
Ao encerrar nesta ter�a-feira, 13, uma trajet�ria de quase 32 anos com ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello deixa na Corte um legado de defesa da vida, das liberdades individuais e dos direitos humanos.
Natural de Tatu�, no interior de S�o Paulo, Celso se graduou pela Faculdade de Direito da USP, em 1969, ingressou no Minist�rio P�blico no ano seguinte e chegou ao cargo m�ximo do Judici�rio indicado pelo ent�o presidente Jos� Sarney, em 1989.
At� o �ltimo de seus longos e tecnicamente detalhados votos - em que defendeu o depoimento presencial do presidente Jair Bolsonaro -, Celso foi um defensor dos preceitos constitucionais. Relembre alguns dos principais votos do decano.
CONTRARIOU A CHINA PARA PRESERVAR UMA VIDA
Em 1996, Celso negou pedido do governo chin�s para extraditar um estelionat�rio - a legisla��o brasileira veda a extradi��o de quem possa vir a ser condenado � morte no pa�s de origem. Na ocasi�o, a Embaixada da China garantiu que estelionato n�o era crime pun�vel com a morte. O ministro estudou a Constitui��o chinesa e descobriu que, ao contr�rio do que assegurava a Embaixada, o criminoso corria, sim, o risco de ser executado caso fosse extraditado e negou o pedido. "A essencialidade da coopera��o internacional na repress�o penal aos delitos comuns, contudo, n�o exonera o Estado brasileiro - e, em particular, o Supremo Tribunal Federal - de velar pelo respeito aos direitos fundamentais do s�dito estrangeiro que venha a sofrer, em nosso pa�s, processo extradicional", escreveu.DIREITO DA MINORIA PARA INSTALA��O DE CPI
Em 2007 o plen�rio do Supremo, por unanimidade, acompanhou a decis�o de Celso, que foi relator do caso da instala��o da CPI do Apag�o A�reo. Na ocasi�o, a Corte decidiu que a C�mara dos Deputados deveria instalar a comiss�o para investigar causas, consequ�ncias e respons�veis pela crise ocorrida no setor a�reo brasileiro. Um ato da Mesa e do presidente da C�mara havia impedido a sua instala��o. "A ofensa ao direito das minorias parlamentares constitui, em ess�ncia, um desrespeito ao direito do pr�prio povo, que tamb�m � representado pelos grupos minorit�rios que atuam nas Casas do Congresso Nacional", disse.MARCHA DA MACONHA
Em 2011 o ministro considerou legais e leg�timas as manifesta��es p�blicas a favor da descriminaliza��o da maconha. No voto, ele afirmou que a mera proposta de descriminaliza��o n�o se confunde com apologia ao crime. "O debate sobre aboli��o penal de determinadas condutas pun�veis pode ser realizado de forma racional, com respeito entre interlocutores, ainda que a ideia, para a maioria, possa ser eventualmente considerada estranha, extravagante, inaceit�vel ou perigosa."TORTURA N�O � 'DELITO MILITAR'
Em 2013, entendeu que o crime de tortura, a partir do caso de uma Pol�cia Militar, n�o pode ser considerado "delito militar", e que cabe a perda do posto e da patente em caso de condena��o. Ou seja, crime de tortura n�o deve ser julgado pela Justi�a militar. "A tortura, nesse contexto, constitui a nega��o arbitr�ria dos direitos humanos, pois reflete - enquanto pr�tica ileg�tima, imoral e abusiva - um inaceit�vel ensaio de atua��o estatal tendente a asfixiar e, at� mesmo, a suprimir a dignidade, a autonomia e a liberdade com que o indiv�duo foi dotado, de maneira indispon�vel, pelo ordenamento positivo."MEDICAMENTOS GRATUITOS PARA HIV POSITIVOS
Foi de Celso uma decis�o que estabeleceu a obriga��o do Estado de fornecer a pessoas carentes e portadoras do v�rus HIV a distribui��o gratuita de medicamentos ao tratamento da aids. "Representa um gesto reverente e solid�rio de apre�o � vida e � sa�de das pessoas, especialmente daquelas que nada t�m e nada possuem, a n�o ser a consci�ncia de sua pr�pria humanidade e de sua essencial dignidade", argumentou em 2000.INSIGNIFIC�NCIA
Em 2004 o ministro concedeu habeas corpus a um condenado pelo crime de furto de uma fita de videogame, no valor de R$ 25 na �poca, usando o princ�pio da insignific�ncia. "O sistema jur�dico h� de considerar a relevant�ssima circunst�ncia de que a priva��o da liberdade e a restri��o de direitos do indiv�duo somente se justificar�o quando estritamente necess�rias � pr�pria prote��o das pessoas, da sociedade e de outros bens jur�dicos", afirmou.INFIDELIDADE PARTID�RIA
Em 2007, Celso foi relator de mandado de seguran�a que definiu que o parlamentar que deixa a agremia��o sem justa causa perde o mandato eletivo. Desde ent�o reduziu-se o troca-troca partid�rio. "A ruptura dos v�nculos de car�ter partid�rio e de �ndole popular, provocada por atos de infidelidade do representante eleito (infidelidade ao partido e infidelidade ao povo), subverte o sentido das institui��es, ofende o senso de responsabilidade pol�tica, traduz gesto de deslealdade para com as agremia��es partid�rias de origem, compromete o modelo de representa��o popular e frauda, de modo acintoso e reprov�vel, a vontade soberana dos cidad�os eleitores."LIBERDADE DE IMPRENSA
Em 2015 derrubou decis�o da Justi�a do Rio de Janeiro que estipulou indeniza��o de R$ 250 mil ao blogueiro Paulo Henrique Amorim por texto que citou o banqueiro Daniel Dantas."A cr�tica jornal�stica, desse modo, traduz direito impregnado de qualifica��o constitucional, plenamente opon�vel aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade."