
O secret�rio adjunto de Estado dos Estados Unidos, Brian A. Nichols, dribla perguntas sobre declara��es agressivas do presidente brasileiro Luiz In�cio Lula da Silva (PT) em rela��o aos EUA.
Principal autoridade americana para as Am�ricas, Nichols prefere exaltar o novo papel que o Brasil tem desempenhado no cen�rio internacional desde a posse do petista, h� quase seis meses.
Lula chegou ao poder prometendo colocar o pa�s de volta no mapa-mundi - depois de 4 anos de gest�o de Jair Bolsonaro (PL) - e de l� pra c� sustentou dezenas de encontros com l�deres mundiais, como o americano Joe Biden, o chin�s Xi Jinping e o alem�o Olaf Scholz.
Acumulou tamb�m desgastes com aliados americanos depois de dizer que pretendia negociar a paz na guerra da Ucr�nia e que os EUA “deveriam parar de promover” o conflito. O posicionamento foi criticado publicamente pela Casa Branca como uma repeti��o de discurso russo.
“Nem sempre vamos concordar em tudo, mas o mundo � melhor com o Brasil nele”, diz Nichols em entrevista exclusiva � BBC News Brasil, em seu gabinete, no pr�dio do departamento de Estado em Washington D.C.Nichols, por�m, n�o deixa de dizer que a fala de Lula de haver uma “narrativa” sobre o car�ter ditatorial do regime de Nicol�s Maduro na Venezuela “n�o � uma caracteriza��o justa” do que acontece no pa�s e ressalta que a afirma��o do brasileiro foi rebatida tanto pelo l�der chileno Gabriel Boric quanto pelo uruguaio Luis Alberto Lacalle Pou. Mas diz que o Brasil segue sendo um ator importante para negociar uma sa�da democr�tica para os venezuelanos.
Os EUA, pressionado pelo avan�o da China na Am�rica Latina e mantendo rela��es err�ticas com dois de seus principais aliados hist�ricos na regi�o, M�xico e Col�mbia, seguem vendo no Brasil sob Lula uma grande oportunidade de retomar influ�ncia na regi�o e de fazer avan�ar globalmente pautas priorit�rias para Biden, como a promo��o da democracia e o combate �s mudan�as clim�ticas.
O secret�rio adjunto elogiou o que chamou de “muito boa qu�mica” entre Biden e Lula. Mas descartou a possibilidade de que os EUA possam negociar um acordo de livre com�rcio com o Mercosul nos moldes do tratado que o bloco negocia com a Europa.
Nichols assinala a coopera��o ambiental entre EUA e Brasil como ponto alto do relacionamento bilateral, embora os US$500 milh�es prometidos pelo governo Biden ao Fundo Amaz�nia ainda n�o tenham sido aprovados pelo Congresso.
“Estou confiante de que seremos capazes de defender os recursos de que precisamos (junto ao Congresso)”, assegura Nichols, sem dizer como essa negocia��o ser� feita.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, editada por concis�o e clareza.

BBC News Brasil - Quase seis meses ap�s o in�cio do mandato de Lula, de que maneira a rela��o Brasil-EUA mudou em compara��o ao governo brasileiro anterior?
Brian A. Nichols - Tive o prazer de me juntar ao presidente Biden e ao presidente Lula na reuni�o que eles tiveram na Casa Branca (em fevereiro) e foi incr�vel ver os dois l�deres sa�rem do Sal�o Oval, de sua reuni�o individual, ombro a ombro, conversando um com o outro, e quanta boa qu�mica e valores compartilhados os dois presidentes t�m.
Eles falaram sobre a defesa da democracia, suas preocupa��es compartilhadas sobre a mudan�a clim�tica, seu compromisso com a diversidade, equidade e inclus�o, abordando os muitos desafios que o mundo enfrenta hoje em termos de conflitos globais, seguran�a alimentar.
Portanto, h� uma base incrivelmente forte para construir nosso relacionamento. E os dois l�deres transmitiram �s suas equipes a import�ncia dessa rela��o.
Desde a minha visita ao Brasil, no m�s passado, fiquei realmente impressionado com tantos atores diferentes, seja no setor governamental, empresarial, acad�mico, sociedade civil, todos realmente valorizam o relacionamento com os Estados Unidos. Ent�o eu acho que n�o � apenas uma rela��o de governo para governo. Est� em todos esses n�veis diferentes da sociedade. E temos um relacionamento maravilhoso com o Brasil e muito trabalho a ser constru�do.
