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Estado de Minas POL�TICA

No Ex�rcito, Pazuello obrigou soldado negro a puxar carro�a

Depois de 16 anos, o antigo soldado ainda se lembra de tudo naquele 11 de janeiro de 2005


30/05/2021 17:00 - atualizado 30/05/2021 17:24

Pazuello considera ter entrado para a vida militar quando tinha 10 anos(foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)
Pazuello considera ter entrado para a vida militar quando tinha 10 anos (foto: Jefferson Rudy/Ag�ncia Senado)
Eduardo Pazuello comandava havia quatro meses o quartel do Dep�sito Central de Muni��es do Ex�rcito, em Paracambi, a 70 km do Rio, quando viu dois soldados passarem em uma carro�a. Julgou que estavam velozes demais, que maltratavam o equino, e quis lhes dar uma li��o. Mandou parar, desatrelar o animal, e determinou que o recruta Carlos V�tor de Souza Chagas, um jovem negro e evang�lico de 19 anos, substitu�sse o cavalo. O soldado teve de puxar a carro�a com o outro soldado em cima, enquanto o quartel assistia � cena, �s gargalhadas.


Depois de 16 anos, o antigo soldado ainda se lembra de tudo naquele 11 de janeiro de 2005. Chagas fora escolhido por um tenente para ajudar um colega a carregar uma banheira na carro�a. "Ele n�o tinha como pegar sozinho." Foi quando Pazuello apareceu. "Eu n�o estava pilotando o cavalo, estava na carro�a. Quem estava era o outro garoto." Mas foi ele o escolhido para o castigo pelo ent�o tenente-coronel.

Ao ser questionado por que Pazuello tomou essa decis�o, o ex-soldado disse acreditar em racismo. "Pelo meu tio eu botava para frente (na Justi�a), mas eu dei mais ouvido ao meu pai, que � evang�lico, por medo de repres�lia. Isso a� agora est� nas m�os de Deus, Ele � o Senhor de todas as coisas."

A hist�ria do dia em que Pazuello mandou um jovem puxar carro�a no quartel faz parte da carreira militar do homem que est� no centro de uma das tantas crises do governo de Jair Bolsonaro: a presen�a do general de divis�o da ativa no palanque montado pelo presidente na Rep�blica para um ato no domingo, dia 23, no Aterro do Flamengo, no Rio, em apoio ao homem que busca a reelei��o em 2022.

Filho de um comerciante de fam�lia sefardita estabelecida na Amaz�nia com uma ga�cha da fronteira, Pazuello considera ter entrado para a vida militar quando tinha 10 anos. Foi quando seu pai o matriculou no Col�gio Militar de Manaus.


'FE'

A empresa de navega��o da fam�lia foi a inspira��o para que o cadete da Academia Militar da Agulhas Negras escolhesse o Servi�o de Intend�ncia do Ex�rcito para seguir a carreira. O futuro ministro se formaria na turma de 1984 e logo pegou um atalho, que teria um grande impacto em sua carreira: o jovem oficial decidiu parar na Brigada Paraquedista e fez o curso de opera��es especiais, tornando-se ele mesmo um For�a Especial (FE), o que garantiu um lugar em uma das mais exclusivas igrejas do Ex�rcito.

Foi entre os FEs, a turma da "faca na caveira", que Pazuello encontraria companheiros que o seguiram at� o Minist�rio da Sa�de. S�o homens como os coron�is �lcio Franco, que se tornaria o secret�rio executivo da pasta e carregava o broche de FE no terno, e George Div�rio, o superintendente da Sa�de no Rio nomeado por Pazuello e defenestrado ap�s tentar contratar sem licita��o empresas para reformar pr�dios. Foi ainda na Brigada e entre os FEs que Pazuello conheceu o atual ministro-chefe da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos, outro For�a Especial.

Na Brigada, o general conheceu ainda o futuro presidente da Rep�blica, o capit�o Jair Bolsonaro, o homem que 35 anos depois fez dele ministro na maior crise sanit�ria do s�culo e o demitiu quando o n�mero de mortos atingiu 279 mil, para depois cham�-lo de "nosso gordinho" no palanque no Rio. Ganhou fama de duro entre os subordinados quando estava na 1.ª Regi�o Militar. E, no Dep�sito de Muni��es, se viu �s voltas com uma investiga��o sobre o desvio de muni��o excedente do local para ser vendida como sucata. Foi na mesma �poca em que o futuro ministro conheceu o recruta Chagas.

