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Estado de Minas NEUROCI�NCIA

'Gera��o digital': por que, pela 1� vez, filhos t�m QI inferior ao dos pais

Para neurocientista Michel Desmurget, crian�as de hoje 's�o atordoadas por entretenimento bobo, privadas de linguagem, incapazes de refletir sobre o mundo, mas felizes com sua sina'.


30/10/2020 13:23 - atualizado 30/10/2020 13:38
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Vários estudos têm mostrado que, quando o uso de televisão ou videogame aumenta, o QI diminui, afirma o neurocientista Michel Desmurget
V�rios estudos t�m mostrado que, quando o uso de televis�o ou videogame aumenta, o QI diminui, afirma o neurocientista Michel Desmurget (foto: Getty Images)

A F�brica de Cretinos Digitais. Este � o t�tulo do �ltimo livro do neurocientista franc�s Michel Desmurget, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Sa�de da Fran�a, em que apresenta, com dados concretos e de forma conclusiva, como os dispositivos digitais est�o afetando seriamente — e para o mal — o desenvolvimento neural de crian�as e jovens.

"Simplesmente n�o h� desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos e como estamos colocando em risco seu futuro e desenvolvimento", alerta o especialista em entrevista � BBC News Mundo, o servi�o de not�cias em espanhol da BBC.

As evid�ncias s�o palp�veis: j� h� um tempo que o testes de QI t�m apontado que as novas gera��es s�o menos inteligentes que anteriores.

 

 

 

 

Desmurget acumula vasta publica��o cient�fica e j� passou por centros de pesquisa renomados como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Universidade da Calif�rnia, nos Estados Unidos.

Seu livro se tornou um best-seller gigantesco na Fran�a. Veja abaixo trechos da entrevista com ele.

BBC News Mundo: Os jovens de hoje s�o a primeira gera��o da hist�ria com um QI (Quociente de Intelig�ncia) mais baixo do que a �ltima?

Michel Desmurget: Sim. O QI � medido por um teste padr�o. No entanto, n�o � um teste "est�tico", sendo frequentemente revisado. Meus pais n�o fizeram o mesmo teste que eu, por exemplo, mas um grupo de pessoas pode ser submetido a uma vers�o antiga do teste.


Neurocientista Michel Desmurget acredita que infância de hoje está exposta a uma 'orgia digital'
Neurocientista Michel Desmurget acredita que inf�ncia de hoje est� exposta a uma "orgia digital" (foto: Michel Desmurget)

E, ao fazer isso, os pesquisadores observaram em muitas partes do mundo que o QI aumentou de gera��o em gera��o. Isso foi chamado de 'efeito Flynn', em refer�ncia ao psic�logo americano que descreveu esse fen�meno. Mas recentemente, essa tend�ncia come�ou a se reverter em v�rios pa�ses.

� verdade que o QI � fortemente afetado por fatores como o sistema de sa�de, o sistema escolar, a nutri��o, etc. Mas se considerarmos os pa�ses onde os fatores socioecon�micos t�m sido bastante est�veis por d�cadas, o 'efeito Flynn' come�a a diminuir.

Nesses pa�ses, os "nativos digitais" s�o os primeiros filhos a ter QI inferior ao dos pais. � uma tend�ncia que foi documentada na Noruega, Dinamarca, Finl�ndia, Holanda, Fran�a, etc.

BBC News Mundo: E o que est� causando essa diminui��o no QI?

Desmurget: Infelizmente, ainda n�o � poss�vel determinar o papel espec�fico de cada fator, incluindo por exemplo a polui��o (especialmente a exposi��o precoce a pesticidas) ou a exposi��o a telas. O que sabemos com certeza � que, mesmo que o tempo de tela de uma crian�a n�o seja o �nico culpado, isso tem um efeito significativo em seu QI. V�rios estudos t�m mostrado que quando o uso de televis�o ou videogame aumenta, o QI e o desenvolvimento cognitivo diminuem.

Os principais alicerces da nossa intelig�ncia s�o afetados: linguagem, concentra��o, mem�ria, cultura (definida como um corpo de conhecimento que nos ajuda a organizar e compreender o mundo). Em �ltima an�lise, esses impactos levam a uma queda significativa no desempenho acad�mico.

BBC News Mundo: E por que o uso de dispositivos digitais causa tudo isso?

Desmurget: As causas tamb�m s�o claramente identificadas: diminui��o da qualidade e quantidade das intera��es intrafamiliares, essenciais para o desenvolvimento da linguagem e do emocional; diminui��o do tempo dedicado a outras atividades mais enriquecedoras (li��o de casa, m�sica, arte, leitura, etc.); perturba��o do sono, que � quantitativamente reduzida e qualitativamente degradada; superestimula��o da aten��o, levando a dist�rbios de concentra��o, aprendizagem e impulsividade; subestimula��o intelectual, que impede o c�rebro de desenvolver todo o seu potencial; e o sedentarismo excessivo que, al�m do desenvolvimento corporal, influencia a matura��o cerebral.

BBC News Mundo: Que dano exatamente as telas causam ao sistema neurol�gico?

Desmurget: O c�rebro n�o � um �rg�o "est�vel". Suas caracter�sticas 'finais' dependem da nossa experi�ncia. O mundo em que vivemos, os desafios que enfrentamos, modificam tanto a estrutura quanto o seu funcionamento, e algumas regi�es do c�rebro se especializam, algumas redes s�o criadas e fortalecidas, outras se perdem, algumas se tornam mais densas e outras mais finas.


Nossos pais não passaram no mesmo teste de QI que nós, observa neurocientista
Nossos pais n�o passaram no mesmo teste de QI que n�s, observa neurocientista (foto: Getty Images)

Observou-se que o tempo gasto em frente a uma tela para fins recreativos atrasa a matura��o anat�mica e funcional do c�rebro em v�rias redes cognitivas relacionadas � linguagem e � aten��o.

Deve-se ressaltar que nem todas as atividades alimentam a constru��o do c�rebro com a mesma efici�ncia.

BBC News Mundo: O que isso quer dizer?

Desmurget: Atividades relacionadas � escola, trabalho intelectual, leitura, m�sica, arte, esportes… todas t�m um poder de estrutura��o e nutri��o muito maior para o c�rebro do que as telas.

Mas nada dura para sempre. O potencial para a plasticidade cerebral � extremo durante a inf�ncia e adolesc�ncia. Depois, ele come�a a desaparecer. Ele n�o vai embora, mas se torna muito menos eficiente.

O c�rebro pode ser comparado a uma massa de modelar. No in�cio, � �mida e f�cil de esculpir. Mas, com o tempo, fica mais seca e muito mais dif�cil de modelar. O problema com as telas � que elas alteram o desenvolvimento do c�rebro de nossos filhos e o empobrecem.

BBC News Mundo: Todas as telas s�o igualmente prejudiciais?

Desmurget: Ningu�m diz que a "revolu��o digital" � ruim e deve ser interrompida. Eu pr�prio passo boa parte do meu dia de trabalho com ferramentas digitais. E quando minha filha entrou na escola prim�ria, comecei a ensin�-la a usar alguns softwares de escrit�rio e a pesquisar informa��es na internet.

Os alunos devem aprender habilidades e ferramentas b�sicas de inform�tica? Claro. Da mesma forma, pode a tecnologia digital ser uma ferramenta relevante no arsenal pedag�gico dos professores? Claro, se faz parte de um projeto educacional estruturado e se o uso de um determinado software promove efetivamente a transmiss�o do conhecimento.

Por�m, quando uma tela � colocada nas m�os de uma crian�a ou adolescente, quase sempre prevalecem os usos recreativos mais empobrecedores. Isso inclui, em ordem de import�ncia: televis�o, que continua sendo a tela n�mero um de todas as idades (filmes, s�ries, clipes, etc.); depois os videogames (principalmente de a��o e violentos) e, finalmente, na adolesc�ncia, um frenesi de autoexposi��o in�til nas redes sociais.

BBC News Mundo: Quanto tempo as crian�as e os jovens costumam passar em frente �s telas?

Desmurget: Em m�dia, quase tr�s horas por dia para crian�as de 2 anos, cerca de cinco horas para crian�as de 8 anos e mais de sete horas para adolescentes.


Uma criança de 2 anos passa quase três horas por dia em frente às telas, em média
Uma crian�a de 2 anos passa quase tr�s horas por dia em frente �s telas, em m�dia (foto: Thanasis Zovoilis/Getty Images)

Isso significa que antes de completar 18 anos, nossos filhos ter�o passado o equivalente a 30 anos letivos em frente �s telas ou, se preferir, 16 anos trabalhando em tempo integral!

� simplesmente insano e irrespons�vel.

BBC News Mundo: Quanto tempo as crian�as devem passar em frente a telas?

Desmurget: Envolver as crian�as � importante. Eles precisam ser informados de que as telas danificam o c�rebro, prejudicam o sono, interferem na aquisi��o da linguagem, enfraquecem o desempenho acad�mico, prejudicam a concentra��o, aumentam o risco de obesidade, etc.

Alguns estudos mostram que � mais f�cil para crian�as e adolescentes seguirem as regras sobre telas quando sua raz�o de ser � explicada e discutida com eles. A partir da�, a ideia geral � simples: em qualquer idade, o m�nimo � o melhor.

Al�m dessa regra geral, diretrizes mais espec�ficas podem ser fornecidas com base na idade da crian�a. Antes dos seis anos, o ideal � n�o ter telas (o que n�o significa que de vez em quando voc� n�o possa assistir a desenhos com seus filhos).

Quanto mais cedo forem expostos, maiores ser�o os impactos negativos e o risco de consumo excessivo subsequente.

A partir dos seis anos, se os conte�dos forem adaptados e o sono preservado, o tempo em frente a tela pode chegar at� meia hora ou at� uma hora por dia, sem uma influ�ncia negativa apreci�vel.

Outras regras relevantes: sem telas pela manh� antes de ir para a escola, nada � noite antes de ir para a cama ou quando estiver com outras pessoas. E, acima de tudo, sem telas no quarto.

Mas � dif�cil dizer aos nossos filhos que as telas s�o um problema quando n�s, como pais, estamos constantemente conectados aos nossos smartphones ou consoles de jogos.

BBC News Mundo: Por que muitos pais desconhecem os perigos das telas?

Desmurget: Porque a informa��o dada aos pais � parcial e tendenciosa. A grande m�dia est� repleta de afirma��es infundadas, propaganda enganosa e informa��es imprecisas. A discrep�ncia entre o conte�do da m�dia e a realidade cient�fica costuma ser perturbadora, se n�o enfurecedora. N�o quero dizer que a m�dia seja desonesta: separar o joio do trigo n�o � f�cil, mesmo para jornalistas honestos e conscienciosos.

Mas n�o � surpreendente. A ind�stria digital gera bilh�es de d�lares em lucros a cada ano. E, obviamente, crian�as e adolescentes s�o um recurso muito lucrativo. E para empresas que valem bilh�es de d�lares, � f�cil encontrar cientistas complacentes e lobistas dedicados.


Empresas digitais contratam especialistas para explicar como os jogadores inteligentes são e como é bom jogar videogame
Empresas digitais contratam especialistas para explicar como os jogadores inteligentes s�o e como � bom jogar videogame (foto: Tomohiro Ohsumi/Getty Images)

Recentemente, uma psic�loga, supostamente especialista em videogames, explicou em v�rios meios de comunica��o que esses jogos t�m efeitos positivos, que n�o devem ser demonizados, que n�o jog�-los pode ser at� uma desvantagem para o futuro de uma crian�a, que os jogos mais violentos podem ter a��es terap�uticas e ser capaz de aplacar a raiva dos jogadores, etc.

O problema � que nenhum dos jornalistas que entrevistaram esse "especialista" mencionou que ela trabalhava para a ind�stria de videogames. E este � apenas um exemplo entre muitos descritos em meu livro.

Isso n�o � algo novo: j� aconteceu no passado com o tabaco, aquecimento global, pesticidas, a��car, etc.

Mas acho que h� espa�o para esperan�a. Com o tempo, a realidade se torna cada vez mais dif�cil de negar.

BBC News Mundo:H� estudos que afirmam, por exemplo, que os videogames ajudam a obter melhores resultados acad�micos…

Desmurget: Digo com franqueza: isso � um absurdo.

Essa ideia � uma verdadeira obra-prima de propaganda. Baseia-se principalmente em alguns estudos isolados com dados imprecisos, que s�o publicados em peri�dicos secund�rios, pois muitas vezes se contradizem.

Em uma interessante pesquisa experimental, consoles de jogos foram dados a crian�as que iam bem na escola. Depois de quatro meses, elas passaram mais tempo jogando e menos fazendo o dever de casa. Suas notas ca�ram cerca de 5% (o que � muito em apenas quatro meses!).

Em outro estudo, as crian�as tiveram que aprender uma lista de palavras. Uma hora depois, algumas puderam jogar um jogo de corrida de carros. Duas horas depois, foram para a cama.

Na manh� seguinte, as crian�as que n�o jogaram lembravam cerca de 80% da aula em compara��o com 50% das que jogaram.

