
As decis�es durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) que colocaram sigilo de 100 anos em resposta a pedidos de informa��o v�m sendo atacadas por advers�rios.
Primeiro colocado no primeiro turno na elei��o e nas pesquisas de inten��o de voto para o segundo turno, o candidato do PT, Luiz In�cio Lula da Silva j� havia dito que, se eleito, vai retirar o sigilo de informa��es que n�o foram divulgadas por Bolsonaro.
Lula voltou a falar do tema em debate na noite deste domingo (16/10): "Eu quero ver voc� explicar a forma sigilosa que voc� colocou tantas coisas na sua vida. Tudo � motivo de sigilo. Tudo � motivo de sigilo. Voc� sabe que isso tem perna curta, porque vai acabar. Porque eu vou ganhar as elei��es, e quando chegar dia primeiro de janeiro, eu vou pegar seu sigilo e vou botar o povo brasileiro para saber por que voc� esconde tanta coisa. Afinal de contas, se � bom, n�o precisa esconder."
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Embora n�o tenha respondido ou comentado diretamente esse ponto da fala de Lula no debate mais recente, Bolsonaro j� falou sobre o tema em outros momentos - geralmente alegando que o sigilo trata de informa��es pessoais.
O sigilo de 100 anos foi criticado antes da corrida eleitoral tamb�m. O tema foi alvo de provoca��o at� por Sergio Moro, ex-juiz e ex-ministro de Bolsonaro. Em 14 de abril, Moro tuitou: "Bolsonaro poderia decretar sigilo de 100 anos sobre os tweets dele".
Bolsonaro poderia decretar sigilo de 100 anos sobre os tweets dele.
— Sergio Moro (@SF_Moro) April 14, 2022Um dia antes do tu�te de Moro, Bolsonaro havia respondido "em 100 anos saber�", na mesma rede oficial, a um coment�rio que perguntava: por que coloca sigilo de cem anos em "todos os assuntos espinhosos/pol�micos do seu mandato" e se "existe algo para esconder".
Presidente, o senhor pode me responder porque todos os assuntos espinhosos/pol�micos do seu mandato, voc� p�e sigilo de 100 anos? Existe algo para esconder?
— Lucas Elias Bernardino (@b_lucaselias) April 13, 2022A seguir, veja o que Bolsonaro argumentou sobre o tema nos �ltimos meses, o que prev� a Lei de Acesso � Informa��o e o que dizem especialistas.
Sigilo de cem anos: o que disse Bolsonaro
Em debate antes do primeiro turno das elei��es, Bolsonaro alegou que o uso do recurso do sigilo � para "quest�es pessoais"."Meu cart�o de vacina ou quem me visita no Alvorada. Nada mais al�m disso", disse o presidente, ap�s lembrar que a lei que traz essa possibilidade � da �poca da ex-presidente Dilma Rousseff, do PT.
Durante uma live, Bolsonaro disse: "N�o existe decreto meu decretando nada no tocante a sigilo. O que tem � uma lei de 2011, que sou obrigado a cumprir lei, que os assuntos de natureza particular eu n�o preciso ceder � Lei de Acesso � Informa��o."
Em participa��o no podcast Flow, Bolsonaro disse que se trata de "coisa simples".
"N�o � um decreto ditatorial meu, a lei me garante isso. O que a imprensa come�ou a perturbar? Tenho minha agenda, que � p�blica, l� no Pal�cio da Presid�ncia. Se voc� for me visitar, t� l�. Mas come�aram a querer ter acesso a quem ia visitar no Alvorada (resid�ncia oficial do Presidente em exerc�cio) e, de acordo com as pessoas que me visitam no Alvorada, a imprensa faz mat�ria sobre aquilo. Quem eu recebo na minha casa, n�o devo satisfa��o a ningu�m. Voc� na sua casa n�o deve satisfa��o a ningu�m. Ent�o decidimos, como � garantido em lei - se n�o me engano, do tempo da Dilma - que voc� possa garantir sigilo de pessoas que v�o me visitar."
