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Estado de Minas CI�NCIA

Vacina para HIV: O estudante que perdeu o tio para a aids e decidiu ajudar na busca por imunizante

Em 2008, Thiago Storari era adolescente quando visitou o tio, que estava em estado grave em decorr�ncia de complica��es da aids. Em maio deste ano, o estudante decidiu ser volunt�rio em pesquisa sobre imunizante contra o HIV.


16/06/2021 09:02 - atualizado 16/06/2021 09:29


Thiago Storari, de 29 anos, é voluntário em estudo sobre vacina contra o HIV
Thiago Storari, de 29 anos, � volunt�rio em estudo sobre vacina contra o HIV (foto: Arquivo pessoal)

No in�cio de 2008, o ent�o adolescente Thiago Storari foi ao Instituto de Infectologia Em�lio Ribas, em S�o Paulo (SP), para visitar o tio que estava em seus �ltimos meses de vida em decorr�ncia de complica��es da aids, a doen�a causada pelo v�rus HIV.

Em maio deste ano, Thiago retornou � unidade de sa�de. Hoje com 29 anos e estudando direito, ele voltou ao local para ser volunt�rio na pesquisa de uma vacina que est� sendo testada contra o HIV.

Para o estudante, participar da pesquisa � uma forma de ajudar a ci�ncia e tentar evitar que outros sofram como o tio dele.

"N�o quero que mais ningu�m fique doente por causa do HIV, nem que outra fam�lia passe pelo que a minha passou", relata � BBC News Brasil.

O estudo do qual ele est� participando, intitulado Mosaico, � o �nico de fase tr�s contra o HIV em todo o mundo atualmente. Essa � a �ltima etapa antes de o imunizante, caso aprovado nessa fase, ser disponibilizado para a popula��o.

Os respons�veis pelo estudo s�o a empresa Janssen, controlada pela Johnson & Johnson, o Instituto Nacional de Alergias e Doen�as Infecciosas dos Estados Unidos (%u200BNIAID, na sigla em ingl�s), a Rede de Ensaios de Vacinas contra o HIV e o Comando de Pesquisa e Desenvolvimento M�dico do Ex�rcito dos EUA.

A pesquisa � considerada um avan�o muito importante no combate ao v�rus, que teve os primeiros casos confirmados no in�cio da d�cada de 80.

Nas �ltimas d�cadas, diversos cientistas trabalharam para tentar descobrir um imunizante contra o HIV. J� foram testadas outras vacinas, mas nenhuma foi considerada eficaz o suficiente para ser aplicada na popula��o.

Entre os grandes desafios para encontrar um imunizante contra o HIV est�o o fato de ele possuir muitas variedades e sofrer diversas muta��es para evitar ser atacado pelo sistema imunol�gico.

No caso do estudo em fase tr�s atualmente, os cientistas desenvolveram o imunizante por meio de partes diferentes do HIV — uma esp�cie de mosaico — para atuar contra os mais diversos tipos do v�rus.

Os especialistas t�m grandes expectativas sobre o estudo Mosaico porque consideram que os conhecimentos que adquiriram nas �ltimas d�cadas, e at� as tentativas frustradas de encontrar um imunizante, foram fundamentais para chegar � vacina que est� sendo testada atualmente.

A morte do tio


Vagner morreu em 2008, aos 37 anos. Família relata que ele teve problemas de saúde após abandonar o tratamento contra o HIV
Vagner morreu em 2008, aos 37 anos. Fam�lia relata que ele teve problemas de sa�de ap�s abandonar o tratamento contra o HIV (foto: Arquivo pessoal)

Por muitos anos, a imagem que Thiago carregou do HIV era a do tio, que se chamava Vagner, em fase terminal.

Vagner contraiu o HIV em meados dos anos 90. "Ele foi infectado por usar drogas injet�veis. Pouco depois, foi preso por roubo de carga. Na pris�o, teve tuberculose duas vezes e a minha tia conta que foi l� que ele come�ou o tratamento com antirretrovirais contra o HIV", relata Thiago.

O uso de medicamentos antirretrovirais, distribu�dos gratuitamente por meio do Sistema �nico de Sa�de (SUS), permite que um paciente possa viver bem e impede que desenvolva a aids.

Desde 1996, o Brasil garante o tratamento universal e gratuito por meio do SUS a pessoas que vivem com o HIV. Atualmente, 640 mil pessoas recebem medicamentos contra o v�rus no pa�s, segundo o Minist�rio da Sa�de.

