
Junho de 2013 � um m�s essencial para compreender a hist�ria recente do Brasil e, ao mesmo tempo, um dos per�odos mais complexos para o entendimento das raz�es que motivaram o in�cio dos protestos, como eles se modificaram em seu decurso e como eles impactaram o cen�rio nacional subsequente. Originados de movimentos por melhorias no transporte p�blico e da revolta contra o aumento de tarifa dos �nibus na capital paulista, os atos rapidamente se espalharam pelo Brasil compartilhando essa pauta, mas tamb�m se moldando �s realidades locais e absorvendo revoltas e frustra��es das mais diversas.
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A centralidade do tema da mobilidade urbana no in�cio dos protestos pode ser contextualizada pela organiza��o dos movimentos que defendiam a causa e sua experi�ncia em protestos anteriores. Outra quest�o a ser levada em considera��o � uma especificidade do ano de 2013 em rela��o ao per�odo dos reajustes tarif�rios.
Normalmente, os aumentos de passagem s�o feitos no in�cio do ano, mas, em 2013, eles foram postergados em grandes cidades brasileiras a pedido do governo federal. O ent�o ministro da Fazenda de Dilma Rousseff (PT), Guido Mantega, chegou a se reunir com os prefeitos de S�o Paulo, Fernando Haddad, e do Rio de Janeiro-RJ, Eduardo Paes (� �poca, no PMDB), para solicitar um congelamento tempor�rio nas tarifas. A medida se deu na tentativa de controlar um aumento da infla��o que preocupava o Planalto.
Os reajustes no in�cio do ano costumam encontrar os grandes centros urbanos esvaziados, o que reduz as chances de manifesta��es – diferentemente de outras �pocas do ano. Para acrescentar mais um ingrediente ao cen�rio explosivo de junho, os aumentos tarif�rios que passaram a acontecer em meados de 2013 fizeram com que a revolta dos passageiros que sentiam o peso no bolso se somasse � insatisfa��o com a Copa das Confedera��es, marcada para junho, e que se tornaria um dos muitos alvos dos manifestantes.
Um dos pesquisadores que levantam a discuss�o sobre o momento em que as passagens foram reajustadas em v�rias cidades do Brasil em 2013 � o urbanista e professor da Escola de Arquitetura da UFMG, Roberto Andr�s. No livro “A Revolta dos Centavos” (Editora Zahar, 2023), o autor discorre sobre a hist�ria das jornadas de junho antes, durante e depois dos protestos. Em entrevista ao EM, ele destaca tamb�m que a movimenta��o nos grandes centros urbanos relativa aos aumentos de tarifa precede o m�s de junho daquele ano.
“� bom lembrar que os protestos pelo transporte estavam muito fortes no per�odo anterior. Em Porto Alegre e Goi�nia j� havia manifesta��es antes de elas come�arem em S�o Paulo em junho, quando houve uma conflu�ncia que chegou a mais cidades. Um ponto de inflex�o das manifesta��es foi em 13 de junho, pela como��o diante da grande repress�o policial em S�o Paulo, inclusive com jornalistas de grandes ve�culos sendo atingidos. Essa como��o conjuga com o in�cio da Copa das Confedera��es”, avalia.
Nos primeiros dias de junho, quando a luta pela revoga��o dos reajustes em S�o Paulo e Rio de Janeiro tinha pouco destaque nas manchetes nacionais, ainda n�o se vislumbrava a possibilidade de os protestos se espalharem por centenas de cidades e com milh�es de pessoas envolvidas. � o que recorda a professora do Departamento de Hist�ria da UFMG, K�tia Gerab Baggio.
“Eu acho que at� hoje as chamadas jornadas de junho geram esse debate t�o grande e geraram, ao longo desses 10 anos, interpreta��es distintas exatamente por conta dessa multiplicidade de um movimento que come�ou pontual. Por coincid�ncia, eu estava em S�o Paulo em 6 de junho de 2013 e n�o sabia da manifesta��o. Eu me lembro que, ao sair da Universidade de S�o Paulo (USP), o tr�nsito estava muito complicado. Ainda que fosse uma sexta-feira, estava pior que o normal e minha colega me informou da manifesta��o contra o aumento das passagens. Uma primeira an�lise que podemos fazer � que eu n�o conhe�o ningu�m que previu a dimens�o que aquelas manifesta��es tomariam”, recorda a professora.
A an�lise da conjuntura tamb�m � um ponto que provoca discuss�o quando se analisa o cen�rio em que se tornou poss�vel a explos�o dos protestos em junho de 2013. O Brasil estava a um ano das elei��es presidenciais, h� 11 anos sob governo do Partido dos Trabalhadores (PT) e com a gest�o de Dilma Rousseff avaliada como positiva por 65% dos brasileiros em mar�o daquele ano, segundo o Datafolha.
Piso alto, teto baixo
Em seu livro “A Raz�o dos Centavos”, Andr�s usa a express�o “piso alto, teto baixo” como intert�tulo para discutir como o cen�rio socioecon�mico do pa�s pode entrar na discuss�o sobre as motiva��es do protesto. “Esse termo busca explicar algo que ficou muito pouco compreendido no per�odo. De certa forma, a economia brasileira, para nossos padr�es, estava bem. T�nhamos crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) nos anos anteriores, com uma leve queda em rela��o ao per�odo de 2006 a 2010, mas ainda assim crescimento. A infla��o estava controlada, o cen�rio era de pleno emprego”, explica.
Andr�s comenta que a insatisfa��o popular pode ser explicada por uma limita��o do cen�rio de crescimento do pa�s. Embora tenha experimentado uma eleva��o do padr�o de vida nos anos anteriores, a popula��o brasileira viu o pr�ximo passo nessa escalada dificultado.
“Quando a gente olha para as ruas, para as cidades, a gente enxerga coisas que esses n�meros macroecon�micos n�o mostram. A ideia do ‘piso alto, teto baixo’, produzido pelos governos p�s-redemocratiza��o, em especial os petistas, � que houve uma eleva��o do piso, a redu��o da pobreza extrema, inclus�o de dezenas de milh�es de pessoas na classe C, maior acesso � educa��o, � cultura e � internet. O pa�s saltou de praticamente nenhum acesso � internet e, em pouco mais de dez anos, viu mais da metade da popula��o conectada. Tudo isso produziu uma sociedade que passou a elevar suas demandas e expectativas e a aspirar modelos de sociedade e formas de vida distintas. O teto baixo � justamente porque n�s n�o conseguimos suprir essas aspira��es e houve uma demanda por melhorias na educa��o e na sa�de p�blicas, por uma vida de qualidade nas cidades. Esse � o desencaixe, porque essas coisas foram avan�ando de forma muito lenta”, analisa.
PAUTA AMPLIADA
A repress�o violenta aos manifestantes em S�o Paulo provocou uma como��o nacional e o resultado disso foi que, na segunda quinzena de junho de 2013, os protestos j� haviam se espalhado por todo o pa�s, aderindo caracter�sticas regionais e absorvendo pautas diversas. Em 20 de junho, 388 cidades brasileiras registraram atos com milh�es de pessoas nas ruas. O car�ter autonomista original das manifesta��es foi um dos pontos que facilitaram o ingresso de manifestantes que, em muitos casos, estavam tendo suas primeiras experi�ncias em protestos de rua, como explica Andr�s.
“Eu acho que justamente esse m�todo dos autonomistas, que era prevalente, sem a presen�a de um palanque, de um caminh�o de som, de lideran�as marcadas e uma dire��o t�o definida, � um m�todo que gera a abertura e porosidade para que muita gente sinta que possa ir. Muita gente passou a aderir por esse senso mais difuso do objetivo do protesto. Isso tem o ponto positivo de aumentar a ades�o, mas a dificuldade de estabelecer um controle da pauta”, avalia o professor da UFMG.
A multiplicidade de pautas � visualmente verific�vel quando se analisa fotos das jornadas de junho com aten��o aos cartazes levados �s ruas. Esse exerc�cio foi feito por Roberto Andr�s, que montou uma equipe que catalogou mais de 6 mil mensagens do per�odo e as categorizou. Os temas percebidos atestam a diversidade das reivindica��es que somam centenas de exemplos de reivindica��es por sa�de, educa��o, seguran�a, mobilidade, m�dia, economia, justi�a social, democracia, corrup��o, PEC 37, feminismo, direitos LGBTQIA+, direitos sociais e viol�ncia policial, entre outros.