
Cada vez mais pessoas est�o tendo sucesso em idades diferentes. Por que continuamos a dizer que existem pessoas "atrasadas"?
Doree Shafrir considera que o seu sucesso chegou tarde. Ela se casou com 38 anos, teve seu primeiro filho aos 41 e acha que se atrasou de forma geral, "para namorar, ter sexo, casar, ter filhos, encontrar o tipo de trabalho de que realmente gosto e ficar confort�vel comigo mesma".
Embora o caminho nem sempre tenha sido tranquilo, essa escritora de Los Angeles, nos Estados Unidos, agora com 44 anos de idade, � agradecida pela sua jornada e tem uma nova perspectiva pelas conquistas que, um dia, ela sentiu que estavam faltando.
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"Esses objetivos s�o um tanto arbitr�rios e determinados culturalmente", afirma ela. "Agora vejo que aquilo que eu achava que eram 'erros' s�o apenas outra parte da minha hist�ria."
Shafrir considera que suas mem�rias — Obrigada pela espera: a beleza (e a esquisitice) de chegar tarde ao sucesso, em tradu��o livre do ingl�s — s�o uma "suave corre��o da ideia de que precisamos fazer tudo dentro de uma programa��o". Mas esta � uma ideia profundamente arraigada.Muitos de n�s achamos — conscientemente ou n�o — que nossos caminhos devem seguir um cronograma r�gido de conquistas pessoais e profissionais. Podemos nos considerar fracassados se alguma dessas conquistas "atrasar", em parte devido � tend�ncia social de reconhecimento do sucesso na juventude.
Mas muitas pessoas atingem o auge da carreira, a prosperidade financeira ou o sucesso nos relacionamentos no seu pr�prio tempo. Na verdade, pesquisas indicam que � cada vez mais comum atingir os principais eventos da vida mais tarde que as gera��es anteriores.
Como estamos vivendo por mais tempo, trocando de carreiras com mais frequ�ncia e buscando mais significado para o nosso trabalho, faz sentido que mais pessoas "se atrasem" na vida. E, com isso, estigmatizar o sucesso atingido com mais idade - incluindo a ideia de que isso � menos significativo e mais surpreendente que ter sucesso quando jovem - torna-se uma ideia cada vez mais limitada e desatualizada da rela��o entre a idade e o sucesso.
O cronograma do sucesso
O pr�prio fato de rotularmos algu�m como "atrasado" tem origem, em parte, na nossa expectativa que as pessoas atinjam certos objetivos na vida em idades espec�ficas, muitas vezes quando jovens — e os que ultrapassam esses prazos teriam "ficado para tr�s".
Culturalmente, temos a tend�ncia e normalizar cronogramas espec�ficos — e muitas vezes consideramos aqueles que seguem esses cronogramas como mais bem-sucedidos — devido � obsess�o generalizada pelo sucesso quando jovem.
Os ideais modernos de sucesso s�o frequentemente acompanhados pela press�o da realiza��o com a menor idade poss�vel. O resultado � que podemos considerar as realiza��es com pouca idade como a norma geral ou, em casos excepcionais, inspiradoras, enquanto os sucessos obtidos com mais idade simplesmente atendem �s expectativas m�nimas — ou em vis�es mais extremas, s�o at� vistos como "tardios".
Mas, mesmo com essa narrativa internalizada do "quanto mais cedo, melhor", na verdade, n�o estamos atingindo os objetivos culturalmente definidos para n�s.
Em 2017, um estudo da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, demonstrou que, ao longo das gera��es, o tempo ideal das pessoas para atingir conquistas na vida, em m�dia, permaneceu constante: entrar em um emprego em tempo integral com 22 anos, come�ar a economizar para a aposentadoria com 25, casar-se com 27, comprar uma casa com 28 e ter filhos com 29 anos de idade.