BBC News Brasil - E isso tudo n�o estava presente na gest�o anterior (de Jair Bolsonaro)?
Nichols - Brasil e EUA s�o pa�ses grandes, e h� muitos interesses. E eles v�o al�m dos l�deres e v�o al�m do governo. Ent�o, tivemos rela��es positivas com o Brasil no passado de muitas maneiras, mas acho que esta � uma oportunidade �nica, j� que agora temos dois presidentes que est�o t�o alinhados em uma agenda de governo.
BBC News Brasil - Se eu te pedisse pra fazer um balan�o, em que aspectos da rela��o houve avan�os e onde ainda h� o que melhorar?
Nichols - Acho que o clima � uma das �reas em que h� um compromisso muito forte de ambos os pa�ses e l�deres. Aguardamos com expectativa a c�pula da Amaz�nia em Bel�m, em agosto, que o Brasil sediar�.
O presidente Lula aspira a sediar a COP 30 (confer�ncia da ONU sobre o clima, j� confirmada em Bel�m em 2025). Essa � uma iniciativa importante. O presidente Biden destinou US$ 500 milh�es para o fundo da Amaz�nia, e j� estamos trabalhando nas quest�es da Amaz�nia h� algum tempo, seja no combate � extra��o ilegal de madeira, minera��o ilegal de ouro, promo��o de pol�ticas agr�colas sustent�veis %u200B%u200Bque ajudar�o a acabar com o desmatamento, todas essas �reas de coopera��o s�o muito importantes.
E coisas como a seguran�a alimentar global t�m sido incrivelmente importantes desde a �poca da pandemia at� a invas�o da Ucr�nia pela R�ssia. Como um dos principais exportadores de alimentos e fertilizantes, o Brasil tem um papel fundamental a desempenhar em rela��o � seguran�a alimentar. Essas s�o apenas algumas das �reas nas quais j� estamos ativamente engajados na coopera��o.
E em termos de coisas que espero que possamos fazer mais para enfrentar, (est�o) os desafios regionais e os desafios globais. O Brasil historicamente tem sido um grande l�der na tentativa de ajudar o povo haitiano, por exemplo, e isso � uma grande prioridade para n�s.
Da mesma forma, enfrentamos um desafio de democracia e respeito pelas liberdades e direitos b�sicos na Venezuela, e o presidente Lula manifestou interesse em tentar enfrentar os desafios de l�. Portanto, definitivamente existem �reas nas quais podemos trabalhar juntos em nossa regi�o.

BBC News Brasil - A presidente da Comiss�o Europeia, Ursula Von der Leyer, acaba de visitar o Brasil e dizer que pretende finalizar o acordo de livre com�rcio com o Mercosul at� o final do ano. Existe a possibilidade de que EUA e Mercosul tamb�m negociem um acordo de livre com�rcio, ou este assunto est� completamente fora da agenda?
Nichols - Na C�pula das Am�ricas no ano passado, os Estados Unidos anunciaram a Parceria das Am�ricas para a Prosperidade Econ�mica, e essa � a base que temos para construir uma estrutura mais ampla para o crescimento econ�mico e a prosperidade em nosso hemisf�rio. Na �poca que lan�amos o Brasil estava em meio a uma elei��o e n�o achava muito apropriado aderir naquele momento, mas � algo que estamos construindo com muitos pa�ses em nosso continente para agilizar processos alfandeg�rios e regulat�rios, construir conex�es mais f�ceis no setor de servi�os, fazer coisas que ajudar�o a facilitar o crescimento (econ�mico) em nossa regi�o.
Outra �rea importante para n�s � tentar facilitar a cria��o de novas cadeias de suprimentos mais pr�ximas dos Estados Unidos. Essa � uma das prioridades do presidente Biden. Estamos realmente fazendo muito para trazer a manufatura de volta aos Estados Unidos, mas ainda h� insumos que teremos de importar de parceiros na Am�rica Latina. E o Brasil � uma economia gigantesca e h� grandes sinergias que temos com a economia brasileira, como no setor aeroespacial.
BBC News Brasil - Ent�o, se entendi bem sua resposta, isso significa que os EUA preferem investir nestas iniciativas mais pontuais a discutir um acordo de livre com�rcio?
