
%u200BEx-ministro da Justi�a do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Anderson Torres foi preso pela Pol�cia Federal na manh� deste s�bado (14/1), ap�s chegar da Fl�rida a Bras�lia.
Sua pris�o preventiva foi decretada na ter�a-feira (10/1) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a pedido da PF. Moraes disse que h� ind�cios de que pode ter havido omiss�o e coniv�ncia de autoridades de seguran�a do DF com os invasores bolsonaristas.
Torres, que � delegado da Pol�cia Federal e ocupava o cargo de secret�rio de Seguran�a P�blica do Distrito Federal quando ocorreram as invas�es e depreda��es, nega. Ele disse lamentar "profundamente que sejam levantadas hip�teses absurdas de qualquer coniv�ncia minha com as barb�ries que assistimos".
A apreens�o, que fez parte das investiga��es sobre o papel de Torres na invas�o e depreda��o de pr�dios dos tr�s poderes em Bras�lia no domingo (8/1), aumentou a temperatura em Bras�lia, e abriu uma s�rie de quest�es sobre a atua��o do ex-ministro durante e ap�s as elei��es vencidas por Lula.
Ap�s deixar a pasta da Justi�a, Torres assumiu o cargo de secret�rio de Seguran�a P�blica do Distrito Federal — e foi exonerado no pr�prio domingo.
A minuta encontrada na casa do ex-ministro era datada de 2022, com dia e m�s em branco, e o nome de Bolsonaro. Ela n�o est� assinada e nunca chegou a virar decreto oficial.
O texto, divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo, propunha decretar um "Estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Bras�lia, com o objetivo de garantir a preserva��o ou o pronto restabelecimento da lisura e corre��o do processo eleitoral presidencial do ano de 2022, no que pertine [sic] � sua conformidade e legalidade, as quais, uma vez descumpridas ou n�o observadas, representam grave amea�a � ordem p�blica e a paz social".
O texto tamb�m previa a suspens�o do sigilo de comunica��es dos membros do TSE, que seriam impedidos de frequentar as depend�ncias do pr�dio. Entre eles, estavam Alexandre de Moraes, C�rmen Lucia e Ricardo Lewandowski, todos ministros do STF.
O ex-ministro afirmou no Twitter que o documento estava em "uma pilha de documentos para descarte" e disse que respeita a democracia brasileira.
Na sexta-feira (13/1), Alexandre de Moraes determinou a abertura de um inqu�rito contra Torres, o governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), que foi afastado do cargo por 90 dias pelo Supremo, o ex-secret�rio de Seguran�a do DF Fernando de Sousa Oliveira, que atuava como interino na data das invas�es, e o ex-comandante da Pol�cia Militar do DF F�bio Vieira, para apurar sua responsabilidade em rela��o ao vandalismo na capital.
Moraes aceitou pedido feito pela Procuradoria-Geral da Rep�blica (PGR) para que Bolsonaro seja inclu�do como alvo de um dos inqu�ritos que apuram os respons�veis pela invas�o das sedes dos Tr�s Poderes no dia 8 de janeiro.
O argumento � que Bolsonaro teria feito uma incita��o p�blica � pr�tica de crimes por ter postado um v�deo, no dia 10 de janeiro, que questionava o resultado das elei��es presidenciais de 2022. Foi a primeira vez que a PGR pediu, oficialmente, para investigar Bolsonaro sobre atos antidemocr�ticos.

Dem�stenes Torres, um dos advogados que representa o ex-ministro, disse � Ag�ncia Brasil, antes de Torres viajar ao Brasil, que ele voltaria "logo que poss�vel" e que o ex-ministro enfrentou dificuldades para comprar uma passagem de volta dos Estados Unidos devido � pane no sistema de controle de voos no pa�s que ocorreu na quarta-feira (11/1).
O ministro da Justi�a, Fl�vio Dino (PSB), havia dito que pediria a extradi��o de Torres caso ele n�o se apresentasse � pol�cia at� segunda-feira (16/1).
