Gilmar Mendes: 'O bode expiat�rio, hoje, � o Supremo'
Ao completar 20 anos no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro defende o inqu�rito das fake news e diz n�o ver amea�a ao processo eleitoral no Brasil
Ministro Gilmar Mendes faz uma an�lise da Lava-Jato e de suas consequ�ncias para a Justi�a e a pol�tica brasileiras (foto: Ana Dubeux/CB/D.A Press)
Depois de duas d�cadas no Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Gilmar Mendes fica � vontade ao analisar a Justi�a e a pol�tica brasileiras. Professor, acad�mico e escritor, o jurista passa a Lava-Jato a limpo nesta entrevista ao Correio Braziliense, dos Grupos Associados.
Consciente de que a for�a-tarefa foi o momento mais dif�cil do Judici�rio brasileiro, hoje ele n�o tem d�vidas de que a opera��o liderada pelo ex-juiz Sergio Moro foi um projeto pol�tico, de poder, liderado por pessoas que, al�m de tudo, tinham apre�o por dinheiro.
“� muito dif�cil dizer isso ab initio (desde o princ�pio). Mas, hoje, estou absolutamente convicto disso, de que havia um projeto de poder”, diz. E vai al�m: acredita que as 10 medidas anticorrup��o, propostas pelo Minist�rio P�blico, tinham “regras t�o radicais quanto o AI-5”.
O ministro enxerga a opera��o como um projeto que trouxe consequ�ncias para a pol�tica brasileira: “A Lava-Jato � pai e m�e desta situa��o pol�tica a que chegamos. Na medida em que voc� elimina as for�as pol�ticas tradicionais, d� ensejo ao surgimento — a pol�tica, como tudo no mundo, detesta v�cuo —, a novas for�as. No caso espec�fico, a Lava-Jato praticamente destruiu o sistema pol�tico brasileiro, os quadros representativos foram atingidos”.
Na entrevista, o magistrado fala, ainda, sobre os ataques ao Supremo, que foi colocado “como bode expiat�rio”, e em especial sobre o inqu�rito das fake news, conduzido pelo STF. Sobre as elei��es, ele n�o v� risco de ruptura democr�tica e afirma que a seguran�a e a excel�ncia das urnas eletr�nicas est�o comprovadas. “Mas, nesse ambiente, pega-se um fragmento de informa��o e come�a-se a instilar esse tipo de desconfian�a”, pondera.
Para brecar as inten��es caluniosas, Gilmar Mendes confia na m�dia respons�vel. “Nesse ambiente, muitas vezes, as pessoas ficam suscept�veis a teorias conspirat�rias. Teoria conspirat�ria se combate com boa informa��o. Por isso, a import�ncia do trabalho da m�dia profissional.”
"A Lava-Jato praticamente destruiu o sistema pol�tico brasileiro" (foto: Ana Dubeux/CB/D.A Press)
O que o senhor coloca como o melhor e o pior momento nesses 20 anos de STF?
Chego aqui em junho de 2002, e o tribunal j� estava numa transi��o, porque, at� ent�o, era composto por muitas pessoas que foram indicadas ainda no regime anterior, antes da Constitui��o de 1988. Ent�o, essa fase, a partir de 2000, j� at� com alguns novos indicados — ministro (Nelson) Jobim, ministra Ellen Gracie —, �, talvez, uma fase em que se come�a a aplicar de maneira mais aberta o modelo da Constitui��o de 88.
"� muito dif�cil dizer isso ab initio (desde o princ�pio). Mas, hoje, estou absolutamente convicto disso, de que havia um projeto de poder"
Nascia um novo Supremo?
� um momento de florescimento do tribunal, no sentido de constru��o de garantias. � tamb�m uma fase de mudan�a de jurisprud�ncia, que � um momento interessante. Depois, vamos viver os embates sobre o recebimento da den�ncia e o pr�prio debate a respeito do mensal�o. Ali, � um ponto alto. At� de reconhecimento popular do prest�gio do tribunal.