A sa�de de Vagner piorou quando ele decidiu, por volta de 2007, suspender as medica��es. Segundo a fam�lia, o homem acreditava que estava curado do v�rus.

Essa decis�o foi crucial para que Vagner ficasse cada vez mais debilitado. Isso porque os antirretrovirais devem ser consumidos de modo cont�nuo, pois s�o a �nica forma de garantir que um paciente possa viver bem com o HIV e fique indetect�vel — quando deixa de transmitir o v�rus. Sem eles, o sistema imunol�gico do paciente � duramente afetado.

"Enquanto o meu tio fazia tratamento, ele estava bem. Ele se tornou pastor em uma igreja e formou fam�lia. Mas quando ele acreditou que n�o precisava dos rem�dios mais, emagreceu muito e ficou muito fr�gil. Qualquer gripe que ele tinha j� o deixava muito ruim. A gente sabia que era porque ele havia abandonado o tratamento contra o HIV", relembra Thiago.

Mesmo com a sa�de cada vez mais debilitada, Vagner insistia que n�o precisava de rem�dios porque estava bem. "At� que ele ficou t�o mal que precisou ser internado no Em�lio Ribas no in�cio de 2008", comenta o sobrinho dele.

Thiago, na �poca com 16 anos, chegou a visitar o tio no hospital. "Ele estava muito fragilizado", relembra.

Ap�s cerca de tr�s meses de interna��o, os m�dicos pediram que Vagner fosse levado para a casa da fam�lia. "Disseram que o estado dele era irrevers�vel, porque ele n�o quis fazer o tratamento, e pediram que ele morresse perto dos parentes", diz Thiago.

Em casa, Vagner estava muito magro, n�o conseguia se alimentar direito e passava quase o dia inteiro deitado em sua cama.

Na �poca, ele se separou e passou a morar com a m�e. O homem sobreviveu por mais quatro meses ap�s deixar o hospital. "O meu tio chegou a pesar 30 quilos no fim da vida, por causa da aids. Quando ele contraiu uma pneumonia, n�o resistiu", relata o sobrinho. Vagner morreu em setembro de 2008, aos 37 anos.

Volunt�rio em pesquisa sobre imunizante


Registro de Thiago feito no momento em que recebeu a primeira dose no estudo de vacina contra o HIV
Registro de Thiago feito no momento em que recebeu a primeira dose no estudo de vacina contra o HIV (foto: Arquivo pessoal)

Desde a morte do tio, Thiago passou a conviver com o medo de ser infectado pelo HIV e viver situa��o semelhante � de Vagner. Ele admite que at� anos atr�s desconhecia sobre o tema e hoje entende que � poss�vel viver bem por meio dos antirretrovirais.

O jovem afirma que a hist�ria do tio fez com que ele tivesse um cuidado maior em rela��o ao HIV ou outras Infec��es Sexualmente Transmiss�veis (ISTs),

Quando passou a ter uma vida sexual ativa, h� cerca de quatro anos, come�ou a fazer exames com frequ�ncia. "Vivi diversos conflitos internos sobre a sexualidade, por causa da religi�o. Mas aos 25 ou 26 anos, me entendi como um homem gay e sabia da import�ncia de fazer os exames com frequ�ncia", relata.

No in�cio deste ano, quando foi a um posto de sa�de para fazer exames, ele viu um an�ncio sobre o estudo da vacina contra o HIV. No informativo, os respons�veis pela pesquisa diziam estar � procura de volunt�rios.

"Eu j� tinha visto sobre essa pesquisa em uma propaganda no Instagram. Mas fui me informar mesmo depois que vi o an�ncio no posto de sa�de. Conversei com a m�dica, e disse que queria participar. Por ter o caso do meu tio na minha fam�lia, achei que seria interessante participar dessa iniciativa", relata.

H� alguns crit�rios para se tornar volunt�rio da pesquisa. � preciso ter entre 18 e 60 anos e n�o pode viver com o HIV. Os participantes precisam fazer parte de dois grupos sociais com alta vulnerabilidade � infec��o: homem que faz sexo com outro homem ou indiv�duo transg�nero — � importante frisar que n�o somente esses grupos est�o suscet�veis ao v�rus.

As inscri��es para volunt�rios permanecem abertas. Os pesquisadores pedem que mais pessoas que se enquadrem no perfil e morem nas regi�es em que esses estudos s�o conduzidos, como S�o Paulo (SP), se inscrevam na iniciativa (mais informa��es neste link).