Depois, disse que s�o "assuntos confidenciais". E citou, entre os exemplos: "de repente vai uma mulher bonita l� em casa, com uma colega dela, e eu recebo. Minha mulher n�o t� sabendo, mas � bonita por acaso, a� 'opa, ele recebeu aquele avi�o na casa dele para tratar do que? A primeira dama tava ou n�o tava?' Come�a a virar um inferno minha vida, ent�o esse sigilo � em fun��o disso, a minha privacidade, como todo mundo tem. Cada um recebe quem bem entender na sua casa e n�o deve satisfa��o a ningu�m."
O entrevistador argumenta que "era interessante para o povo saber quando Joesley (Batista, da JBS) estava indo na resid�ncia oficial", em refer�ncia a um esc�ndalo do governo de Michel Temer, quanto o ent�o presidente recebeu o empres�rio em sua resid�ncia. Bolsonaro diz que "teve grava��o em cima daquilo, � outra hist�ria".
O que diz a Lei de Acesso � Informa��o sobre sigilo de cem anos

O sigilo de no m�ximo cem anos, aplicado em resposta a pedidos de informa��o do governo, est� previsto na lei que acabou com o sigilo eterno de documentos oficiais — a Lei de Acesso � Informa��o (LAI). Ela foi sancionada em 2011 pela ent�o presidente Dilma Rousseff — e foi assinada junto com a lei que criou a Comiss�o da Verdade.
No artigo 31, a lei prev� que informa��es pessoais relativas � intimidade, vida privada, honra e imagem tenham acesso restrito pelo prazo de at� cem anos.
Tamb�m est� l� um trecho que busca conter o uso dessa medida: o texto diz que a restri��o de acesso de "informa��o relativa � vida privada, honra e imagem de pessoa n�o poder� ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apura��o de irregularidades em que o titular das informa��es estiver envolvido, bem como em a��es voltadas para a recupera��o de fatos hist�ricos de maior relev�ncia".
Sigilo de cem anos e governo Bolsonaro
A imposi��o de sigilo de um s�culo ocorreu em situa��es que ganharam destaque durante o governo Bolsonaro, como nos casos a seguir:
- O cart�o de vacina��o de Bolsonaro foi colocado em sigilo, em meio � pandemia de covid-19 e no contexto de que o presidente questionava efic�cia e seguran�a dos imunizantes.
- O governo determinou sigilo de cem anos sobre informa��es dos crach�s de acesso ao Pal�cio do Planalto emitidos em nome dos filhos Carlos Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro.
- A Receita Federal imp�s sigilo de cem anos no processo que descreve a a��o do �rg�o para tentar confirmar uma tese da defesa do senador Fl�vio Bolsonaro, filho do presidente, sobre a origem do caso das "rachadinhas".
- O Ex�rcito imp�s sigilo de cem anos no processo que apurou a ida do general da ativa e ex-ministro da Sa�de Eduardo Pazuello a um ato no Rio de Janeiro com o presidente Jair Bolsonaro e apoiadores do governo.
- Levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo tamb�m cita sigilos em visitas � primeira-dama, Michelle Bolsonaro, no Pal�cio da Alvorada, al�m de telegramas do Itamaraty sobre a pris�o do ex-jogador Ronaldinho Ga�cho no Paraguai.
As decis�es de manter o tema em sigilo s�o feitas em resposta a pedidos apresentados por meio da LAI (Lei de Acesso � Informa��o), geralmente sob alega��o de que documentos continham informa��es pessoais.
Tamb�m h� caso em que o governo tentou manter a informa��o secreta e depois mudou de ideia — como os dados sobre visitas ao Pal�cio do Planalto de pastores suspeitos de favorecer a libera��o de verbas do Minist�rio da Educa��o para prefeitos aliados.
Reportagem do Estad�o publicada em maio de 2022 mostrou que, de janeiro de 2019 a dezembro de 2021, durante o governo Bolsonaro, um a cada quatro (26,5%) pedidos de informa��o rejeitados tiveram como justificativa o sigilo da informa��o — a taxa � duas vezes a registrada na gest�o da petista Dilma Rousseff e quatro pontos porcentuais maior do que a do governo Michel Temer (MDB), segundo a reportagem.