Os autores descobriram que brincar interferia no sono e na memoriza��o.

BBC News Mundo: Como o Sr. acha que os membros dessa gera��o digital ser�o quando se tornarem adultos?

Desmurget: Costumo ouvir que os nativos digitais sabem "de maneira diferente". A ideia � que embora apresentem d�ficits lingu�sticos, de aten��o e de conhecimento, s�o muito bons em "outras coisas". A quest�o est� na defini��o dessas "outras coisas".

V�rios estudos indicam que, ao contr�rio das cren�as comuns, eles n�o s�o muito bons com computadores. Um relat�rio da Uni�o Europeia explica que a baixa compet�ncia digital impede a ado��o de tecnologias educacionais nas escolas.


Vários países estão começando a legislar contra o uso das telas
V�rios pa�ses est�o come�ando a legislar contra o uso das telas (foto: Rebecca Nelson/Getty Images)

Outros estudos tamb�m indicam que eles n�o s�o muito eficientes no processamento e entendimento da vasta quantidade de informa��es dispon�veis na internet.

Ent�o, o que resta? Eles s�o obviamente bons para usar aplicativos digitais b�sicos, comprar produtos online, baixar m�sicas e filmes, etc.

Para mim, essas crian�as se assemelham �s descritas por Aldous Huxley em seu famoso romance dist�pico Admir�vel Mundo Novo: atordoadas por entretenimento bobo, privadas de linguagem, incapazes de refletir sobre o mundo, mas felizes com sua sina.

BBC News Mundo: Alguns pa�ses est�o come�ando a legislar contra o uso de telas?

Desmurget: Sim, especialmente na �sia. Taiwan, por exemplo, considera o uso excessivo de telas uma forma de abuso infantil e aprovou uma lei que estabelece multas pesadas para pais que exp�em crian�as menores de 24 meses a qualquer aplicativo digital e que n�o limita o tempo de tela de meninos entre 2 e 18 anos.

Na China, as autoridades tomaram medidas dr�sticas para regulamentar o consumo de videogames por menores: crian�as e adolescentes n�o podem mais brincar � noite (entre 22h e 8h) ou ultrapassar 90 minutos de exposi��o di�ria durante a semana (180 minutos nos finais de semana e f�rias escolares).

BBC News Mundo: O Sr. acredita que � bom que existam leis que protegem as crian�as das telas?

Desmurget: N�o gosto de proibi��es e n�o quero que ningu�m me diga como criar minha filha. No entanto, � claro que as escolhas educacionais s� podem ser exercidas livremente quando as informa��es fornecidas aos pais s�o honestas e abrangentes.

Acho que uma campanha de informa��o justa sobre o impacto das telas no desenvolvimento com diretrizes claras seria um bom come�o: nada de telas para crian�as de at� seis anos de idade e n�o mais do que 30-60 minutos por dia.

BBC News Mundo: Se essa orgia digital, como voc� a define, n�o para, o que podemos esperar?

Desmurget: Um aumento das desigualdades sociais e uma divis�o progressiva da nossa sociedade entre uma minoria de crian�as preservadas desta "orgia digital" — os chamados alfas do livro de Huxley —, que possuir�o, atrav�s da cultura e da linguagem, todas as ferramentas necess�rias pensar e refletir sobre o mundo, e uma maioria de crian�as com ferramentas cognitivas e culturais limitadas — os chamados gamas na mesma obra —, incapazes de compreender o mundo e agir como cidad�os cultos.

Os alfas frequentar�o escolas particulares caras com professores humanos "reais". J� os gamas ir�o para escolas p�blicas virtuais com suporte humano limitado, onde ser�o alimentados com uma pseudo-linguagem semelhante � "novil�ngua" de (George) Orwell (em 1984) e aprender�o as habilidades b�sicas de t�cnicos de m�dio ou baixo n�vel (proje��es econ�micas dizem que este tipo de empregos ser�o super-representados na for�a de trabalho de amanh�).

Um mundo triste em que, como disse o soci�logo Neil Postman, eles v�o se divertir at� a morte. Um mundo no qual, atrav�s do acesso constante e debilitante ao entretenimento, eles aprender�o a amar sua servid�o. Desculpe por n�o ser mais otimista.

Talvez (e espero que sim) eu esteja errado. Mas simplesmente n�o h� desculpa para o que estamos fazendo com nossos filhos e como estamos colocando em risco seu futuro e desenvolvimento.


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