Al�m do Brasil, a pesquisa tamb�m � feita na Argentina, It�lia, M�xico, Peru, Pol�nia, Espanha e Estados Unidos. O estudo deve reunir cerca de 3,8 mil volunt�rios. As inscri��es come�aram em novembro de 2019, foram suspensas em raz�o da pandemia de covid-19 no ano passado e foram retomadas por volta de junho de 2020.

Os volunt�rios s�o selecionados a partir de um question�rio. Eles devem estar dispostos a passar por avalia��es m�dicas, consultas de aconselhamento e testes regulares para o HIV.

Ap�s se inscrever para participar da pesquisa, Thiago passou por triagem no Em�lio Ribas no in�cio de maio. Foi a primeira vez que ele retornou ao hospital, refer�ncia em infectologia. No local, fez uma avalia��o m�dica e psicol�gica. Posteriormente, foi considerado apto para participar dos testes.

Em 26 de maio, ele foi chamado para receber a primeira dose. Por se tratar de testes cl�nicos, Thiago n�o sabe se recebeu o imunizante ou um placebo — subst�ncia sem nenhum efeito no corpo.

Os volunt�rios de testes cl�nicos s�o divididos em dois grupos: aqueles que recebem doses do produto ativo e os que recebem placebo. Esse m�todo � fundamental para saber se um imunizante � seguro e eficaz.

O objetivo � que o grupo imunizado esteja mais protegido contra determinada doen�a infecciosa em rela��o aos que receberam placebo.

Ao longo de um ano, Thiago deve tomar mais tr�s doses e far� exames frequentes de HIV. "N�o fiquei com nenhum receio quando tomei a primeira dose. S� de fazer parte desse estudo que vai mudar a vida de muita gente, me sinto feliz", diz.

A vacina contra o HIV


Nas últimas décadas, cientistas de todo o mundo estudaram formas de criar um imunizante contra o HIV
Nas �ltimas d�cadas, cientistas de todo o mundo estudaram formas de criar um imunizante contra o HIV (foto: Getty Images)

Os resultados do estudo Mosaico devem ser divulgados em cerca de dois anos e meio, avaliam os cientistas.

A vacina � considerada fundamental no combate ao HIV. Por�m, � importante frisar que, al�m dos antirretrovirais para quem vive com o v�rus, houve diversos avan�os em rela��o ao tema nas �ltimas d�cadas.

Atualmente h� novas formas de preven��o ao v�rus, al�m dos preservativos. Uma delas � a profilaxia pr�-exposi��o (PrEP), comprimido com drogas antirretrovirais que previne a transmiss�o. Ela est� dispon�vel no SUS.

Outro avan�o � a Profilaxia P�s-Exposi��o (PEP), tratamento que deve ser feito ap�s suspeita de exposi��o ao HIV. O procedimento deve ser iniciado em, no m�ximo, 72 horas ap�s o contato com o v�rus e dura 28 dias. O m�todo tamb�m est� dispon�vel no SUS.

Enquanto o Brasil, que tem cerca de 920 mil pessoas vivendo com o HIV, � considerado um modelo na distribui��o de medicamentos, nem todos os lugares do mundo t�m o mesmo acesso aos antirretrovirais.

Para especialistas, n�o h� d�vidas de que a vacina � a melhor forma de evitar o avan�o do HIV em todo o mundo, que atualmente tem cerca de 38 milh�es de pessoas infectadas pelo v�rus. Essa imuniza��o � a forma mais eficaz de erradicar doen�as infecciosas.

Desde o in�cio da busca por uma vacina contra o HIV, h� cerca de 40 anos, o conhecimento sobre o v�rus avan�ou muito. Isso se deve tamb�m a muitos estudos que n�o conseguiram atingir o objetivo de descobrir um imunizante eficaz, mas ajudaram a avan�ar no tema.

"Hoje h� muito mais conhecimento em rela��o ao HIV e �s vacinas em geral. Agora, com as informa��es dos �ltimos anos e o entendimento sobre o v�rus � mais prov�vel montar um esquema de vacina��o que d� certo, aliando conhecimento cient�fico com base em tudo o que deu certo ou errado no passado", relata o infectologista �lvaro Furtado, do Centro de Refer�ncia e Treinamento DST/Aids de S�o Paulo.

O objetivo dos cientistas � encontrar uma vacina que possa combater as in�meras varia��es gen�ticas do HIV e estimule o sistema imunol�gico de forma mais ampla, porque o v�rus � muito diverso.

Por que vacina contra covid surgiu em t�o menos tempo?

O imunizante do estudo Mosaico � desenvolvido por meio de um conjunto de prote�nas semelhantes �s que comp�em a parte externa do HIV. Os cientistas frisam que n�o h� risco da vacina infectar os volunt�rios.