E os piores momentos?
Certamente, essa ambi�ncia em torno da Lava-Jato, dessa onda de punitivismo, que vai nos expor, expor as divis�es do tribunal, e, certamente, a� temos erros e acertos. E o tribunal, ou muitos de n�s, eu inclu�do, obviamente, vamos ser v�timas de ataques e estar submetidos a uma s�rie de vilip�ndios. S�o momentos bastante dif�ceis.
H� uma rela��o entre a Lava-Jato e os ataques ao Supremo?
Talvez estejam associados. O tribunal que teve seu momento de altaneria, no p�s-mensal�o, agora passa a viver um outro quadro, passa a ser questionado. A�, tem todos aqueles epis�dios de ataques a ju�zes, constrangimentos em avi�o, e coisas do tipo. Portanto, as pessoas se animaram a...
...Foram estimuladas...
Foram estimuladas. N�o podemos esquecer que (Sergio) Moro vem integrar o governo Bolsonaro como ministro da Justi�a e, em dado momento, foi considerado o mais popular ministro do governo Bolsonaro. E, a�, a gente vive, desde 2019, aquele quadro de manifesta��es, de “eu autorizo, eu delego”. O que significava isso? Eu autorizo que feche o Supremo, esquecendo-se de que democracia constitucional � uma democracia com limites. O tribunal soube articular bem a defesa nessa mat�ria, com a abertura do tal inqu�rito, que se popularizou como o inqu�rito das fake news, ou dos atos antidemocr�ticos, que produziu um esvaziamento. Mas, viv�amos, todos os domingos, em 2020, as manifesta��es, aquelas cenas, o espocar de fogo sobre o Supremo Tribunal Federal, de car�ter simb�lico, mas, daqui a pouco, poderia haver tiros.
E isso teve desdobramentos.
Sim. No ano passado, o 7 de Setembro, s�o todos movimentos aos quais n�o est�vamos acostumados. Cr�ticas, sempre houve ao tribunal. A jurisdi��o constitucional decide com um car�ter quase que legislativo. As decis�es acabam tendo um amplo efeito, elas dividem, porque alguns aprovam a decis�o e outros criticam. No momento em que a gente vive essa radicaliza��o, e, muitas vezes, a simplifica��o de determinadas realidades...
"A Lava-Jato � pai e m�e desta situa��o pol�tica a que chegamos. Na medida em que voc� elimina as for�as pol�ticas tradicionais, d� ensejo ao surgimento %u2014 a pol�tica, como tudo no mundo, detesta v�cuo %u2014, a novas for�as"
Pode dar um exemplo?
Vamos pegar um fato que a toda hora se levanta: o reconhecimento da uni�o homoafetiva. Em princ�pio, uma decis�o normal do tribunal, muito bem recebida em v�rios ambientes. S� que, nas redes, isso pode ser trazido como se fosse uma licenciosidade, uma permissividade, a ruptura com os valores mais altos da fam�lia. Ent�o, o mesmo fen�meno pode ser visto como uma decis�o libert�ria, de reconhecimento, como me parece que �, mas � visto, tamb�m, nessa outra perspectiva, como se estiv�ssemos estimulando a ruptura da fam�lia. Compreende-se, ent�o, que qualquer decis�o seja demonizada, satanizada.
"� um instrumento importante de defesa da pr�pria Corte em circunst�ncias especiais" (foto: Ana Dubeux/CB/D.A Press)
E estamos falando apenas de um tema.
Em mat�ria penal se diz: a pol�cia prende, e o Supremo solta. N�o � nada disso. Quem prende � o Judici�rio, que � quem ordena a pris�o no nosso sistema. A pol�cia cumpre. No contexto das redes, dizem: dois, tr�s ju�zes decidiram num sentido, e, agora, vem o Supremo e decide no sentido contr�rio. Tr�s a um, quatro a um, faz-se um racioc�nio futebol�stico, quando o Supremo � Supremo justamente por isso, porque decide por �ltimo e de maneira definitiva. Em suma, esse ambiente de conflagra��o fez com que nos v�ssemos envolvidos nessa pol�mica imensa que se tentou responder com o inqu�rito das fake news.
O pr�prio inqu�rito tamb�m � muito criticado, especialmente pelos bolsonaristas, porque o STF acusa, investiga, julga, faz todo o processo dentro do STF. N�o deveria ter havido uma distribui��o maior dessas tarefas?
Acho que aqui se faz um pouco de confus�o. Quando a gente tem casos que envolvem, por exemplo, parlamentares, casos t�picos da prerrogativa de foro, normalmente a Procuradoria-Geral pede a abertura de inqu�rito, e n�s abrimos. Desde ent�o, cada relator preside o inqu�rito. H� casos em que decidimos n�o abrir porque n�o h� raz�es suficientes. Quando abrimos, atuamos como uma autoridade supervisora. Quebramos sigilo, a pedido do Minist�rio P�blico; mandamos busca e apreens�o e todas as medidas probat�rias para que se d� densidade ao inqu�rito.
O que houve de especial no inqu�rito das fake news?
Entendeu-se que est�vamos numa situa��o singular — e a� se focou muito no disposto do artigo 43 do Regimento Interno, que prev� que crimes cometidos no ambiente do tribunal possam ser investigados pelo tribunal. Mas os nossos inqu�ritos, esses que abrimos no contexto da prerrogativa de foro, j� s�o presididos pelo Supremo. S� que, quando eles s�o encerrados, s�o mandados � Procuradoria, que oferece den�ncia ou n�o. Pode pedir o arquivamento tamb�m. E, quando pede arquivamento, normalmente, a gente encerra.
Com base no artigo 43, e diante da peculiaridade de todo o quadro, abriu-se o inqu�rito por determina��o do presidente do tribunal. Houve a designa��o do ministro Alexandre de Moraes como relator, e ele passou, como fazemos nos demais inqu�ritos, a fazer as investiga��es, com a Pol�cia Federal, com aux�lio da Procuradoria-Geral.
A procuradora Raquel (Dodge) — e isso talvez tenha ajudado a confundir e alimentar essa lenda urbana —, por cuidados institucionais e talvez at� corporativos, repudiava o inqu�rito, pedia o arquivamento. Quando veio o procurador (Augusto) Aras, ele passou a reconhecer como v�lido o inqu�rito e passou a pedir provid�ncias. Agora, feitas as investiga��es, ao que estou informado, encerrado qualquer cap�tulo desse inqu�rito, � mandado para o Minist�rio P�blico para que ele ofere�a a den�ncia em rela��o �s pessoas que foram investigadas. O Minist�rio P�blico est� acompanhando.
Do ponto de vista formal, o processo est� correto, ent�o.
Todas as garantias est�o sendo dadas. As mesmas garantias que existem para os inqu�ritos com prerrogativa de foro s�o dadas aqui, ent�o, n�o � que o Supremo esteja acusando. O Supremo simplesmente faz o inqu�rito como faz nas outras hip�teses e, depois, encaminha para a autoridade competente, que vai oferecer a den�ncia ou n�o. E se decidir n�o oferecer, assunto encerrado. Portanto, � um procedimento normal.
O Supremo tem, portanto, a prerrogativa de abrir e conduzir inqu�ritos.
Em rela��o ao inqu�rito das fake news, eu tenho seguran�a de que, n�o fosse a sua instaura��o e a postura firme do seu relator, o ministro Alexandre de Moraes, ter�amos tido desdobramentos muito ruins, graves. V�amos, como se descobriu, financiamentos, empres�rios financiando, e isso passou a ter consequ�ncias. Organiza��es de mil�cias nesse contexto. Ent�o, � preciso ter essa compreens�o. � um instrumento importante de defesa da pr�pria Corte em circunst�ncias especiais.
"Em rela��o ao inqu�rito das fake news, eu tenho seguran�a de que, n�o fosse a sua instaura��o e a postura firme do seu relator, o ministro Alexandre de Moraes, ter�amos tido desdobramentos muito ruins, graves"
O senhor � cr�tico contumaz da Lava-Jato. Era um projeto de poder?
� muito dif�cil dizer isso ab initio (desde o princ�pio). Mas, hoje, estou absolutamente convicto disso, de que havia um projeto de poder. Os senhores v�o se lembrar, por exemplo, de Curitiba. Sem nenhum menoscabo, mas est� longe de Curitiba ser o grande centro de lideran�a intelectual do Brasil. N�o obstante, Curitiba passou a pautar-nos. Tinha normas que praticamente proibiam o habeas corpus. Normas t�o radicais quanto a do AI-5. Proibi��o de liminares e coisas do tipo. A Lava-Jato era um projeto que ia para al�m das atividades meramente judiciais. E (os integrantes) passaram, tamb�m, a acumular recursos.
Como assim?
O ministro Teori (Zavascki) passou a glosar v�rios acordos que dizia que pagariam 20% para o Minist�rio P�blico. Passaram a pensar num fundo e chegaram �quela Funda��o Dallagnol, a funda��o que recebeu R$ 2,5 bilh�es, uma funda��o privada de direito p�blico que se dedicaria a fazer educa��o contra a corrup��o. R$ 2,5 bilh�es correspondem a metade do Fundo Eleitoral previsto. Era um projeto, obviamente, pol�tico.
Houve outros epis�dios, mais graves.
Vieram as revela��es da Vaza-Jato, um jogo combinado: den�ncias que eram submetidas antes ao juiz. Aquilo saiu do status de maior opera��o de combate � corrup��o para o maior esc�ndalo judicial do mundo. Mais do que um projeto pol�tico, a Lava-Jato era um projeto pol�tico de vi�s totalit�rio: uso de pris�o para obter dela��o e cobran�a para que determinadas pessoas fossem delatadas.
Ent�o, por que o STF chancelou quase todas as decis�es de Moro, do TRF-4?
As primeiras discuss�es trataram das pris�es. Voc�s v�o encontrar v�rios pronunciamentos meus, na 2ª Turma, dizendo que a gente tinha um encontro marcado com essas quest�es. S� que v�rios dos habeas corpus foram indeferidos, por decis�o da Turma.
O STF errou l� ou errou depois? � muita diferen�a entre as decis�es...
A avalia��o que se fazia � de que se estava no in�cio das investiga��es e que se justificavam as medidas. Estou tranquilo em rela��o a isso, porque fiquei vencido em v�rios casos.
Os problemas continuaram mesmo ap�s o impeachment de Dilma Rousseff.
Em 2017, abre-se investiga��o em rela��o ao presidente Temer e a coisa da JBS e tudo mais. Tudo se faz a toque de caixa, e por qu�? Porque estava em jogo a Procuradoria-Geral da Rep�blica. Quem seria o escolhido. Fez-se quase um golpe contra o presidente da Rep�blica por causa da disputa na Procuradoria-Geral. Sabia o dr. (Rodrigo) Janot que nem ele nem o candidato do grupo dele seria o escolhido pelo presidente Temer.
Ent�o, tomou a singela medida de derrubar o presidente. Isso n�o tem sido falado, mas � not�rio que foi assim. E, claro, condicionado � linha “s� vamos fazer o acordo de leni�ncia, dela��o, se voc�s fizerem esse tipo de papel”. � disso que estamos falando. Que modelo � esse?!!
Acredita que tudo est� dentro do contexto de criminaliza��o da pol�tica?
Tenho impress�o de que sim. N�o estamos dizendo que n�o tem crime aqui, n�o � disso que se cuida. Caixa dois era comum. Mas foi se enquadrando tudo como corrup��o.
O senhor afirma que houve crimes, mas muita gente est� dizendo: “J� que a
Lava-Jato foi para o sal, quero meu dinheiro de volta”. Se houve crime, houve roubo, o cara confessou que pagou propina, agora o Estado vai ter que devolver recurso?
N�o acho que haver� esse tipo de decis�o. Os casos t�m de ser efetivamente aferidos num contexto espec�fico, cada caso ter� de ser examinado. � muito dif�cil explicar que um diretor da Petrobras tenha acumulado uma montanha de recursos e que isso n�o estivesse associado � corrup��o. Cada caso ter� de ser analisado em sua perspectiva. Mas as pr�ticas da Lava-Jato n�o t�m nada a ver com o Estado de direito, s�o pr�ticas totalit�rias. Se a gente tivesse falando da R�ssia sovi�tica, era o normal. Mas isso passou-se a fazer a aqui.
Como v� as amea�as e tens�es que pairam sobre as elei��es?
Eu j� disse que, de alguma forma, a Lava-Jato � pai e m�e desta situa��o pol�tica a que chegamos. Na medida em que voc� elimina as for�as pol�ticas tradicionais, se d� ensejo ao surgimento — a pol�tica, como tudo no mundo, detesta v�cuo — de novas for�as. A Lava-Jato praticamente destruiu o sistema pol�tico brasileiro, os quadros representativos foram atingidos. O Brasil produziu uma situa��o muito estranha. Al�m de sede de poder, veja que todos hoje s�o candidatos. Moro � candidato, a mulher � candidata, Dallagnol � candidato.
Mas o senhor v� amea�as �s elei��es?
N�o vejo. Desde 1996 temos vota��o eletr�nica, e a vota��o eletr�nica baniu a fraude sist�mica, a contabiliza��o indevida de votos. J� passei duas vezes pela Justi�a Eleitoral e tenho absoluta confian�a no trabalho que se faz.
Por que esse ataque � urna eletr�nica?
Para manter a grei unida. N�o h� d�vida sobre a seriedade do sistema. O Brasil pode ter v�rios problemas. Precisa melhorar, inclusive, o sistema pol�tico. Mas isso n�o tem nada a ver com a urna eletr�nica.
Desde o 7 de Setembro, o presidente fala, acusa, mas, at� agora, n�o descumpriu nenhuma decis�o judicial...
N�o tenho conhecimento de nenhum descumprimento.
Esse discurso pode evoluir para a pr�tica?
N�o vou fazer considera��es espec�ficas, mas acho que, nesses movimentos de inspira��o populista acaba ocorrendo um certo inc�modo com a ideia de limita��o dos Poderes, s� que isso � t�pico da democracia constitucional. � uma democracia com limites, todos estamos submetidos a limites. Obviamente, precisa-se encontrar culpados, bodes expiat�rios.
E o bode expiat�rio vis�vel, no contexto brasileiro, hoje, � o Supremo Tribunal Federal. N�s n�o temos um presidencialismo imperial. Quer mais limita��o do que imp�e ao presidente o pr�prio Congresso? Veja quantos vetos foram derrubados, quantas medidas provis�rias foram rejeitadas. E o Congresso est� abusando? N�o, est� exercendo suas fun��es.
Em que momento o STF, na sua avalia��o, agiu corretamente e n�o cometeu excessos?
Veja a atua��o do tribunal na pandemia. Eu reputo que foi uma atua��o exemplar. Se olharmos o quadro de confus�o que t�nhamos em mar�o de 2020... N�s n�o t�nhamos vacina, n�o t�nhamos rem�dios confi�veis, da� a lenda urbana da cloroquina. E h� uma quest�o constitucional b�sica: o sistema de sa�de deve ser um sistema integrado, que exige coordena��o nacional e ramifica��es nos estados e munic�pios.
