
"Vai ser um governo extremamente desafiador", diz em entrevista � reportagem, reiterando sua confian�a na capacidade de Lula para enfrentar obst�culos como a renit�ncia do bolsonarismo na sociedade, as amea�as golpistas e a fr�gil sustenta��o do governo no Legislativo.
Ao mesmo tempo, minimiza os elos da ministra do Turismo, Daniela Carneiro, com milicianos. O futuro parlamentar afirma n�o haver "provas robustas" de associa��o dela com criminosos, ao contr�rio do que, segundo ele, ocorria com Bolsonaro e seu entorno. "S�o casos bem diferentes."
Pr�-candidato a prefeito de S�o Paulo em 2024, o l�der de movimentos de moradia diz querer avan�ar no entendimento com o PT sobre o compromisso de apoio firmado por Lula. O psolista chama o prefeito Ricardo Nunes (MDB), seu virtual advers�rio, de "s�ndico de condom�nio".
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MANDATO DE DEPUTADO
Boulos se apresenta como o deputado federal mais votado da hist�ria da esquerda brasileira e diz ter objetivos claros: "Meu papel no Congresso � ajudar o Lula a reconstruir o Brasil e buscar colocar pautas de esquerda e populares na agenda pol�tica do Legislativo". Uma delas ser� a taxa��o mais elevada sobre altas rendas, que deve entrar no debate da reforma tribut�ria.
"E vou fazer o enfrentamento sem tr�gua ao golpismo. Quem acreditava que o bolsonarismo acabaria com a derrota de Bolsonaro viu no dia 8 que isso n�o ser� poss�vel", segue.
Boulos possui dois projetos de lei em mente: um para estimular as chamadas "cozinhas solid�rias", a��o j� feita pelo MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e que seria replicada como medida emergencial contra a fome, e outro criando uma pol�tica para a popula��o de rua, com acesso a moradia.
CEN�RIO PARA LULA
"Acho que vai ser um governo extremamente desafiador", resume, culpando "o tamanho do estrago feito pelo bolsonarismo" nas pol�ticas p�blicas, algo que viu em detalhes ao integrar a equipe de transi��o, na �rea de cidades.
"O desafio do governo Lula � de reconstru��o do pa�s, e isso n�o � f�cil. [H�] circunst�ncias dif�ceis: o bolsonarismo ainda presente na sociedade, com uma parte radicalizada no golpismo, e uma correla��o de for�as no Congresso Nacional que, embora v� ter maioria de apoio ao Lula, n�o � propriamente uma maioria em rela��o ao programa que foi eleito."
O psolista defende que Lula dialogue com o centr�o, desde que acordos em bases diferentes das usadas por Bolsonaro. "O que n�o pode � terceirizar o governo, com or�amento secreto, e isso o Lula j� demarcou. Agora, vai ter uma disputa. � natural que num governo de composi��o t�o ampla haja posi��es divergentes."
MOBILIZA��O POPULAR
Pol�tico forjado em movimentos sociais, Boulos enxerga o apoio popular, "ainda mais em um momento t�o adverso", como ingrediente fundamental para o governo. "Tenho confian�a na capacidade do Lula para enfrentar os obst�culos, mas isso tamb�m vai ter que passar pela mobiliza��o da sociedade", diz.
Para ele, disso depende a constru��o da governabilidade. "N�o adianta achar que apenas ali da pra�a dos Tr�s Poderes v�o vir todas as solu��es. E � papel do governo chamar a sociedade a essa participa��o."
PACIFICA��O X ESQUECIMENTO
"Precisamos dizer com todas as letras: dia 8 foi uma tentativa de golpe de Estado realizada pelos bolsonaristas", afirma Boulos.
Para ele, a "puni��o exemplar" dos respons�veis � uma forma de "n�o naturalizar e n�o permitir que a oposi��o seja feita nesses termos violentos e golpistas". Por isso, "n�o pode haver nenhum tipo de anistia para quem financia e promove o golpismo".
Sem consequ�ncias, "isso pode acontecer novamente e esse pode virar o padr�o de oposi��o. Essa n�o � uma quest�o de vingan�a, mas de defini��o de linhas demarcat�rias. Pacifica��o � uma coisa, esquecimento � outra."
FATOR M�CIO
Questionado sobre o papel do ministro da Defesa na preven��o dos atos do dia 8, Boulos diz que "o maior respons�vel pela leni�ncia foi o Governo do Distrito Federal, com a Pol�cia Militar praticamente escoltando os golpistas para depredarem os pal�cios".
