
O Brasil, que j� foi chamado de "pa�s do futuro", tem eleitores cada vez mais velhos. Essa mudan�a reflete a transforma��o demogr�fica do pr�prio pa�s como um todo e tem impactos diretos nos rumos da pol�tica nacional no curto, m�dio e longo prazos, dizem especialistas ouvidos pelas BBC News Brasil.
Segundo eles, esse envelhecimento do eleitorado brasileiro deve dificultar, por um lado, a aprova��o de pautas consideradas "progressistas" e mais identificadas com a esquerda, como a legaliza��o do aborto e das drogas.
Por outro lado, eles afirmam, pesquisas recentes mostram que os eleitores mais velhos no Brasil tendem a ser mais favor�veis � democracia.
Em um horizonte mais imediato, o aumento no n�mero de eleitores mais velhos � um fator que pode ter bastante peso nas pr�ximas elei��es presidenciais, em outubro.
O envelhecimento do eleitor � uma boa not�cia para o presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reelei��o, que tende a ter uma maior aprova��o entre os mais velhos. Do outro lado, � um desafio para seu principal rival e favorito nas pesquisas, Luiz In�cio Lula da Silva (PT), que pontua melhor entre os mais jovens.Dados do TSE evidenciam essa tend�ncia. Em 1994, 21,46% dos eleitores aptos a votar tinha entre 16 e 24 anos. Em 2022, os jovens nessa faixa et�ria s�o apenas 13,78% do total.
Na outra ponta, o n�mero de eleitores acima dos 60 anos cresceu. Em 1994, eles eram 11,6% do eleitorado. Em 2022, s�o 20,26%.
As mudan�as tamb�m afetaram o "miolo" da pir�mide et�ria do eleitorado. Em 1994, o grupo que concentrava o maior percentual de eleitores tinha entre 25 e 34 anos de idade.
Naquele ano, eles representavam 27,6% do eleitorado. Em 2022, a faixa com o maior percentual de votantes est� pelo menos 20 anos mais velha e vai dos 45 aos 59 anos de idade. Eles somam 24,8%.
Mas quais s�o as consequ�ncias de um eleitorado cada vez mais velho?
Conservadorismo e idade
O doutor em demografia e pesquisador aposentado do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) Jos� Eust�quio Diniz Alves estuda o processo de envelhecimento do eleitorado brasileiro h� v�rios anos.
Ele diz que esse fen�meno � uma tend�ncia mundial resultante de uma combina��o de fatores que afeta a demografia do pa�s como um todo.
"Nas �ltimas d�cadas, a gente teve uma redu��o das taxas de natalidade e um aumento da expectativa de vida. Isso se reflete, tamb�m, na composi��o das pessoas aptas a votar", explica.
Segundo o Banco Mundial, a taxa de natalidade no Brasil em 1960 era de 6,06 crian�as por cada mulher. Em 2019, ela caiu para 1,72. A queda acompanhou a tend�ncia global. Em 1960, a taxa de natalidade mundial era de 4,98 crian�as por cada mulher. Em 2019 ela ficou em 2,4.
Do outro lado dessa equa��o, o IBGE mostra que a expectativa de vida no Brasil saiu de 45,5 anos em 1940, para 76,8 anos em 2020.
Internacionalmente, alguns estudos apontam que o envelhecimento do eleitorado tende a favorecer partidos ou lideran�as classificadas como conservadoras.
Em 2014, os professores James Tilley e Geoff Evans, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, publicaram uma pesquisa indicando que, � medida que o eleitorado brit�nico envelhece, aumenta a tend�ncia de que ele vote em maior n�mero no Partido Conservador, legenda teoricamente mais identificada com a direita e a defesa de valores tradicionais naquele pa�s.
Estudos anteriores apontam que, � medida que a idade avan�a, a tend�ncia � que os indiv�duos sejam menos abertos a novas experi�ncias e conceitos e deem prefer�ncia a produtos ou solu��es (inclusive pol�ticas) que j� foram testadas previamente.
Jos� Eust�quio avalia que, no Brasil, um dos efeitos do envelhecimento da popula��o seria uma maior dificuldade para a implementa��o de pol�ticas p�blicas classificadas como "progressistas".
"No resto do mundo, pessoas mais idosas tendem a ser mais conservadoras e o Brasil acompanha esse fen�meno. Nesse contexto, candidatos que defendam abertamente pautas como aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo e uma pol�tica mais branda em rela��o �s drogas tendem a ter mais resist�ncia com um eleitorado mais velho", explica o pesquisador.
Religi�o
A professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente da Associa��o Brasileira de Ci�ncia Pol�tica (ABCP), Luciana Veiga, concorda com Jos� Eust�quio.
Segundo ela, uma das chaves para explicar a rela��o entre conservadorismo e idade no Brasil � a religi�o.
Luciana cita a pesquisa Latinobar�metro, que coleta dados de pa�ses da Am�rica Latina sobre diversos temas.
Em 2020, de acordo com os dados mais recentes, a pesquisa aponta que, no Brasil, o percentual das pessoas que afirmam seguirem uma religi�o aumenta conforme a idade.
A pesquisa mostra que na popula��o entre 15 a 25 anos de idade, 76% dos entrevistados afirmam professar algum tipo de religi�o. Entre as pessoas com 61 anos de idade ou mais, esse percentual sobe para 95,5%.
"Nesse contexto, � dif�cil imaginar, ainda que n�o seja imposs�vel, que pessoas mais religiosas possam apoiar algumas pautas como o aborto, por exemplo", explica Luciana.
O aborto, ali�s, voltou a ser tema das elei��es presidenciais deste ano.
Em fevereiro, a senadora e pr�-candidata � Presid�ncia Simone Tebet (MDB-MS), disse ser contra o aborto.