Nichols - N�o acho que estejamos prontos para algum tipo de acordo amplo de livre com�rcio em bloco. Mas acho que h� muitas outras coisas que podemos fazer para facilitar as �reas em que somos complementares. Os EUA s�o a principal fonte de investimento estrangeiro no Brasil, as empresas americanas contribuem para um ter�o do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Queremos ter certeza de que estamos trabalhando com nossos parceiros em toda a regi�o para aumentar a classe m�dia, para ajudar as economias a se tornarem mais equitativas, mais bem-sucedidas e mais resilientes.
BBC News Brasil - O presidente Lula fez uma s�rie de declara��es que foram vistas por analistas como agressivas aos EUA ou como ecos de antiamericanismo. Ele disse, por exemplo, que os EUA tinham que parar de incentivar a guerra na Ucr�nia. Antes de Lula ganhar a elei��o, diplomatas americanos que conversaram com a BBC News Brasil reservadamente expressaram preocupa��o com ecos de antiamericanismo que pudessem ainda existir na esquerda brasileira. O senhor v� ecos de antiamericanismo no discurso do presidente Lula?
Nichols - Olha, o presidente Lula �, mais uma vez, um parceiro importante em tantas �reas... As quest�es que vemos globalmente, a guerra na Ucr�nia come�ou quando a R�ssia invadiu a Ucr�nia pela segunda vez. E n�s e nossos aliados dissemos ao mundo que a R�ssia planejava invadir. A Federa��o Russa negou. E na sequ�ncia invadiu. O conflito est� acontecendo inteiramente dentro das fronteiras da Ucr�nia. E a maneira de parar esse conflito agora � a R�ssia retirar suas for�as do territ�rio ucraniano. (Se a R�ssia fizer isso), a guerra acabou. Essa � a realidade.
Acho muito positivo que o presidente Lula e altos funcion�rios brasileiros estejam em contato com funcion�rios do governo ucraniano. Acho importante ouvir a perspectiva deles sobre a situa��o. O que costumamos dizer aqui � que nada sobre a Ucr�nia (ser� discutido ou resolvido) sem a Ucr�nia. Portanto, qualquer solu��o para o conflito depender� do envolvimento dos l�deres ucranianos, conversando com eles sobre suas preocupa��es. E vemos isso como um passo positivo (do governo Lula).

BBC News Brasil - Ent�o a situa��o constrangedora entre Brasil e EUA sobre a guerra na Ucr�nia j� foi superada?
Nichols - Acho que para ambos os pa�ses � importante que nos mantenhamos engajados, que conversemos uns com os outros, que tenhamos certeza de que as linhas de comunica��o est�o muito ativas.
Quando temos diferen�as de opini�o sobre as coisas, a melhor maneira de lidar com isso � conversando, conversando e compartilhando nossas respectivas perspectivas, e acho que � medida que avan�amos, ser� vital mantermos contato pr�ximo.
Este � um momento incrivelmente desafiador em nossa regi�o e em todo o mundo. E o Brasil pode desempenhar um papel fundamental na solu��o desses problemas. Precisamos que o Brasil esteja ativo no cen�rio mundial, precisamos que o Brasil traga sua criatividade e suas solu��es para a mesa. E claro que nem sempre vamos concordar em tudo, mas o mundo � melhor com o Brasil nele.
BBC News Brasil - Especificamente sobre a Venezuela, quais s�o seus coment�rios sobre a declara��o do presidente Lula de que o que est� acontecendo na Venezuela � uma narrativa?
Nichols - N�o � uma narrativa. A realidade � que existem amplos relat�rios internacionais da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU), da Organiza��o dos Estados Americanos (OEA) e do relator especial da ONU para a Comiss�o de Direitos Humanos que falam sobre a realidade da situa��o na Venezuela.
O povo venezuelano n�o pode exercer seus direitos democr�ticos fundamentais, e a melhor maneira de resolver isso � ter uma elei��o livre, justa e transparente na Venezuela. Isso � algo que apoiamos fortemente e acreditamos que a comunidade internacional precisa manter a unidade para encorajar uma solu��o democr�tica por meio de uma elei��o na Venezuela.
E se pudermos apoiar esse processo, ser� melhor para o povo venezuelano, melhor para nossa regi�o, melhor para o mundo.
BBC News Brasil - Foi surpreendente para voc� este coment�rio do presidente Lula?
