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Estado de Minas BRASIL

Por que governo Bolsonaro � investigado por suspeita de genoc�dio

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a abertura de uma investiga��o de autoridades do governo Bolsonaro por pr�ticas de genoc�dio contra povos ind�genas. Os nomes dos investigados n�o foram divulgados, porque o processo corre em segredo de Justi�a. Entenda o que � genoc�dio e quais pontos ser�o apurados.


30/01/2023 22:06 - atualizado 30/01/2023 22:06

Bolsonaro sentado em cadeira com bandeiras do Brasil e de outro país atrás
PF vai investigar se houve omiss�o de agentes p�blicos no territ�rio yanomami durante governo Bolsonaro (foto: Brendan Smialowski/AFP)
O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a abertura de uma investiga��o de autoridades do governo Jair Bolsonaro (PL) pela suposta pr�tica de genoc�dio de ind�genas yanomami. O pedido foi assinado pelo ministro Lu�s Roberto Barroso nesta segunda-feira (30).

 

Os nomes dos investigados n�o foram divulgados porque o processo tramita em sigilo.

 

As investiga��es ser�o conduzidas pela Procuradoria-Geral da Rep�blica (PGR), Minist�rio P�blico Militar, Minist�rio da Justi�a e Seguran�a P�blica e Pol�cia Federal.

 

Segundo o despacho de Barroso, os �rg�os devem apurar "a poss�vel participa��o de autoridades do governo Jair Bolsonaro na pr�tica, em tese, dos crimes de genoc�dio, desobedi�ncia, quebra de segredo de justi�a, e de delitos ambientais relacionados � vida, � sa�de e � seguran�a de diversas comunidades ind�genas."

 

O ministro determinou o envio �s autoridades de documentos que, em seu entendimento, "sugerem um quadro de absoluta inseguran�a dos povos ind�genas envolvidos, bem como a ocorr�ncia de a��o ou omiss�o, parcial ou total, por parte de autoridades federais, agravando tal situa��o".

 

Leia: Bolsonaro: Yanomamis pediram internet em visita em 2021 

 

No despacho, Barroso citou como exemplo a publica��o pelo ent�o ministro da Justi�a Anderson Torres, no Di�rio Oficial da Uni�o, da data e do hor�rio de uma opera��o sigilosa contra o garimpo ilegal em um territ�rio yanomami, fato que teria alertado os invasores e atrapalhado a a��o.

 

Para o ministro do Supremo, os fatos "ilustram quadro grav�ssimo e preocupante, bem como a suposta pr�tica de m�ltiplos il�citos, com a participa��o de altas autoridades federais."

 

Leia: Governo exonera 33 coordenadores da Funai ap�s crise com Yanomamis 

 

A investiga��o pedida por Barroso amplia as apura��es iniciadas pela Pol�cia Federal, que na semana passada anunciou um inqu�rito para apurar se houve crime de genoc�dio e omiss�o de socorro ao povo yanomami pelo governo Bolsonaro.

 

A investiga��o se iniciou ap�s um pedido feito por Fl�vio Dino, atual ministro da Justi�a e da Seguran�a P�blica, um dos integrantes da comitiva que visitou o territ�rio ind�gena no dia 21 de janeiro.

Outras duas den�ncias est�o em avalia��o preliminar no Tribunal Penal Internacional, localizado em Haia, nos Pa�ses Baixos. Nelas, a Associa��o dos Povos Ind�genas do Brasil (Apib) e a Comiss�o Arns defendem que o ex-presidente cometeu crimes de genoc�dio durante a pandemia de covid-19 e na forma como ele lidou com a prote��o dos ind�genas nos �ltimos quatro anos.

 

Procurado pela reportagem, Bolsonaro n�o comentou o tema. Antes, Bolsonaro escreveu em aplicativo de mensagens que a den�ncia sobre a crise yanomami era "farsa da esquerda" e argumentou que seu governo levou aten��o especializada para territ�rios ind�genas.

 

Quais s�o os argumentos que fundamentam acusa��es t�o graves? E o que mais disse Bolsonaro?

 

Leia: Yanomami: MPF atribui desnutri��o � 'omiss�o do Estado brasileiro' 

 

Os juristas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que h� elementos suficientes para iniciar uma investiga��o, mas que � preciso encontrar evid�ncias e provas para seguir com eventuais julgamentos no futuro. A seguir, entenda como, segundo eles, quest�es como est�mulo ao garimpo, apura��o sobre desvio de medicamentos e alertas ignorados pelo governo podem ser levados em considera��o.

O que � genoc�dio?

O Tribunal Penal Internacional diz que o genoc�dio � caracterizado pela "inten��o espec�fica de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, �tnico, racial ou religioso, matando seus membros por outros meios, causar les�es corporais ou mentais graves, impor deliberadamente ao grupo condi��es de vida calculadas para provocar a destrui��o f�sica total ou parcial, impor medidas destinadas a prevenir nascimentos ou transferir for�adamente crian�as de um grupo para outro".

 

A jurista Sylvia Steiner, �nica brasileira que foi ju�za da corte de Haia entre 2003 e 2012, explica que "genoc�dio n�o � qualquer matan�a".

 

"Tem que existir a inten��o de destruir um grupo por causa da nacionalidade, da etnia, da ra�a ou da religi�o dele", resume.

 

A especialista tamb�m aponta que h� uma diferen�a entre genoc�dio e crimes contra a humanidade.

 

"Crimes contra a humanidade s�o aqueles praticados por parte de uma pol�tica de um Estado ou de uma organiza��o que atacam a popula��o civil. Eles incluem assassinato, viol�ncia sexual, deporta��o for�ada, persegui��o, exterm�nio, escravid�o…", lista.

 

"Nesse caso, n�o existe um dolo especial, ou seja, a inten��o clara de eliminar um grupo por quest�es como nacionalidade, etnia, ra�a, religi�o", complementa.


Tribunal Penal Internacional
Localizado em Haia, o Tribunal Penal Internacional julga casos de genoc�dio e crimes contra a humanidade (foto: Getty Images)

 

O advogado Belis�rio dos Santos Junior, da Comiss�o Internacional de Juristas, lembra que o Brasil possui uma lei sobre o genoc�dio desde 1956.

 

"Ela foi aprovada ainda no governo de Juscelino Kubistchek, que reconhece n�o apenas a a��o direta, mas tamb�m a incita��o ao genoc�dio", diz.

 

A lei brasileira, portanto, tamb�m pune aqueles que estimulam "direta e publicamente algu�m a cometer qualquer dos crimes" relacionados ao genoc�dio.

Mas o que pode pesar contra o governo Bolsonaro durante as investiga��es?

Est�mulo ao garimpo

O relat�rio Yanomami Sob Ataque, publicado em abril de 2022 pela Hutukara Associa��o Yanomami e pela Associa��o Wanasseduume Ye'kwana, com assessoria t�cnica do Instituto Socioambiental, faz um balan�o da extra��o ilegal de ouro e outros min�rios nessa regi�o, que compreende a maior reserva ind�gena do pa�s.

 

"Sabe-se que o problema do garimpo ilegal n�o � uma novidade na TIY [Terra Ind�gena Yanomami]. Entretanto, sua escala e intensidade cresceram de maneira impressionante nos �ltimos cinco anos. Dados do MapBiomas indicam que a partir de 2016 a curva de destrui��o do garimpo assumiu uma trajet�ria ascendente e, desde ent�o, tem acumulado taxas cada vez maiores. Nos c�lculos da plataforma, de 2016 a 2020 o garimpo na TIY cresceu nada menos que 3.350%", aponta o texto.

 

O levantamento das associa��es mostra que, em outubro de 2018, a �rea total destru�da pelo garimpo somava pouco mais de 1.200 hectares. "Desde ent�o, a �rea impactada mais do que dobrou, atingindo em dezembro de 2021 o total de 3.272 hectares", continua a publica��o.


Trecho de floresta destruído
Minera��o e falta de pol�ticas p�blicas representam amea�as aos povos ind�genas, defende corte internacional (foto: Getty Images)

 

Durante os quatro anos de presid�ncia, Bolsonaro falou diversas vezes sobre a minera��o em terras ind�genas — o governo prop�s inclusive um projeto de lei que viabilizaria a pr�tica dentro da lei.

 

Em mar�o de 2022, por exemplo, ele afirmou que "�ndio quer internet, quer explorar de forma legal a sua terra, n�o s� para agricultura, mas tamb�m para garimpo".

 

"A Amaz�nia � uma �rea riqu�ssima. Em Roraima, h� uma tabela peri�dica debaixo da terra", acrescentou.

 

Santos Junior, que integra a Comiss�o Arns, entende que s�o v�rios os exemplos do est�mulo de Bolsonaro ao garimpo.

 

"Os garimpeiros v�o se apropriando das �reas, desmatam a floresta, invadem unidades b�sicas de sa�de… Quem d� suporte a isso � justamente quem incentiva o garimpo e o desmatamento, quem n�o d� as condi��es para que povos e etnias sobrevivam", defende.

Falta de rem�dios e alimentos

O Minist�rio P�blico Federal tamb�m fez opera��es para apurar desvios de medicamentos em territ�rio yanomami.

 

Segundo o �rg�o, s� 30% de mais de 90 tipos de medicamentos que deveriam ser fornecidos foram entregues em 2022.

 

Os procuradores dizem que o desvio de verm�fugos (que tratam de infesta��es de vermes) impediu o tratamento adequado para 10 mil das 13 mil crian�as que vivem nesta regi�o.

 

H� ainda den�ncias sobre a interrup��o no fornecimento de alimentos.

Alisson Marugal, procurador da Rep�blica em Roraima, afirmou que o Minist�rio da Sa�de cortou o fornecimento de alimenta��o aos ind�genas nos postos de sa�de do Estado em 2020, sem dar explica��es.

 

Todo o cen�rio de casos e mortes por desnutri��o e mal�ria fez com que o Minist�rio da Sa�de decretasse uma emerg�ncia sanit�ria no territ�rio yanomami em 21 de janeiro.

 

Entre as a��es emergenciais, o governo anunciou o envio de profissionais de sa�de e a cria��o de hospitais de campanha para atender os pacientes.

 

Segundo o secret�rio de Sa�de Ind�gena do minist�rio, Ricardo Weibe Tapeba, mais de mil indiv�duos j� foram resgatados em situa��o de extrema vulnerabilidade do local.


Lula coloca a mão na cabeça de uma criança indígena
Em visita ao territ�rio yanomami, Lula diz que a situa��o � 'desumana' (foto: Ricardo Stuckert/PR)

Alertas ignorados

Por fim, diversas institui��es nacionais e internacionais chamaram a aten��o para o que vinha acontecendo com os yanomami nos �ltimos meses e anos.

Em nota, a Apib disse que a invas�o do garimpo ilegal na terra ind�gena yanomami foi denunciada pelo menos 21 vezes � justi�a e aos �rg�os do governo durante a gest�o de Bolsonaro.

 

Existe tamb�m uma peti��o feita ao Supremo Tribunal Federal em maio do ano passado sobre esse assunto. Nela, a Apib e outras entidades pedem a��es do governo para conter a invas�o de garimpeiros nas terras onde vivem os yanomami e outros povos, como os munduruku.

 

No dia 1º de julho de 2022, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma decis�o cobrando uma resposta do Brasil para "proteger a vida, a integridade pessoal e a sa�de dos membros dos povos ind�genas yanomami, ye'kwana e munduruku".

 

A comiss�o que avaliou o caso disse que a situa��o dos indiv�duos dessas tr�s popula��es era de "extrema gravidade e urg�ncia".

 

Entre as medidas que o pa�s precisaria tomar, a corte apontou a necessidade de "proteger efetivamente a vida, a integridade pessoal, a sa�de e o acesso � alimenta��o e �gua pot�vel" desses povos.

 

A corte pediu ao Estado brasileiro um relat�rio com um resumo das a��es que foram tomadas para reverter a situa��o at� o dia 20 de setembro de 2022. Depois disso, novas atualiza��es sobre o caso deveriam ser enviadas a cada tr�s meses.

 

A BBC News Brasil entrou em contato com a Corte Interamericana de Direitos Humanos para saber se o pa�s estava cumprindo as medidas.

 

Por meio da assessoria de comunica��o, o �rg�o afirmou que, "at� o dia de hoje, a corte est� esperando uma resposta por parte do Estado brasileiro".

O que pode acontecer?

Para Santos Junior, "o ex-presidente, por causa de suas obsess�es [com o garimpo], aparenta preencher os requisitos de quem assume os riscos". "N�o � normal voc� deixar um povo sem assist�ncia m�dica, sem as condi��es m�nimas de sobreviv�ncia", diz.

 

"Os ind�genas foram sufocados de uma tal forma que as mortes e a redu��o do grupo se encaixam, a meu ver, na descri��o do genoc�dio pelas a��es ou ina��es do ent�o Presidente da Rep�blica", acrescenta o advogado.

 

A jurista Sylvia Steiner pondera que a abertura de um inqu�rito serve justamente para fazer investiga��es e reunir provas de poss�veis crimes que foram eventualmente cometidos.

 

"Por ora, n�o h� fatos provados. Existem alguns ind�cios em rela��o ao genoc�dio. E isso � sempre complicado, porque voc� precisa comprovar que havia uma inten��o de eliminar os yanomami da face da Terra", explica.

Na vis�o da jurista, outra possibilidade � investigar poss�veis crimes contra a humanidade — e n�o o genoc�dio.

 

"Pode ser observada a exist�ncia de um plano, de uma pol�tica de Estado contra os yanomami, mas em fun��o da terra que eles ocupam e do interesse em se apropriar das riquezas que existem ali. Ou seja, nesse caso n�o falamos de uma persegui��o dos yanomami por causa da etnia deles", pontua.

 

"Acontece que essa pol�tica de Estado leva � extermina��o do grupo. Ent�o, n�s podemos estar diante de um crime contra a humanidade de exterm�nio ou persegui��o", completa.

 

Steiner chama a aten��o para o fato de a legisla��o brasileira n�o prever crimes contra a humanidade. Nesse caso, a eventual investiga��o e um julgamento posterior dependem da a��o do Tribunal Penal Internacional.

 

A especialista aponta que esses julgamentos em Haia, de poss�veis respons�veis pelos atos criminosos, podem render penas de at� 30 anos ou pris�o perp�tua em casos extremos.


indígenas yanomami
Comunidades que fazem parte da Reserva Yanomami enfrentam crise humanit�ria que tem como principal causa a expans�o do garimpo ilegal (foto: Andressa Anholete/Correspondente Getty Images)

Controv�rsias e discord�ncias

Steiner aponta que o conceito de genoc�dio e crimes contra a humanidade � alvo de muitas discuss�es entre os juristas.

 

"Uma parcela acredita que, decorrido tanto tempo desde que o conceito foi definido nos anos 1940, � preciso ter um entendimento um pouco mais alargado do que � um genoc�dio. Eles argumentam que o mundo mudou e a interpreta��o desse crime deveria ser mais flex�vel", diz.

 

"Eu me situo entre aqueles que seguem a letra da lei. Ent�o, para mim, tem que ficar demonstrado que realmente houve a inten��o genocida, a inten��o de destruir no todo ou em parte aquela comunidade, seja em raz�o da religi�o, da etnia, da ra�a ou na nacionalidade."

 

"Fora disso, pode ser que estejamos diante de um crime contra a humanidade, que � t�o grave quanto", complementa.

 

De acordo com a especialista, o conceito de crimes contra a humanidade � relativamente novo — foi ratificado internacionalmente a partir do Estatuto de Roma em 2002 — e, por isso, ainda gera confus�o.

 

"Esse conjunto de normas est� acima das regras dos pa�ses e pro�be uma s�rie de condutas que p�e em risco a paz e a humanidade de comunidades inteiras", conta Steiner.

 

"Quando temos esc�ndalos lament�veis e cat�strofes humanit�rias, devemos usar esse momento para progredir do ponto de vista moral e �tico. Que a atual situa��o desperte as pessoas e os pa�ses para as necessidades especiais das popula��es ind�genas. J� n�o era sem tempo", conclui.

 

A BBC News Brasil tentou o contato com Bolsonaro por meio de assessores, ex-ministros, pessoas pr�ximas, a comunica��o do Partido Liberal e pelas pr�prias redes sociais para que ele pudesse dar um posicionamento a respeito de todos os pontos e alega��es. N�o foram enviadas respostas at� a publica��o desta reportagem.

 

Assim que a emerg�ncia de sa�de veio � tona nos �ltimos dias, o ex-presidente fez postagens no aplicativo de mensagens Telegram.

 

Ele classificou a den�ncia sobre a crise yanomami como "farsa da esquerda" e disse que seu governo realizou 20 a��es de sa�de entre 2020 e 2022 que levaram aten��o especializada para dentro dos territ�rios ind�genas, especialmente em locais remotos e com acesso limitado.

 

Segundo o ex-presidente, foram beneficiados mais de 449 mil ind�genas, com 60 mil atendimentos. Ainda na mensagem, ele afirmou que o governo federal encaminhou 971,2 mil unidades de medicamentos e 586,2 mil unidades de equipamentos de prote��o individual, totalizando 1,5 milh�o de insumos enviados para essas opera��es.

 

- Este texto foi publicado emhttps://www.bbc.com/portuguese/brasil-64417930


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