Na �poca, a 1.ª Regi�o Militar resolveu pela abertura do Inqu�rito Policial Militar (IPM) para apurar a conduta do oficial. O Estad�o encontrou o recruta ainda com medo. N�o queria falar por telefone, mas tinha consci�ncia de que a situa��o que colocava Pazuello em evid�ncia tamb�m o levaria a ser procurado por jornalistas. "� sobre o general Pazuello?", questionou Chagas ao atender ao telefonema. Ele tinha receio de contar pelo telefone o que lhe acontecera no quartel h� tanto tempo.

Naquele dia, ele estava na carro�a com o tamb�m soldado Celso Tiago da Silva Gon�alves. No Inqu�rito Policial Militar do caso, o soldado disse que estava com o ombro machucado e por isso "n�o poderia cumprir a ordem de puxar a carro�a". "Foi prontamente atendido pelo tenente-coronel", conforme registrou a procuradora-geral militar Maria Ester Henrique Tavares, que decidiu arquivar o caso.

O epis�dio seria um ponto fora da curva na carreira do oficial? O Estad�o procurou sua defesa e antigos colegas. Poucos se dispuseram a falar - seu advogado, Zoser Hardman, n�o respondeu � reportagem. Dois oficiais - um colega de turma e outro que foi seu colega na Brigada - demonstraram restri��es � narrativa do "especialista em log�stica" que levou o oficial � Sa�de. Disseram que ele tinha uma fama imerecida, que, se n�o fosse a "Igreja FE", n�o teria recebido o comando da 12.ª Regi�o Militar (Manaus), cargo normalmente reservado aos integrantes das Armas, como infantes e artilheiros, e n�o a intendentes, como Pazuello.

Candidato

As alegadas humilha��es ao soldado n�o impediram Pazuello de seguir sua carreira. Ap�s o dep�sito, ele comandou o 20.º Batalh�o Log�stico da Brigada Paraquedista. E seria mandado � Amaz�nia para coordenar a Opera��o Acolhida dos imigrantes venezuelanos. No governo de Jair Bolsonaro viraria ministro da Sa�de. A exposi��o p�blica poderia lhe garantir a candidatura a um governo estadual ou ao Senado.

� que ningu�m mais se lembrava do argumento usado pelo tenente-coronel para se livrar do IPM da carro�a. Al�m de dizer que ele tratava os subordinados com "seriedade e dignidade", a defesa usou depoimentos de outros militares para atestar que Pazuello n�o quisera impor maus-tratos ao recruta. "H� aspectos pessoais da vida de Pazuello que demonstram sua familiaridade e, sobretudo, amor aos equinos."

Tudo se resolveu assim. Pazuello n�o quis humilhar o soldado; s� orient�-lo "para a preserva��o da boa sa�de dos cavalos de tra��o utilizados na OM (organiza��o militar)". Quinze anos depois, promovido a general de divis�o, Pazuello se viu de novo diante dos limites da disciplina. O afeto e a obedi�ncia a Bolsonaro - "� simples assim: um manda e o outro obedece, mas a gente tem um carinho" - o transformaram em alvo da CPI da Covid.

Um m�s antes, Pazuello esteve em evento pol�tico

Um m�s antes de comparecer ao com�cio de Jair Bolsonaro no Aterro do Flamengo, no Rio, o general de divis�o Eduardo Pazuello participou de evento pol�tico do governo, em Manaus, que foi encerrado pelo presidente com seu slogan da campanha eleitoral de 2018: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

Tratava-se da inaugura��o do Centro de Conven��es do Amazonas, que se transformou em ato de desagravo a Pazuello e � pol�tica do governo na pandemia nas v�speras da abertura da CPI da Covid, no Senado. O ministro do Turismo, Gilson Machado, abriu a cerim�nia. Saudou os colegas ministros presentes, como general Augusto Heleno (Gabinete de Seguran�a Institucional), deputados federais e os comandantes militares. Em seguida, disse: "Eu quero fazer uma sauda��o especial. Cad� o general Pazuello? Cad� ele? Venha c�". A claque bolsonarista interrompeu Machado aos gritos: "Pazuello! Pazuello!"

O ex-ministro da Sa�de havia voltado ao Ex�rcito e estava � disposi��o do Comando Militar da Amaz�nia - naquele dia seria transferido para a Diretoria-Geral de Pessoal, em Bras�lia. J� havia, portanto, sido revertido � ativa e, como militar da ativa, n�o poderia participar de atos pol�tico-partid�rios. Trajando roupas civis, Pazuello foi abra�ado por Bolsonaro, que acenava ao p�blico como uma celebridade.