Nichols - Acho que o elemento crucial da discuss�o em nossa regi�o � qual � a realidade e quais s�o os desafios que enfrentamos como regi�o. E, certamente, se voc� olhar para as declara��es de outros l�deres do continente ou declara��es da pr�pria classe pol�tica do Brasil, h� uma constela��o de atores pol�ticos, acho que as pessoas em geral acharam que essa n�o era uma caracteriza��o justa. Ent�o o importante � que temos que trabalhar juntos para promover solu��es. E estou confiante de que o governo brasileiro far� isso.
BBC News Brasil - Ao falar em “narrativa”, Lula reduz as condi��es do Brasil de servir como mediador da crise venezuelana?
Nichols - Muitos pa�ses v�o ter um papel importante nesse processo. A Cidade do M�xico tem sido palco de negocia��es entre o regime de Maduro e a plataforma unit�ria da oposi��o, e esse � um processo incrivelmente importante. Na Col�mbia, o presidente (Gustavo) Petro organizou uma reuni�o ministerial de alto n�vel para falar sobre o caminho a seguir e falou sobre seu compromisso de revitalizar um grupo de parceiros para enfrentar os desafios na Venezuela.
O Brasil � o anfitri�o de milhares de venezuelanos que fugiram da repress�o em seu pr�prio pa�s e pode desempenhar um papel crucial no fornecimento de uma solu��o. Portanto, h� muitos pa�ses que ter�o um papel importante a desempenhar para ajudar a Venezuela a ter um futuro melhor. E o Brasil � um deles.
BBC News Brasil - O senhor esteve na semana passada no Congresso americano para falar sobre o Or�amento proposto pelo presidente Biden para a��es na Am�rica Latina. Em uma sess�o de uma hora e meia, a Amaz�nia foi mencionada uma �nica vez, e pelo senhor. A impress�o que d� � que a quest�o do meio ambiente n�o � uma prioridade para o Congresso americano como o governo Biden diz que � para sua gest�o. Essa impress�o � verdadeira? Faz sentido ainda esperar que o Congresso aprove o valor de meio bilh�o de d�lares que Biden prometeu destinar ao fundo amaz�nia diante desse contexto?
Nichols - O presidente Biden tem sido muito claro ao priorizar as quest�es clim�ticas e obteve mais dinheiro em financiamentos relacionados ao clima do Congresso dos EUA do que todos os outros presidentes americanos. H� muitos senadores e deputados que falam muito e apoiam nossos esfor�os para enfrentar a crise clim�tica. E estou confiante de que seremos capazes de defender os recursos de que precisamos.

BBC News Brasil - Em rela��o ao Haiti, o Brasil liderou a miss�o de paz no pa�s por anos e, no entanto, vemos hoje a situa��o de completa deteriora��o do Estado haitiano. O Brasil falhou em sua miss�o? O Brasil deveria compor nova for�a internacional que tem sido defendida pelos EUA no pa�s?
Nichols - O Brasil tem sido um l�der incrivelmente importante em ajudar o povo haitiano por d�cadas, e sua lideran�a na Minustah (Miss�o das Na��es Unidas para a Estabiliza��o do Haiti) foi um compromisso incr�vel. Sou profundamente grato por tudo o que o Brasil fez e continua fazendo para prestar assist�ncia ao Haiti. Todos n�s temos que fazer mais para ajudar o Haiti. E parte da solu��o para isso � fornecer uma esp�cie de for�a de seguran�a internacional que o governo haitiano solicitou.
L�deres haitianos de todo o espectro pol�tico est�o se reunindo e estiveram nos �ltimos dias na Jamaica para falar sobre o caminho a seguir, enquanto examinamos os diferentes tipos de ajuda de que o Haiti precisa, seja assist�ncia humanit�ria, m�dica, eleitoral, educacional, econ�mica ou mesmo policial. O Brasil tem experi�ncia em todas essas �reas e espero que o Brasil continue sendo generoso e criativo em ajudar o Haiti neste momento incrivelmente dif�cil.
BBC News Brasil - A rela��o entre Brasil e EUA completa 200 anos em 2024. Ao mesmo tempo, o Brasil n�o recebe visitas de um presidente americano h� cerca de dez anos, desde Barack Obama. Biden pretende visitar o pa�s no fim do ano ou come�o do ano que vem?
Nichols - Durante a reuni�o na Casa Branca, o presidente Lula fez um convite ao presidente Biden para uma visita. Ele (Biden) disse que estava ansioso para visit�-lo e tenho certeza de que encontrar� algum momento mutuamente conveniente para uma visita ao Brasil. Eu sei que ele est� ansioso por essa viagem.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/articles/cn42rrm1nv1o