Agora h� diversas perguntas ainda a serem respondidas por Torres.
A BBC News Brasil ouviu Renato S�rgio de Lima, diretor-presidente do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica (FBSP), e a advogada constitucionalista Vera Chemim, mestre em Administra��o P�blica pela Funda��o Get�lio Vargas em S�o Paulo (FGV-SP), sobre as principais perguntas que o ex-ministro ter� de responder sobre a minuta e as suspeitas de omiss�o e coniv�ncia nos atos antidemocr�ticos.
1 - Quem escreveu o documento?

A Pol�cia Federal est� investigando as circunst�ncias da elabora��o da minuta encontrada na casa de Torres. O ex-ministro afirmou no Twitter que o documento estava em "uma pilha de documentos para descarte", mas n�o informou quem o escreveu.
"No cargo de ministro da Justi�a, nos deparamos com audi�ncias, sugest�es e propostas dos mais diversos tipos. Cabe a quem ocupa tal posi��o o discernimento de entender o que efetivamente contribui para o Brasil. Tudo seria levado para ser triturado oportunamente no MJSP (Minist�rio de Justi�a e Seguran�a P�blica)", disse.
"O citado documento foi apanhado quando eu n�o estava l� e vazado fora de contexto, ajudando a alimentar narrativas falaciosas contra mim. Fomos o primeiro minist�rio a entregar os relat�rios de gest�o para a transi��o. Respeito a democracia brasileira. Tenho minha consci�ncia tranquila quanto � minha atua��o como ministro."
No cargo de Ministro da Justi�a, nos deparamos com audi�ncias, sugest�es e propostas dos mais diversos tipos. Cabe a quem ocupa tal posi��o, o discernimento de entender o que efetivamente contribui para o Brasil.
— Anderson Torres (@andersongtorres) January 12, 2023Para Vera Chemim, a minuta por si s� n�o deve levar a uma puni��o por "ato preparat�rio" de um golpe de estado a ser empreendido pelo governo Bolsonaro.
"A minuta n�o representa um ato preparat�rio para um suposto golpe, como vem se falando. Isso porque n�o foi tomada nenhuma medida para executar o que est� escrito no documento. No C�digo de Direito Penal, n�o h� previs�o de crime para ato preparat�rio, a n�o ser em caso de terrorismo", argumenta.
A advogada aponta que, embora a minuta seja "inconstitucional e reprov�vel do ponto de vista da �tica e da moralidade da administra��o p�blica, ela pode servir apenas como uma evid�ncia" em um eventual processo penal contra Torres, n�o � "prova de cometimento de crime."
"Mesmo que se comprove que Torres escreveu, na minha opini�o, n�o houve atos concretos para que a minuta fosse decretada. Ela poderia ser usada em um processo mais amplo, como uma evid�ncia. Seria uma prova se o documento tivesse sido utilizado para o cometimento de um crime, o que n�o aconteceu", diz.
2 - Bolsonaro sabia da minuta?
Ainda n�o est� claro se o ex-presidente tinha conhecimento da minuta que pretendia mudar o resultado das elei��es ou se ele teve alguma participa��o em sua elabora��o.
O texto foi divulgado na quinta-feira (12/1) pelo jornal Folha de S.Paulo. Bolsonaro, no entanto, n�o se pronunciou a respeito do tema at� a publica��o desta reportagem.
Ap�s a derrota para Lula, o ex-presidente fez poucas declara��es p�blicas sobre as elei��es. Em uma transmiss�o ao vivo pelas redes sociais em 30 de dezembro, ele afirmou que tentou uma alternativa "dentro das quatro linhas da Constitui��o".
"Busquei, dentro das quatro linhas, dentro das leis, respeito � Constitui��o, sa�da para isso da�. Se tinha uma alternativa para isso. Se a gente podia questionar uma coisa ou n�o questionar alguma coisa", afirmou.
E completou: "Muitas vezes, dentro das quatro linhas, voc� tem que ter apoios. Alguns acham que � pegar a Bic, assinar, fa�a isso, fa�a aquilo e est� tudo resolvido. Eu entendo que eu fiz a minha parte. Agora, certas medidas t�m que ter apoio do Parlamento, de alguns do Supremo, de outros �rg�os, de outras institui��es".
Para Chemim, para que haja alguma puni��o a Bolsonaro, seriam necess�rios um conjunto de provas e elementos que comprovem que o ex-presidente agiu e tomou provid�ncias para tentar dar um golpe de Estado - o texto da minuta em si poderia ser usado como uma das evid�ncias disso, segundo essa interpreta��o.
3 - A minuta seria usada para dar um golpe?

O texto, que mencionava como objetivo preservar "a lisura e corre��o do processo eleitoral presidencial do ano de 2022", gerou a suspeita de que ele seria usado pelo governo Bolsonaro para mudar o resultado da vota��o e permanecer no poder.
Isso porque ele previa quebrar o "sigilo de correspond�ncia e de comunica��o telem�tica e telef�nica" dos ministros do TSE - e o acesso ao pr�dio seria controlado pelo governo.
Citava ainda a cria��o de uma comiss�o eleitoral para a "apura��o da conformidade e da legalidade" das elei��es.
Ela seria formada por 19 pessoas: oito membros do Minist�rio da Defesa, dois do Minist�rio P�blico Federal e da PF, al�m de um integrante da C�mara, do Senado, do Tribunal de Contas, da Advocacia-Geral da Uni�o (AGU) e da Controladoria-Geral da Uni�o.
Para Chemim, o suposto decreto seria inconstitucional e dificilmente teria alguma chance de entrar em vigor.
"Primeiro, ele teria que ser aprovado no Congresso, o que seria dif�cil de acontecer. Segundo, a Constitui��o n�o prev� estado de defesa em institui��es. Pelo contr�rio, ele existe para proteger o Estado democr�tico de direito e seus poderes, e o Judici�rio � uma dessas institui��es a serem protegidas", explica.
O chamado "estado de defesa" est� previsto no artigo 136 da Constitui��o, e fala em "locais restritos e determinados", e n�o em institui��es espec�ficas:
"O Presidente da Rep�blica pode, ouvidos o Conselho da Rep�blica e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem p�blica ou a paz social amea�adas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes propor��es na natureza".
O Conselho da Rep�blica foi criado por uma lei de 1990 e deve ser consultado pelo presidente da Rep�blica para deliberar sobre interven��o federal, estado de defesa e de s�tio, al�m de quest�es relevantes para a estabilidade das institui��es democr�ticas.
Ele seria formado pelo pr�prio presidente e seu vice, os presidentes da C�mara e do Senado, os l�deres da maioria e da minoria no Congresso, o ministro da Justi�a e seis cidad�os brasileiros maiores de 35 anos de idade.
J� o Conselho de Defesa Nacional (CDN) � um �rg�o de consulta em assuntos relacionados � soberania nacional e � defesa do Estado democr�tico.
4 - Torres falou com Bolsonaro sobre as manifesta��es?

Renato S�rgio de Lima, do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica, aponta que � preciso ainda entender se Torres tratou sobre a previs�o de manifesta��es em Bras�lia com o ex-presidente.
"Em rela��o a Anderson Torres, h� perguntas que precisam ser respondidas. Uma delas �: ele se encontrou com Bolsonaro e tratou dessas manifesta��es com o ex-presidente? Se esse tipo de conversa ocorreu, � algo que a sociedade precisa saber", questionou Lima, em entrevista � BBC News Brasil nesta semana.
O ex-ministro da Justi�a de Bolsonaro era tido como um dos seus aliados mais fi�is. Logo ap�s a posse de Lula, ele foi nomeado por Ibaneis Rocha como secret�rio de Seguran�a, cargo que exerceu entre 2019 e 2021, antes de assumir o minist�rio.