Machado continuou: "Fui testemunha da luta desse homem pela erradica��o da doen�a em nosso pa�s". Pazuello agradeceu. "Obrigado." E voltou para seu lugar no palanque. Machado prosseguiu com a defesa da a��o do governo na pandemia. Depois, Bolsonaro agradeceu o trabalho de Pazuello no minist�rio. O evento durou pouco mais de 50 minutos e foi encerrado por Bolsonaro com o slogan da campanha de 2018.

Para o ex-presidente do Superior Tribunal Militar (STM), tenente-brigadeiro S�rgio Xavier Ferolla, a presen�a de Pazuello no Aterro do Flamengo n�o foi a �nica vez que o militar comparecera a evento pol�tico. "Essa n�o foi a primeira vez."

O caso est� nas m�os do Comando de Ex�rcito, que decidir� se pune o general por infringir o Regulamento Disciplinar do Ex�rcito. O comportamento de Pazuello, como sua presen�a no evento em Manaus, ser� levado em considera��o.

 

O que � uma CPI?

As comiss�es parlamentares de inqu�rito (CPIs) s�o instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relev�ncia ligado � vida econ�mica, social ou legal do pa�s, de um estado ou de um munic�pio. Embora tenham poderes de Justi�a e uma s�rie de prerrogativas, comit�s do tipo n�o podem estabelecer condena��es a pessoas.

Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um ter�o dos 81 parlamentares. Na C�mara dos Deputados, tamb�m � preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

H� a possibilidade de criar comiss�es parlamentares mistas de inqu�rito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, � preciso obter assinaturas de um ter�o dos integrantes das duas casas legislativas que comp�em o Congresso Nacional.

O que a CPI da COVID investiga?


O presidente do colegiado � Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) � o relator. O prazo inicial de trabalho s�o 90 dias, podendo esse per�odo ser prorrogado por mais 90 dias.



Saiba como funciona uma CPI

Ap�s a coleta de assinaturas, o pedido de CPI � apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo � oficialmente criado ap�s a leitura em sess�o plen�ria do requerimento que justifica a abertura de inqu�rito. Os integrantes da comiss�o s�o definidos levando em considera��o a proporcionalidade partid�ria — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideran�as de cada agremia��o s�o respons�veis por indicar os componentes.

Na primeira reuni�o do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto � respons�vel por conduzir as investiga��es e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relat�rio final do inqu�rito, contendo as conclus�es obtidas ao longo dos trabalhos. 

Em determinados casos, o texto pode ter recomenda��es para evitar que as ilicitudes apuradas n�o voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a �rg�os como o Minist�rio P�blico e a Advocacia-Geral da Uni�o (AGE), na esfera federal.

Conforme as investiga��es avan�am, o relator come�a a aprimorar a linha de investiga��o a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pr�-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um per�odo, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (h� direito ao sil�ncio)
  • executar pris�es em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informa��es a �rg�os ligados � administra��o p�blica
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secret�rios, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do pa�s — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audi�ncias e dilig�ncias
  • quebrar sigilos fiscais, banc�rios e de dados se houver fundamenta��o
  • solicitar a colabora��o de servidores de outros poderes
  • elaborar relat�rio final contendo conclus�es obtidas pela investiga��o e recomenda��es para evitar novas ocorr�ncias como a apurada
  • pedir buscas e apreens�es (exceto a domic�lios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI n�o pode fazer?

Embora tenham poderes de Justi�a, as CPIs n�o podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telef�nicos
  • solicitar pris�es preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreens�es em domic�lios
  • impedir que advogados de depoentes compare�am �s oitivas e acessem
  • documentos relativos � CPI
  • determinar a apreens�o de passaportes

A hist�ria das CPIs no Brasil

A primeira Constitui��o Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas � C�mara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado tamb�m passou a poder instaurar investiga��es. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.

Segundo a C�mara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro come�ou a funcionar em 1935, para investigar as condi��es de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comit� similar foi criado em 1952, quando a preocupa��o era a situa��o da ind�stria de com�rcio e cimento.

As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constitui��o foi redigida. O texto m�ximo da na��o passou a atribuir poderes de Justi�a a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atua��o do sistema de alfabetiza��o adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos An�es do Or�amento (C�mara) - apurou desvios do Or�amento da Uni�o

2000: CPIs do Futebol - (Senado e C�mara, separadamente) - rela��es entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Pre�o do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formula��o dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar den�ncias de corrup��o na empresa estatal

2005: CPMI do Mensal�o - apurar poss�veis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (C�mara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (C�mara) - apurou poss�vel desvio de verbas destinadas � Sa�de

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar poss�vel corrup��o na estatal de petr�leo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comit� organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - dissemina��o de not�cias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do C�rrego do Feij�o
 

 


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