Um caso de sigilo de cem anos no governo Dilma Rousseff — presidente respons�vel pela san��o da Lei de Acesso � Informa��o — ocorreu em 2016, ano do impeachment da ex-presidente, depois de o ent�o juiz Sergio Moro ter autorizado a divulga��o de grava��es em que Dilma e Lula tratam da nomea��o do petista para a Casa Civil.
A Casa Civil decidiu manter em sigilo os e-mails que o servidor Jorge Rodrigo Messias (mencionado no di�logo) recebeu ou enviou naquele contexto, ap�s pedido do jornal O Globo para acessar o conte�do. Segundo reportagem, a Casa Civil apresentou motivos como: e-mail n�o est� inclu�do como documento previsto na Lei de Acesso; a Constitui��o e at� a Conven��o Americana de Direitos Humanos garantem o sigilo das correspond�ncias; e as mensagens solicitadas s�o de car�ter pessoal.

'Desprezo pela Lei de Acesso � Informa��o'
O advogado Ademar Borges, professor do doutorado em Direito Constitucional no IDP, diz em entrevista � BBC News Brasil que considera que h� uma "expans�o incontrolada" da aplica��o do sigilo e lembra que a Lei de Acesso � Informa��o traz balizadas para os sigilos.
"O que est� acontecendo agora � que virou um escudo para prote��o pessoal, do presidente, da sua fam�lia e dos seus correligion�rios, com total desprezo pela Lei de Acesso � Informa��o e pelos seus requisitos", diz. "Essa expans�o incontrolada do regime de sigilo � uma das marcas autorit�rias desse governo - impedir acesso e controle da sociedade e das institui��es de controle aos atos do governo."
Na avalia��o dele, Bolsonaro tem colocado em sigilo "tudo que pode lhe trazer algum tipo de responsabiliza��o ou de presta��o de contas". "� o contr�rio do objetivo da Lei de Acesso � Informa��o, que � restringir ao m�ximo o �mbito da decreta��o de sigilo."
A professora da Universidade de Bras�lia (UnB) Andr�a Gon�alves — que � especialista em presta��o de contas pelo setor p�blico, com foco na �rea de sa�de — afirma que o Brasil � "uma democracia muito jovem" e que, pouco a pouco, foram sendo tomadas medidas focadas em aumentar a transpar�ncia — � o caso da LAI, que ela considera "ganho enorme".
"A sociedade tem direito e tem que ter acesso �s informa��es do Estado", defende Gon�alves.
No entanto, a professora da UnB diz que "muito do que a gente observa � ainda tra�o do patrimonialismo — 'sentei na cadeira e fa�o do jeito que entendo, do meu jeito'. Isso voc� observa em todas as �reas".
"Isso vai do n�vel mais baixo at� o escal�o mais alto. A gente est� falando de informa��es no n�vel federal. Imagina l� na prefeitura das cidades menores, onde o prefeito entende que ele � dono da prefeitura e o recurso que foi ele foi atr�s, ele gasta como ele quiser, e n�o vai disponibilizar essa informa��o."
A advogada Patr�cia Sampaio, professora de Direito Administrativo da FGV Direito Rio, explica que essa previs�o do sigilo de cem anos na LAI busca prote��o � intimidade e � vida privada dos indiv�duos, visto que o Estado tem acesso a muitos dados que s�o pessoais. Por exemplo: alguma doen�a que voc� prefere que seus familiares e empregadores n�o saibam que voc� tem.
"Agora n�s tamb�m temos que entender que, quando um indiv�duo resolve se lan�ar na arena p�blica — concorre a um cargo eletivo, toma posse no cargo eletivo —, at� mesmo essa privacidade, essa intimidade, ela �, de certa forma, relativizada", diz. "N�o � que ela deixe de existir — o indiv�duo continua tendo direito � sua intimidade, vida privada. Mas na rela��o dele com as coisas p�blicas, com os recursos p�blicos, essa intimidade tem que ser relativizada em nome do controle social da atua��o dos agentes p�blicos."
Sampaio resume: "Em um Estado de direito, a publicidade dos atos administrativos e dos representantes do povo s�o, em regra, p�blicos. A publicidade � a regra e o sigilo � a exce��o", diz.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63262907
