
A tese de que o Brasil vive uma fase de "semiparlamentarismo" encontra respaldo nos dados da C�mara dos Deputados no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro. Dos projetos votados em 2019, apenas 21% tiveram como autor o Poder Executivo - a menor parcela, no primeiro ano de mandato, desde o come�o do governo Lula, em 2003. Analistas pol�ticos come�aram a falar em semiparlamentarismo quando, diante da falta de articula��o pol�tica do governo no Legislativo, o presidente da C�mara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), passou a definir a pauta de vota��es � revelia do Executivo.
Em tese, o presidente da C�mara e os l�deres partid�rios t�m autonomia para escolher o que � ou n�o votado. Na pr�tica, por�m, o Poder Executivo costuma impor sua agenda.
No ano inaugural do primeiro mandato de Luiz In�cio Lula da Silva, por exemplo, 68% dos projetos votados eram de autoria do Executivo. No segundo ano, a taxa foi ainda maior: 86%.
O predom�nio do governo se manteve no primeiro ano de Dilma Rousseff: 59% dos projetos votados eram de autoria do Executivo. No segundo mandato, por�m, a ent�o presidente perdeu o comando da C�mara: apenas 26% das propostas votadas vieram do Pal�cio do Planalto.
Foi nessa �poca que Eduardo Cunha (MDB-RJ), ent�o presidente da Casa, se aliou � oposi��o para aprovar as chamadas "pautas bomba" - projetos que ampliaram gastos e que ajudaram a desestabilizar o governo.
Michel Temer, que tomou posse ap�s o impeachment de Dilma, formou uma ampla base de apoio na C�mara, mas em seu primeiro ano o Executivo n�o dominou a pauta de vota��es: apenas 34% das propostas que passaram pelo crivo do plen�rio vieram do Planalto.
Mesmo em condi��es at�picas, por�m, tanto no segundo mandato de Dilma quanto no "mandato-tamp�o" de Temer o Executivo teve participa��o maior na agenda da C�mara em compara��o com Bolsonaro.
Poucos projetos do Executivo foram a voto no ano passado porque Bolsonaro nunca priorizou a forma��o de uma base parlamentar ampla, e tamb�m por ter resist�ncias a negociar com os partidos. Atualmente, o presidente n�o est� filiado a nenhuma legenda, e sua base formal tem cerca de 30 deputados, de um total de 513.
"Bolsonaro n�o tem condi��es de tocar uma agenda de governo no Legislativo", disse o cientista pol�tico Guilherme Jardim Duarte, doutorando na Universidade Princeton, nos EUA, referindo-se � falta de articula��o do presidente na C�mara e no Senado. "� o que o cientista pol�tico Fernando Limongi chama de 'presidencialismo de desleixo'. Em qualquer lugar do mundo, quem toca a agenda legislativa �, sobretudo, o Executivo, tanto em regimes parlamentaristas quanto em presidencialistas. A agenda legislativa do presidente tem problemas, basta verificar os n�meros de rejei��o de medidas provis�rias e como os vetos do presidente s�o derrubados."
O Estad�o Dados analisou a autoria dos projetos votados na C�mara a partir do banco de dados que alimenta o Bas�metro. Trata-se de uma ferramenta online que permite medir o grau de governismo de partidos e indiv�duos. A base de dados re�ne os resultados de todas as vota��es realizadas desde 2003.
'Minorit�rio'
Para cientistas pol�ticos ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, a queda da propor��o de projetos de autoria do Executivo votados pelos deputados pode ser considerada "normal" para um governo que n�o procurou ter uma maioria no Congresso. "O patamar atingido na era Bolsonaro � reflexo de um presidente que levou ao limite essa op��o por construir um governo minorit�rio", afirmou o cientista pol�tico Rafael Cortez, da Tend�ncias Consultoria.
Diretor da consultoria Pulso P�blico, V�tor Oliveira avaliou que o Planalto tem muitas "ferramentas" para intervir na produ��o legislativa, como o poder de veto, o pedido de urg�ncia, a possibilidade de editar medidas provis�rias e a libera��o de emendas parlamentares. Para Oliveira, no entanto, essa queda da "taxa de domin�ncia" do Executivo no Parlamento - registrada a partir do segundo mandato de Dilma - � resultado da dificuldade de articula��o com a maioria do Congresso.
Prioridades
O presidente da C�mara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que sua gest�o d� prioridade a projetos da pr�pria Casa, mesmo quando h� converg�ncia com o Executivo. "Muitos projetos de deputados foram utilizados porque tinham converg�ncia, e n�s priorizamos o projeto da Casa", disse Maia. "Alguns, inclusive, j� existiam antes dos projetos do governo."
Cabe ao presidente da C�mara pautar as vota��es. Questionado sobre o fato de que o Executivo � autor de apenas 21% dos projetos votados na C�mara em 2019, Maia avaliou que esse baixo �ndice pode ser resultado da "desorganiza��o" do governo Jair Bolsonaro. "A gente organiza (a agenda do Congresso) com as propostas existentes dos deputados", afirmou.
Quem analisa apenas as taxas de governismo na C�mara em 2019 e no primeiro ano dos mandatos presidenciais anteriores pode concluir que Bolsonaro teve uma base parlamentar t�o fiel quanto os antecessores.
Em 2019, cerca de 75% dos votos dos deputados coincidiram com a orienta��o emitida pelo l�der do governo na C�mara. A taxa n�o � distante da que foi observada no segundo mandato de Luiz In�cio Lula da Silva (78%) ou na gest�o de Michel Temer (77%). Na verdade, como a maioria da C�mara tem perfil conservador, os projetos votados n�o contrariam o governo, que acaba orientando voto favor�vel. � o que explica a alta taxa de governismo de Bolsonaro, apesar de ele n�o ter constru�do uma base ampla de apoio e de n�o negociar a aprova��o de projetos de seu interesse.
Na pr�tica, o governo passou a "pegar carona" na agenda da C�mara dos Deputados. Sob a gest�o Bolsonaro, a influ�ncia do Executivo na pauta legislativa tem sido mais t�mida - o que, por enquanto, n�o se traduziu em mais derrotas para o Planalto.