Um dos especialistas que conduzem a pesquisa no Brasil, Furtado explica porque foi poss�vel encontrar vacinas para a covid-19 em menos de um ano de pandemia, enquanto o HIV ainda n�o possui um imunizante efetivo.

"O HIV tem v�rias estrat�gias para encarar o sistema imunol�gico do paciente, porque possui uma varia��o gen�tica muito grande. � como se o HIV fosse uma caixa de l�pis de 36 cores, enquanto a covid � uma caixa com duas cores apenas", diz o infectologista.

"Como a varia��o gen�tica e geogr�fica do HIV � muito grande, o sistema imune consegue ser enganado com mais facilidade. Por isso � preciso uma vacina que pense nisso e estimule o sistema imunol�gico a encontrar formas de combater essa varia��o do v�rus", acrescenta.

Ainda sobre a covid-19, o m�dico ressalta que foi poss�vel produzir vacinas em um per�odo considerado curto porque j� havia conhecimentos sobre dois coronav�rus identificados nas �ltimas duas d�cadas, o Mers e o Sars.

"J� havia conhecimento cient�fico desses primeiros coronav�rus, por isso existia uma base de entendimento imunol�gico para se fazer uma vacina. J� se conhecia a estrutura do v�rus e as pe�as do quebra-cabe�a para uma vacina. Os estudos anteriores s� n�o caminharam porque essas epidemias acabaram e n�o deu para estudar em uma popula��o", explica o infectologista.

"O que aconteceu com a covid-19 � que foi uma epidemia astronomicamente maior. Com o conhecimento dos dois primeiros coronav�rus, foi poss�vel testar vacinas em larga escala em fase um, dois e tr�s", detalha Furtado.

A vacina contra a covid-19 tem sido fundamental para evitar novos casos e mortes pela doen�a pelo mundo. Pa�ses com boa parte da popula��o imunizada t�m retomado, aos poucos, a rotina de antes da pandemia.

A expectativa � de que, assim como no caso da covid-19, uma vacina eficaz impe�a o aumento de novas infec��es pelo HIV. Segundo estat�sticas globais, s�o registradas mais de 1 milh�o de novas infec��es pelo v�rus no mundo por ano.

"O objetivo � ver se a vacina � segura e se tem efic�cia acima de 50%. Se reduzir em 50% a transmiss�o de HIV no mundo, ela j� muda a hist�ria do v�rus", pontua o especialista.

"J� reduziria � metade os casos. Mas � preciso haver uma cobertura vacinal grande para ter essa efetividade populacional", ressalta Furtado.

'Estamos com grande expectativa'


Estudante decidiu ser voluntário por considerar que estudo de vacina representa um avanço muito importante
Estudante decidiu ser volunt�rio por considerar que estudo de vacina representa um avan�o muito importante (foto: Arquivo pessoal)

Para chegar aos resultados do estudo Mosaico, um comit� internacional ter� acesso aos dados das pesquisas feitas em diferentes pa�ses.

"Precisamos avaliar os volunt�rios ap�s o per�odo das vacinas. O HIV n�o � como a covid-19 em que a pessoa sai na rua sem m�scara e pode pegar. � preciso avaliar se ela teve rela��o desprotegida, se passou por alguma situa��o de risco (de infec��o pelo HIV) e fazer exames frequentes", explica Furtado.

"Se der certo, a inten��o � que comece a ser introduzida, principalmente, antes de uma pessoa come�ar a ter vida sexual", acrescenta o m�dico.

Caso a vacina seja considerada eficaz, Furtado considera que ser� um momento hist�rico. "Estamos com grande expectativa, por ser uma vacina desenvolvida tamb�m com base nos resultados dos estudos anteriores", diz.

Ele aponta que a descoberta da vacina pode ser tamb�m o caminho para chegar a uma cura do v�rus para as pessoas que vivem com HIV. "'� medida em que h� sucesso em uma vacina para preven��o, abre-se espa�o para desenvolver novas linhas de pesquisa para a cura", declara.

Para Thiago, o estudo em fase tr�s simboliza a esperan�a. Ele conta que os familiares, que viram o tio dele sofrer intensamente no passado, ficaram felizes ao descobrir sobre a pesquisa da vacina.

"Eu contei para o pessoal da minha fam�lia que estou participando do estudo. Uma tia comentou que � uma forma de fechar um ciclo. Ela viu o irm�o falecer por complica��es da aids e agora, com a ci�ncia mais avan�ada, o sobrinho ajuda na busca pela preven��o", diz.

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