Era o caos.
O que aconteceu? A Uni�o dizendo que n�o podia haver interrup��o de atividades, que todas eram essenciais. E vieram governadores e prefeitos reclamando, porque a �nica medida que lhes ocorria, seguindo orienta��es da OMS (Organiza��o Mundial da Sa�de), era fazer algum tipo de isolamento social, interrup��o de atividades. E uma posi��o pragm�tica: eles gerenciavam o sistema de sa�de. Havia uma regra que nem era m�dica, era estat�stica, de que um grupo se contaminaria e parte dessas pessoas precisaria de atendimento e de UTI.
Nesse contexto, o que fez o tribunal?
O Supremo fortaleceu a posi��o de estados e munic�pios que estavam defendendo uma recomenda��o m�dico-cient�fica, e fomos acusados de estar atrapalhando a pol�tica governamental nessa seara. No fim, as pessoas n�o reparam, foi o Supremo, naquela confus�o da guerra das vacinas, na gest�o ca�tica do general (Eduardo) Pazuello, que estabeleceu o plano de imuniza��o. Foi o ministro (Ricardo) Lewandowsky que estabeleceu que precisava ter um plano de imuniza��o. J� t�nhamos vacina, e estava aquele bate-cabe�a. Veja o papel importante que o tribunal exerceu nesse contexto.
V� risco de golpe de Estado?
N�o vejo. O Brasil amadureceu muito. Somos 27 unidades federadas, temos 5,6 mil munic�pios, uma economia pujante, estamos inseridos no contexto internacional, somos uma democracia grande no mundo. N�o faz sentido esse tipo de especula��o.
H� pontes entre o presidente Bolsonaro e o Supremo?
Eu sou favor�vel a que todos n�s tenhamos abertura e di�logo, inclusive para esclarecer determinadas coisas. Nesse ambiente, muitas vezes, as pessoas ficam suscet�veis a teorias conspirat�rias. Teoria conspirat�ria se combate com boa informa��o. Por isso, a import�ncia do trabalho da m�dia profissional.
Ap�s aquela tentativa de amea�ar a democracia, no 7 de Setembro, houve interlocu��o...
N�s estamos vivendo mais de 30 anos de normalidade institucional. De alguma forma, tem havido um mutir�o, uma parceria institucional. A democracia � isso mesmo, um modelo de check and balances e de verifica��o, de constru��o de consenso, de algum consenso b�sico, de legitima��o. N�s mesmos, aqui, muitas vezes, tomamos decis�es que, depois, se verificaram erradas.
Por exemplo?
Hoje, eu reputo como extremamente problem�tica a decis�o que tomamos de suprimir o financiamento privado (de campanhas eleitorais). Na medida em que tiramos o financiamento privado, subimos o financiamento p�blico. Estamos chegando a R$ 4,9 bilh�es nas elei��es presidenciais. E com os partidos com uma massa enorme de recursos.
O que acha do projeto de lei que torna o Congresso uma esp�cie de inst�ncia revisora do Supremo?
A ideia nem � boa nem � nova. De alguma forma, h� um dispositivo semelhante na Constitui��o de 1937, da ditadura Vargas, em que se previa que o Parlamento poderia, em caso de declara��o de inconstitucionalidade pelo Supremo, confirmar a lei que fora declarada inconstitucional e cassar a decis�o do Supremo. Como n�o houve Parlamento em 37, isso foi exercido pelo presidente ditador. Portanto, a inspira��o (do projeto) � de vi�s totalit�rio. Devemos ficar muito desconfiados em rela��o a isso. Imagine uma decis�o tomada por 10 x 1 ou por 6 x 5. Por que ela deveria ser anulada? N�o faz nenhum sentido. � t�o extravagante que a gente pode dizer que nem errada est�. (risos)
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