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Estado de Minas RELA��ES INTERNACIONAIS

19 pa�ses em 8 meses: por que Lula viaja tanto?

Especialistas apontam motivos, oportunidades e riscos de agenda internacional t�o intensa no terceiro mandato do petista.


05/09/2023 07:40 - atualizado 05/09/2023 12:04
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Presidente Lula na África do Sul
�frica do Sul foi uma das 19 na��es visitadas por Lula nos 8 primeiros meses de seu governo (foto: Ricardo Stuckert/Presid�ncia da Rep�blica)

No lobby do hotel The Leonardo, em Johanesburgo, na �frica do Sul, a l�ngua mais falada por ali na terceira semana de agosto era portugu�s e n�o ingl�s, um dos idiomas oficiais do pa�s.

Quem subisse as escadas rolantes para chegar ao local daria de cara com dezenas de brasileiros — jornalistas e integrantes da equipe do presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT), que estava no pa�s para participar da 15ª C�pula do Brics.

A cena se repetiu praticamente de forma id�ntica em todos os outros pa�ses que Lula visitou nos primeiros oito meses de seu terceiro governo.

Nesse per�odo, Lula viajou para 19 pa�ses. O n�mero iguala o recorde tamb�m registrado pelo petista no primeiro ano de seu segundo mandato, em 2007 (veja dados abaixo).

E agora, assim como naquela �poca, a quantidade de viagens feitas por Lula virou alvo de cr�ticas tanto de integrantes da oposi��o quanto dentro do governo e levanta a seguinte quest�o: por que Lula tem viajado tanto?

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que a quantidade de viagens de Lula ao exterior nesses primeiros oito meses � resultado de uma soma de fatores que incluem: uma esp�cie de demanda reprimida em rela��o � atua��o do Brasil na esfera internacional durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o perfil pessoal de Lula, que demonstraria mais interesse no assunto.

Eles ponderam, no entanto, que se de um lado as viagens do presidente podem "abrir portas" e gerar oportunidades no exterior, por outro elas podem dar margem a cr�ticas internas e externas.

Recorde

Levantamento feito com base na agenda p�blica de Lula mostra que, entre janeiro e o fim de agosto, ele visitou 19 pa�ses. Entre eles, est�o na��es como Argentina, Estados Unidos, China e pa�ses do continente africano como Angola e �frica do Sul.

Com base em dados da Presid�ncia da Rep�blica, a BBC News Brasil verificou que esse � o maior n�mero de pa�ses visitados por um presidente nos oito meses do seu primeiro ano de mandato desde a redemocratiza��o do pa�s, em 1985.

Ainda de acordo com o levantamento, o n�mero foi o mesmo registrado para o per�odo no primeiro ano do segundo mandato, em 2007.

Em 2003, quando assumiu o governo pela primeira vez, Lula visitou 13 pa�ses no per�odo.

Entre os presidentes que mais viajaram nos primeiros oito meses de seus primeiros anos de mandato est�o Dilma Rousseff (PT), que presidiu o Brasil entre 2011 e 2016, e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que comandou o pa�s entre 1995 e 2002. Nenhum dos dois, no entanto, atingiu as marcas de Lula.

Entre janeiro e agosto de 1995, Fernando Henrique Cardoso viajou a nove pa�ses. No mesmo per�odo de 1999, j� em seu segundo mandato, o ent�o presidente viajou para oito pa�ses.

Dilma Rousseff, por sua vez, foi a menos destinos que Lula e Fernando Henrique Cardoso. Entre janeiro e agosto de 2011, ela viajou para seis pa�ses. Em 2015, ela foi a nove.

Demanda reprimida e 'diplomacia presidencial'

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que o volume de compromissos internacionais de Lula pode ser explicado por dois fatores principais:


  • A necessidade, segundo alguns analistas, de reposicionar o Brasil no cen�rio internacional ap�s a gest�o de Bolsonaro;
  • O perfil do presidente Lula, que demonstra mais interesse na pol�tica externa que alguns de seus antecessores.

"Uma das raz�es para que ele (Lula) fa�a tantas viagens est� relacionada � necessidade de recolocar o Brasil no mapa do mundo ap�s quatro anos de uma pol�tica externa err�tica e com algumas quest�es problem�ticas como a de Bolsonaro", diz Fernanda Magnotta, professora de Rela��es Internacionais na FAAP.

A pol�tica externa de Bolsonaro foi marcada por fatos como o fechamento do acordo comercial entre o Mercosul e a Uni�o Europeia, em 2019, um alinhamento pol�tico intenso com a administra��o do agora ex-presidente norte-americano Donald Trump e por pol�micas na rela��o do presidente com pa�ses como a Fran�a e a China.

"Qualquer outra lideran�a sem ser Lula teria que ir nessa dire��o porque era uma necessidade do Brasil", afirma Magnotta.

O diplomata Rubens Barbosa segue a mesma linha de Magnotta e diz que as viagens de Lula nos primeiros meses de seu mandato precisa ser colocada em contexto.

"� preciso contextualizar e ver que Bolsonaro, por exemplo, fez o caminho inverso. Ele n�o viajou, n�o se inseriu internacionalmente. Vejo esse movimento de Lula como normal, especialmente nesse in�cio de governo", afirmou.

Diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil em car�ter reservado apontam ainda que haveria uma esp�cie de "demanda reprimida" entre os pa�ses da comunidade internacional interessados em se aproximar do Brasil que n�o havia sido atendida nos �ltimos anos.

Um dos dados que corroboraria essa tese � a quantidade de l�deres internacionais com quem Lula se encontrou nos primeiros oito meses de seu novo mandato.

At� agosto, Lula j� teve reuni�es bilaterais com 48 chefes de Estado ou de governo, segundo dados do Minist�rio das Rela��es Exteriores (MRE).

Segundo um levantamento feito pelo jornal O Globo publicado em maio, Bolsonaro se reuniu com 31 em seus quatro anos de governo.

Presidente Lula em visita à China
O presidente chin�s, Xi Jinping, e o presidente Lula durante visita do brasileiro � China, em abril deste ano (foto: Ricardo Stuckert/Presid�ncia da Rep�blica)

Diplomacia presidencial

O outro ponto citado pelos especialistas ouvidos pela BBC News Brasil para explicar a quantidade de viagens de Lula nos primeiros meses de seu novo governo � o que os estudiosos de pol�tica externa chamam de diplomacia presidencial.

"A diplomacia presidencial � aquela marcada pela pretens�o do l�der em se envolver diretamente em negocia��es internacionais com outras lideran�as sem utilizar, necessariamente, o interm�dio de ministros e diplomatas", explica Fernanda Magnotta.

Cientistas pol�ticos e acad�micos do campo das rela��es internacionais tamb�m ponderam que o exerc�cio da diplomacia presidencial pode refletir de forma mais ou menos acentuada caracter�sticas ou interesses pessoais do governante.

Dessa forma, l�deres mais interessados em pol�tica externa tenderiam a ter uma atua��o mais forte em f�runs multilaterais, enquanto outros, mais preocupados com quest�es dom�sticas, adotariam um perfil diferente.

Os acad�micos avaliam tamb�m que a diplomacia presidencial pode, em alguma medida, gerar descontinuidade de projetos ou mudan�as abruptas de prioridade a cada mudan�a de governo, especialmente em pa�ses nos quais os poderes do governante s�o maiores, como normalmente acontece nos regimes presidenciais.

"Isso (rela��es internacionais) � visto por l�deres, e Lula � um deles, como uma forma de aumentar a visibilidade do pa�s e do seu governo no cen�rio internacional para defender os interesses da na��o com a m�xima efetividade simb�lica", diz Magnotta.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam que Lula j� havia demonstrado interesse em pol�tica externa nos seus dois primeiros mandatos (2003 a 2006 e 2007 a 2010). Por isso, o foco de Lula em uma agenda repleta de compromissos internacionais n�o chegou a surpreender os analistas ouvidos.

"Lula j� havia feito isso no passado. Essas viagens todas s�o uma decorr�ncia da forma como o presidente v� qual � o papel que o pa�s deve desempenhar. Ele est� aproveitando a visibilidade internacional que tem", afirmou o diplomata Rubens Barbosa.

Segundo Fernanda Magnotta, a intensidade das viagens de Lula tamb�m t�m rela��o com a sua vis�o de mundo.

"Lula parece acreditar que � do interesse do Brasil se colocar como um ator global e n�o apenas uma pot�ncia m�dia ou regional. Um ator global interessado em rever a ordem internacional", diz a professora.

Em entrevista � BBC News Brasil em agosto, o professor de Rela��es Internacionais da Funda��o Getulio Vargas (FGV) Oliver Stuenkel disse ver que h� um esfor�o em curso do governo brasileiro para aumentar a influ�ncia global do pa�s.

"H� um esfor�o claro de querer ampliar a visibilidade e influ�ncia do Brasil sobretudo depois de 10 anos que inviabilizaram uma atua��o do Brasil na arena internacional", disse Stuenkel.

Com esse objetivo em mente, as viagens de Lula ao exterior seriam uma forma de atingir essa meta.

Plenário da Câmara dos Deputados
Governo tem sido criticado por n�o conseguir formar uma base s�lida no Congresso Nacional (foto: Zeca Ribeiro/C�mara dos Deputados)

Oportunidades, cr�ticas e riscos

Fernanda Magnotta aponta que a presen�a de Lula em tantos eventos internacionais pode representar algumas oportunidades ao Brasil.

"A principal vantagem de uma agenda t�o intensa � o aumento da visibilidade global. Quando temos um presidente ativo internacionalmente, isso pode atrair investimentos, oportunidades e aumentar as chances de haver articula��es pol�ticas com outros pa�ses", disse a professora.

A quantidade de viagens de Lula, no entanto, passou a ser alvo de cr�ticas de oposicionistas poucos meses ap�s ele iniciar o seu mandato.

Uma das cr�ticas � de que Lula estaria supostamente mais interessado em temas internacionais como a guerra na Ucr�nia (suas interven��es sobre o assunto geraram pol�mica) do que em quest�es dom�sticas, como a dificuldade do governo de montar uma base parlamentar s�lida ou a pol�tica econ�mica.

"Um foco excessivo na pol�tica externa traz consigo alguns riscos. Muita gente vai dizer, por exemplo, que a agenda externa gera uma desaten��o para as quest�es internas do pa�s", explica Fernanda Magnotta.

E Rubens Barbosa diz: "At� agora, o governo conseguiu aprovar seus projetos, mas se alguma reforma importante empacar, o presidente poder� ser alvo de cr�ticas mais pesadas por conta dessa agenda internacional".

Um dos problemas mais recorrentes do atual governo � sua sustenta��o parlamentar no Congresso Nacional.

Apesar de o governo vir conseguindo aprovar a maior parte dos seus projetos como o novo arcabou�o fiscal e a primeira parte da reforma tribut�ria, analistas pol�ticos avaliam que Lula ainda n�o tem uma base s�lida e que depende de negocia��es pontuais para conseguir fazer avan�ar a sua agenda.

Na tentativa de ampliar sua base, o governo vem promovendo mudan�as no comando de minist�rios. Nos �ltimos meses, o deputado federal Celso Sabino (Uni�o Brasil-PA) assumiu a pasta do Turismo ap�s a sa�da de Daniela Carneiro.

H� ainda a expectativa de uma reforma ministerial nos pr�ximos dias, mas que vem sendo adiada e parte desse atraso vem sendo atribu�do � agenda internacional de Lula nos �ltimos meses.

O deputado federal Rog�rio Correia (PT-MG), um dos vice-l�deres do governo na C�mara dos Deputados, admitiu � BBC News Brasil que houve, nos primeiros meses do governo, certa preocupa��o com rela��o a como as viagens de Lula poderiam afetar a capacidade de articula��o pol�tica da atual administra��o.

Ele diz que um ponto de aten��o foi a tramita��o da medida provis�ria que determinou a atual organiza��o dos minist�rios do governo Lula.

Em maio, a tramita��o da MP come�ou a preocupar o governo depois que membros do chamado Centr�o, que lideravam esse processo, inseriram mudan�as como a retirada de poderes dos minist�rios dos Povos Ind�genas (MPI) e do Minist�rio do Meio Ambiente (MMA).

Em meio ao impasse, os dias foram se passando sem que o governo conseguisse chegar a um acordo. O risco era que, se a MP n�o fosse votada e convertida em lei at� os primeiros dias de junho, ela perderia validade e a estrutura dos minist�rios do governo Lula teria que ser a mesma herdade do governo Bolsonaro.

O problema � que em maio, enquanto as negocia��es no Congresso Nacional iam a todo vapor e o governo encontrava resist�ncias, Lula cumpria uma intensa agenda internacional visitando o Reino Unido, Jap�o, It�lia e Vaticano.

Nos bastidores, at� mesmo integrantes do governo reclamaram da dificuldade em alinhar os termos da negocia��o com o Centr�o enquanto o presidente estava fora do pa�s.

A MP acabou sendo aprovada no �ltimo dia antes de perder a validade e com a perda de atribui��es do MPI e do MMA.

"Ali, a gente ficou um pouco preocupado", lembra o deputado. "O problema n�o eram as viagens, mas a qualidade do tempo que se dedicava � articula��o. Mas isso j� foi resolvido. Quando est� em Bras�lia, o presidente tem se dedicado mais � articula��o. E quando est� fora, os temas dom�sticos tamb�m s�o repassados a ele diretamente", diz o parlamentar.

Fernanda Magnotta diz que outro ponto de tens�o quando um governo assume uma pol�tica externa t�o movimentada � com rela��o � expectativa do seu resultado e o potencial de polariza��o pol�tica.

"Na medida em que h� um aumento desses compromissos, tamb�m aumentam as expectativas e, por consequ�ncia, as cobran�as e as frustra��es. O risco dessa diplomacia intensiva est� ligado �s entregas que ela ser� capaz de fazer e da possibilidade de uso pol�tico de tudo o que � decidido como elemento que incentive a polariza��o pol�tica que j� existe no pa�s", diz a professora.

O senador e l�der da oposi��o no Senado, Rog�rio Marinho (PL-RN), critica, por exemplo, a condu��o da pol�tica externa de Lula.

"Durante o governo Bolsonaro, n�s fechamos o acordo comercial entre Mercosul e Uni�o Europeia e, agora, o acordo est� parado. Al�m disso, o presidente Lula vem dando declara��es equivocadas sobre a guerra na Ucr�nia", diz Marinho.

Freio

Integrantes do governo apontam que o ritmo de viagens de Lula nos pr�ximos meses dever� diminuir. Ap�s as idas � �ndia para a reuni�o do G20, grupo das 20 maiores economias do mundo, Cuba e Estados Unidos (para a Assembleia Geral da ONU), Lula far� uma pausa para se submeter a uma cirurgia no quadril.

H� meses, o presidente vem sofrendo com dores cr�nicas na regi�o. A cirurgia est� prevista para acontecer no final de setembro ou in�cio de outubro e dever� lhe obrigar a ficar em recupera��o por algumas semanas.

A poss�vel pr�xima viagem internacional de Lula em 2023 � a ida para a COP-28 (Confer�ncia das Na��es Unidas para o Clima), entre novembro e dezembro, nos Emirados �rabes Unidos.


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