Durante sua gest�o no governo federal, ele foi alvo de cr�ticas da oposi��o por, supostamente, usar seu cargo em favor do ex-presidente em sua tentativa de reelei��o.
Um dos epis�dios mais marcantes foi a opera��o da Pol�cia Rodovi�ria Federal (PRF) em rodovias do Nordeste, que parou diversos �nibus que transportavam eleitores para as suas zonas eleitorais no segundo turno. A PRF est� vinculada ao Minist�rio da Justi�a. � �poca, ele negou qualquer irregularidade.

5 - Por que Torres viajou aos EUA?
As suspeitas sobre eventual coniv�ncia de Torres com os atos em Bras�lia aumentaram depois que passou a circular a informa��o de que, no final de semana, ele estaria na Fl�rida.
Embora tenha assumido o cargo de secret�rio do DF no in�cio do ano, Torres teria viajado para a regi�o para um per�odo de f�rias - no mesmo Estado dos EUA onde Bolsonaro passa uma temporada desde antes do fim de seu mandato.
Para Lima, a viagem levanta algumas quest�es. "Por que ele viajou para os Estados Unidos �s v�speras de uma manifesta��o prevista? Essa manifesta��o estava sendo divulgada havia dias. O que fez o chefe da seguran�a p�blica viajar �s v�speras de um evento t�o importante?", questiona.
A possibilidade de omiss�o foi aventada pela PF na peti��o enviada ao STF. No documento, o �rg�o pediu a pris�o de Anderson Torres e outros agentes p�blicos por supostas omiss�es que teriam contribu�do com a invas�o das sedes dos Tr�s Poderes.
Torres rebateu as cr�ticas de que ele teria sido conivente com as invas�es e vandalismo. "Sempre pautei minha vida pelo respeito �s leis e �s institui��es [...] nesse sentido, lamento profundamente que sejam levantadas hip�teses absurdas de qualquer coniv�ncia minha com as barb�ries que assistimos", disse.
6 - Qual � a participa��o de Ibaneis Rocha?

Renato S�rgio de Lima avalia que t�o importante quanto entender como se deu a atua��o de Torres � ter detalhes sobre como se portou o governador do DF, Ibaneis Rocha, nas horas que antecederam o epis�dio.
No domingo, Alexandre de Moraes afastou Ibaneis do cargo por 90 dias. O ministro classificou a atua��o dele como "dolosamente omissiva".
"O descaso e coniv�ncia do ex-Ministro da Justi�a e Seguran�a P�blica e, at� ent�o, Secret�rio de Seguran�a P�blica do Distrito Federal, Anderson Torres [...] s� n�o foi mais acintoso do que a conduta dolosamente omissiva do Governador do DF, Ibaneis Rocha", disse o ministro em seu despacho.
Em depoimento � PF nesta sexta-feira, Ibaneis afirmou que o Ex�rcito impediu que policiais militares do DF acabassem com o acampamento de bolsonaristas em frente ao QG da corpora��o, segundo a imprensa local. Grande parte das centenas de pessoas que foram presas nesta semana estavam neste local.
Ibaneis tamb�m disse que, no dia 7 de janeiro, ao ser informado sobre protestos de bolsonaristas que iriam acontecer no dia seguinte, ligou para Anderson Torres, que j� estava nos Estados Unidos.
Segundo o governador, o secret�rio interino, Fernando de Souza Oliveira, o tranquilizou em outra liga��o, afirmando que os manifestantes estavam chegando pacificamente ao QG do Ex�rcito.
No dia seguinte, disse Ibaneis, Oliveira disse por telefone e em mensagem de texto que o protesto ocorria de maneira pac�fica.
Segundo o portal G1, Ibaneis contou aos investigadores que, ao ver os atos de vandalismo pela televis�o, ligou para Oliveira e teria dito ao secret�rio interino para "prender o m�ximo poss�vel."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64269547