"Agora, eu acho que o ministro M�cio deveria escolher melhor os seus amigos. Se ele diz que tem amigo em acampamento golpista, isso n�o � normal. Aqueles acampamentos eram qualquer coisa menos democr�ticos, porque defendiam golpe de Estado", responde.
QUEST�O DANIELA
Indagado sobre elos da ministra do Turismo, filiada � Uni�o Brasil, com milicianos em sua base eleitoral, Belford Roxo (RJ), conforme revelou a Folha, Boulos repete o discurso de membros do governo e aliados de Lula.
"N�o conhe�o com detalhe as acusa��es, se h� algum processo judicial. Sou a favor do amplo direito de defesa, mas, se houver qualquer comprova��o da liga��o da ministra com a mil�cia, eu serei um dos que defender�o a sa�da dela [do cargo]."
Ele nega contradi��o entre sua postura no governo Bolsonaro, quando usava o termo miliciano para se referir ao ent�o presidente, e o discurso de agora. "Para mim, pau que bate em Chico bate em Francisco. [Mas] s�o casos bem diferentes."
Diz que sobre o governante anterior pesavam "conex�es pol�ticas, comprova��es fartas e provas robustas", envolvendo figuras como Adriano da N�brega e Fabr�cio Queiroz.
O grupo pol�tico de Daniela mant�m elos com a fam�lia de um ex-PM condenado a 26 anos por homic�dio e associa��o criminosa. Ela tamb�m recebeu apoio de outros acusados de liderar grupos armados.
"N�o cabe a mim defend�-la, n�o sou advogado dela. Se, de fato, houver uma liga��o comprovada dela com a mil�cia, ela tem que deixar o governo e responder por isso judicialmente", completa, antes de mudar de assunto. "N�o sou conselheiro [de Lula] ou comentarista pol�tico das decis�es de governo."
CANDIDATURA A PREFEITO EM 2024
"Quem votou em mim para deputado federal n�o s� sabia [do projeto da candidatura] como espera que eu fa�a isso, porque eu nunca escondi. Hipocrisia seria eu ficar fingindo que n�o serei candidato. Isso, sim, seria desonesto com os meus eleitores", diz.
Depois de chegar ao segundo turno da elei��o paulistana em 2020, Boulos diz que confia no compromisso de Lula de que o PT n�o lan�ar� nome na disputa e apoiar� o aliado. Ele diz que vai "dialogar amplamente" com o partido para desarmar resist�ncias e "construir o processo de forma conjunta e natural".
Para Boulos, as circunst�ncias desta vez ser�o "muito mais favor�veis" a ele, com o resultado positivo do governo Lula —que ele espera estar evidenciado at� a campanha. Al�m disso, acredita que se tornou mais conhecido e vai "ganhar uma experi�ncia pol�tica maior" com o mandato federal.
NUNES E TARIFA ZERO
"Ricardo Nunes administra S�o Paulo como se fosse o s�ndico de um condom�nio. N�o � um l�der pol�tico, n�o tem vis�o de cidade, a cidade est� sem rumo", afirma Boulos, falando ainda em "incompet�ncia e falta de vontade pol�tica".
O psolista diz estranhar que a tarifa zero no transporte p�blico, uma bandeira sua e de seu partido, seja mencionada por Nunes e pelo presidente da C�mara Municipal, Milton Leite (Uni�o Brasil).
"Vejo com muita estranheza quando figuras ligadas � hist�rica m�fia do transporte passam a defender isso de forma oportunista e casu�stica. Essa m�fia � um conluio de empresas que seguidamente ganham licita��es e que n�o t�m nenhuma transpar�ncia."
Segundo ele, implementar a gratuidade sem planejamento, de modo eleitoreiro, pode virar "um tiro no p�" e acabar desmoralizando a iniciativa.
"Milton Leite deu uma entrevista [� revista Veja S�o Paulo] dizendo que 'ou implementamos a tarifa zero ou o Boulos ganha a elei��o'. Ent�o o motivo � evitar que eu ganhe?", ironiza, aos risos. "Fico satisfeito de, mesmo sem ser candidato ainda oficialmente, eu estar melhorando a vida dos paulistanos."
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RAIO-X
GUILHERME BOULOS, 40
� formado em filosofia e mestre em psiquiatria pela USP. Coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), foi candidato a presidente em 2018 pelo PSOL. Chegou ao segundo turno da elei��o para a Prefeitura de S�o Paulo e foi derrotado pelo candidato � reelei��o, Bruno Covas (PSDB). Foi o deputado federal mais votado em S�o Paulo em 2022, com pouco mais de 1 milh�o de votos