Em abril, Lula disse que o aborto deveria ser tratado como uma quest�o de sa�de p�blica e que todo mundo deveria ter direito ao procedimento.
A rea��o �s declara��es foi imediata. Lideran�as religiosas e advers�rios pol�ticos de Lula, entre eles o presidente Jair Bolsonaro, criticaram a fala do ex-presidente.
Dias depois, o pr�-candidato disse que era pessoalmente contra o aborto e que ele havia apenas defendido que pessoas que teriam praticado o aborto deveriam ser atendidas pela rede p�blica.
"Essas pessoas pobres que por 'n' raz�es abortam, e eu n�o quero saber por que elas abortam, o Estado tem que cuidar. N�o sei qual o mal entendimento que as pessoas t�m disso. � apenas uma quest�o de bom senso. Ele (aborto) existe, por mais que a lei pro�ba, por mais que a religi�o n�o goste. Ele existe e muitas mulheres s�o v�timas disso", disse o petista.
Apoio � democracia aumenta com a idade
Jos� Eust�quio e Luciana Veiga afirmam que o envelhecimento do eleitorado n�o � necessariamente ruim e que ele pode ter consequ�ncias positivas para o restante da popula��o.
Analisando os dados do Latinobar�metro, Luciana Veiga diz que, no Brasil, eleitores mais velhos s�o os que mais tendem a valorizar o regime democr�tico.
A pesquisa mostra que entre as pessoas de 15 a 25 anos, 37,2% afirmam que a democracia � prefer�vel a qualquer outra forma de governo. Entre os que t�m 61 anos de idade ou mais, esse percentual sobe para 41,1%.
"Considerando o grande n�mero de eleitores nessa faixa et�ria, isso � uma boa indica��o porque, em tese, criaria mais dificuldades a aventuras antidemocr�ticas", explica.
Jos� Eust�quio afirma que o envelhecimento do eleitorado � um processo aparentemente irrevers�vel com o qual a sociedade ter� que aprender a lidar. Segundo ele, isso s� configura um problema se os eleitores envelhecerem sem se darem conta das suas responsabilidades com o futuro do pa�s.
"N�o � porque um pa�s � mais velho que ele, necessariamente, ter� pol�ticas conservadoras. O Uruguai e a Argentina t�m uma composi��o et�ria mais velha que a brasileira, mas aprovaram leis progressistas sobre o aborto e drogas. A quest�o � como nossos eleitores est�o envelhecendo", disse o pesquisador.
De olho no voto
Nas �ltimas semanas, autoridades, pol�ticos e at� artistas de Hollywood como o ator Leonardo Di Caprio convocaram os jovens brasileiros a tirarem o t�tulo de eleitor e participar das elei��es deste ano. O objetivo era aumentar a participa��o dos mais jovens na corrida eleitoral.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) comemorou um aumento de 42,7% no n�mero de t�tulos emitidos para pessoas entre 16 e 18 anos de idade na compara��o com 2018.
Apesar de toda a celebra��o, especialmente entre lideran�as e artistas posicionados mais � esquerda, o cientista pol�tico e presidente do conselho cient�fico do Instituto de Pesquisas Sociais, Pol�ticas e Econ�micas (Ipespe), Antonio Lavareda, aponta, que o envelhecimento do eleitorado no Brasil j� � alvo de aten��o das campanhas presidenciais neste ano.
Ele explica que esse fen�meno cria um desafio a mais para candidatos e candidatas: convencer aqueles que j� n�o s�o mais obrigados a votar a irem �s urnas. No Brasil, o voto � facultativo para quem tem mais de 70 anos de idade.
Segundo o TSE, o Brasil tem 12,9 milh�es de eleitores nessa faixa. Eles equivalem a 8,64% do eleitorado. Como compara��o, a outra faixa de voto facultativo, que compreende os eleitores entre 16 e 17 anos de idade, tem 1,62 milh�o de pessoas aptas a votar e representa apenas 1,08% do eleitorado.
"Um dos principais trabalhos que os candidatos v�o ter � encontrar uma maneira de atrair esse eleitor para as urnas. � muita gente que n�o pode ser abandonada nessa disputa", diz Lavareda.
Ao analisar o cen�rio eleitoral mais recente, Lavareda diz que um dos principais desafios de Lula � ampliar suas inten��es de voto junto aos eleitores mais velhos.
"A nossa pesquisa mais recente mostra que a diferen�a entre Lula e Bolsonaro vai caindo conforme a idade dos eleitores aumenta. Entre os que t�m 16 a 34 anos, Lula tem 17 pontos percentuais de vantagem. J� entre os que t�m 55 anos ou mais, essa diferen�a � de apenas sete pontos", explica.

Lavareda avalia que, de certa maneira, a mera candidatura de Lula, que tem 76 anos de idade, j� � uma sinaliza��o do PT a esta faixa do eleitorado.
"H� 15 anos, a candidatura de algu�m com essa idade talvez n�o fosse poss�vel. Lula ser candidato aos 76 anos de idade j� aponta para uma mudan�a na cultura sobre o que os idosos podem fazer. Isso j� � um aceno para os mais velhos", defende Lavareda.

O cientista pol�tico afirma, ainda, que o aumento de idosos no eleitorado brasileiro vai obrigar os candidatos a criarem propostas e discursos que fa�am sentido para esse segmento.
"O mundo da pol�tica � como se fosse o mundo privado. Quem precisa se vender, n�o vai negligenciar um mercado t�o grande e importante", avalia Lavareda.
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