa de integridade, descobre o il�cito, no compliance dela, faz as investiga��es internas, demite os envolvidos e procura as autoridades p�blicas para entregar as provas.
O senhor pode citar os casos especificamente?
Eu n�o posso citar o nome das empresas, porque isso ainda est� sob sigilo. Mas posso dizer o seguinte: n�o se restringem �s construtoras mais, s�o empresas de outros ramos, que t�m rela��o com o poder p�blico, que est�o vindo procurar as autoridades para colaborar com as investiga��es.
Ent�o, hoje temos uma outra cultura no pa�s em rela��o ao combate � corrup��o, j� � uma esperan�a?
Eu diria que � um caminho sem volta, porque n�s viv�amos um momento no Brasil pr�-Lava-Jato, em que o empresariado tinha a perspectiva de descobrir, mas ‘ningu�m pode saber, porque isso pode me prejudicar’. Com a Lava-Jato, percebeu-se o que j� era notado em outros pa�ses, como os Estados Unidos: descobrir e deixar colaborar, porque pode ser pior manter isso oculto. O que temos de avan�ar hoje � numa crescente de incentivos legais para que as empresas, ao descobrir, tenham muito mais interesse em colaborar do que em ocultar. Isso tem a tend�ncia de quebrar um sistema de corrup��o e tem a perspectiva de fazer com que o empresariado se torne parceiro para a constru��o de um pa�s onde os neg�cios s�o realizados com integridade.
� complicado unir promessas de campanha com o respeito � Constitui��o, como foi o caso do decreto das armas?
H� um referendo de 2005 em que dois ter�os da popula��o dizem que querem ter o direito de possuir armas de fogo. Em 2018, uma das principais bandeiras de campanha do presidente foi trazer a possibilidade de a popula��o ter o direito de possuir armas de fogo. Inicia-se o governo, e essa, logicamente, seria uma das tem�ticas a serem enfrentadas. Faz-se um decreto s�, para a quest�o da posse, o direito de ter a arma em casa. Avan�a-se, em um segundo momento, para tratar tamb�m da quest�o do porte. Edita-se, ent�o, um decreto unindo a quest�o da posse e do porte. Logo na primeira semana, surgem alguns questionamentos sobre inconstitucionalidade desse segundo decreto. O pr�prio presidente foi a p�blico e disse que, se tem alguma quest�o de inconstitucionalidade, n�s vamos rever, e a AGU preparou um dossi� com todos os questionamentos, an�lise ante a Casa Civil, � Subchefia de Assuntos Jur�dicos, e estudamos o que n�s temos que rever � luz dos questionamentos que nos foram feitos enquanto sociedade. E se edita, dias depois, um outro decreto buscando sanar aquilo que n�s consideramos como question�vel no aspecto legal e constitucional. N�s est�vamos ali preparados para fazer a defesa dos questionamentos que havia no STF (Supremo Tribunal Federal) nesse sentido, com seguran�a da constitucionalidade desse decreto j� revisado � luz dos questionamentos. Dias antes do julgamento que estava marcado no plen�rio, n�s fomos informados pela Casa Civil de que o Legislativo e o Executivo tinham costurado o acordo de tentar trazer uma maior harmonia entre o que eles pensavam.
Como vai ser daqui para frente?
O que nos foi passado dessa costura pol�tica � a quest�o da posse: vai ficar basicamente no decreto. Haver� uma quest�o que vai tratar especificamente da posse em �rea rural, que est� para ser votada; uma outra legisla��o espec�fica s� para tratar de ca�adores e colecionadores, os chamados CACS; e na quest�o do porte de arma, em que h� diverg�ncias pol�ticas, al�m do decreto presidencial, o pr�prio Executivo deve encaminhar para o Legislativo um projeto de lei para procurar harmonizar os interesses entre um poder e outro.
A reforma da Previd�ncia ser� questionada na Justi�a?
O projeto, no seu encaminhamento ao Congresso, foi submetido a uma an�lise de constitucionalidade por parte da PGFN, que � um �rg�o de dire��o superior da AGU, antes de ser encaminhado ao parlamento. Ali, n�s j� t�nhamos uma seguran�a da constitucionalidade, mas o projeto sofre altera��es no curso legislativo e, em fun��o disso, v�o sendo feitas costuras e v�o sendo inseridas, alteradas e modificadas composi��es do seu original. Do que temos visto at� agora, tem havido uma tramita��o n�o s� regular na sua forma do processo legislativo, mas no m�rito e no conte�do tamb�m: respeito a direitos adquiridos, a situa��es de transi��o. Ent�o, a nossa expectativa � de que, como tem havido um debate diferente de outras tentativas de reforma, mais program�tico e menos ideol�gico, que toda a discuss�o na C�mara e no Senado vai ser num n�vel superior, e isso tamb�m vai se refletir no Judici�rio. Ou seja, n�s n�o teremos, na minha avalia��o, o mesmo n�vel de discuss�o, ou teremos um n�vel mais qualificado de discuss�o dos debates que possam surgir no Judici�rio.
H�, por�m, uma press�o muito grande, como no caso dos policiais...
Todo questionamento de interesses que n�o s�o atendidos tem o impacto ou uma propens�o a gerar discuss�o judicial. Logicamente que classes espec�ficas v�o ficar insatisfeitas, umas mais, outras menos, e, ao ficarem mais insatisfeitas, a propens�o de uma a��o judicial � evidente. A grande quest�o � que n�o necessariamente o interesse n�o atendido signifique um ind�cio de ilegalidade ou de inconstitucionalidade.
Mas a reforma da Previd�ncia envolve o Judici�rio…
Envolve o pa�s. A grande quest�o � o pa�s que eu quero para os pr�ximos 20, 30, 40 anos: um pa�s que garanta a Previd�ncia para todos ou um pa�s que tenha privil�gio para poucos, e a grande maioria da popula��o n�o vai ter esse direito. Eventualmente, nenhum de n�s, se n�o tiver a reforma, porque os recursos p�blicos est�o escassos. Salvo engano, se falou ontem (ter�a-feira) num d�ficit, na reuni�o de conselho de governo, de R$ 250 bilh�es anuais na Previd�ncia. Em um or�amento de cerca de R$ 1,5 trilh�o, o recurso de investimento � de cerca de R$ 50 bilh�es, quando chega a isso.
Como o senhor avalia esse imbr�glio das grava��es envolvendo o ex-juiz S�rgio Moro?
Precisamos lembrar que as senten�as deferidas pelo ministro foram todas elas reafirmadas n�o s� pelo tribunal regional como pelo Superior Tribunal de Justi�a. Ent�o, a pr�pria condena��o relativa ao ex-presidente Lula foi confirmada, o que demonstra uma atua��o exemplar.
O presidente Bolsonaro citou a eventual indica��o de um evang�lico para o Supremo. O senhor � pastor, estaria a� nessa fila?
Acho que o presidente disse isso mais numa quest�o de representa��o social. Por exemplo: tivemos um momento na hist�ria em que quer�amos ver as mulheres ali, tivemos o privil�gio de ter o ministro Joaquim Barbosa compondo o STF. Eu, por exemplo, sonho que um dia tenhamos um deficiente f�sico compondo o conjunto de ministros. Certamente, vai chegar um dia em que haver� um evang�lico tamb�m. Not�rio saber jur�dico e reputa��o ilibada s�o tudo o que deve ser considerado na escolha de um futuro ministro do Supremo.
(Colaborou Rafaela Gon�alves, estagi�ria)