Mas cada grupo et�rio sofreu uma queda sucessiva do percentual real de pessoas que cumprem essas marcas em compara��o com a gera��o anterior. As pessoas com 25 a 34 anos de idade exibem a maior diferen�a entre o tempo ideal e o real. Os pesquisadores conclu�ram que buscar esses objetivos antiquados � "levar as gera��es mais jovens ao fracasso".
Embora cada vez mais pessoas atinjam o sucesso com mais idade, as discuss�es sobre aqueles que "chegam tarde" continua. Ainda nos surpreendemos com hist�rias de sucesso de pessoas com mais idade e as enquadramos como fora do normal, apesar de elas existirem, tanto agora quanto em toda a hist�ria moderna.
"No sistema atual, se voc� n�o for identificado como uma pessoa que atingiu alguma coisa com pouca idade, voc� � considerado incapaz", explica Todd Rose, autor de O azar�o: como atingir o sucesso pela busca da realiza��o (em tradu��o livre do ingl�s), que estuda o comportamento cultural frente ao sucesso e � individualidade.
"Ficamos surpresos quando algu�m que n�o � jovem presta uma contribui��o importante — n�s n�o sabemos como compreender isso e consideramos uma curiosidade e n�o uma tend�ncia oculta", afirma Rose.

O que os "atrasados" t�m a ganhar?
A ideia de "atrasado" n�o est� apenas desatualizada. Ela pode tamb�m ser prejudicial para quem atinge o sucesso com mais idade do que o "esperado" para as conquistas pessoais. Essas pessoas podem enfrentar sentimentos de fracasso, compara��o negativa de si mesmas com os demais e at� a sensa��o de que foram esquecidas ou deixadas para tr�s.
"Todos n�s internalizamos o mito do sucesso quando jovem a tal ponto que muitas pessoas com mais idade tamb�m o internalizaram, o que � deprimente", afirma Rose. "Precisamos deixar para tr�s a ideia de que o r�pido � inteligente, em oposi��o ao lento, e a no��o de que 'se sou mais velho, � tarde demais para mim'. N�o podemos continuar permitindo que os 'atrasados' passem dificuldades, esperando que n�o sejam arruinados pelo sistema."
Em �ltima an�lise, a retirada da press�o pelo sucesso em um dado prazo � favor�vel n�o apenas para a sa�de mental, mas pode tamb�m permitir que as pessoas que atualmente rotulamos como "atrasadas" apreciem o sucesso caracter�stico de quem atingiu a realiza��o mais tarde.
Muitas dessas qualidades e habilidades s�o o resultado direto de passar mais tempo se autodescobrindo, aprendendo e mesmo fracassando.
"Os 'atrasados' podem enfrentar mais desafios no seu caminho para o sucesso, que os levam a desenvolver mais resili�ncia", afirma Chia-Jung Tsay, professora do University College de Londres, no Reino Unido, que estuda a psicologia e a percep��o de avan�o e desempenho. "Essas pessoas podem estar mais preparadas para adaptar-se a circunst�ncias dif�ceis, incertezas e mudan�as", segundo ela.
Al�m da maior flexibilidade, um caminho mais demorado para o sucesso tamb�m traz oportunidades para descobrir e cultivar valores significativos e paix�es que sejam pessoalmente representativas, e n�o impostas pela sociedade.
"O que permite o sucesso dos 'atrasados' � a sua experi�ncia acumulada, que permite compreender que seguir a opini�o de outra pessoa sobre uma vida bem sucedida nunca ir� lev�-los aonde eles desejam", afirma Rose. "Minha pesquisa demonstra que pessoas com 40, 50 e 60 anos de idade que n�o s�o realizadas e conseguem uma virada na vida ou na carreira muitas vezes acabam proporcionando contribui��es incr�veis."
Doree Shafrir passou por uma dessas mudan�as quando se demitiu do trabalho dos seus sonhos no jornalismo tradicional para lan�ar um podcast com pouco mais de 40 anos de idade. Apesar de se sentir fracassada em alguns momentos — como quando ela saiu de um curso de PhD, mudou-se de Nova York e passou por tratamentos de fertilidade —, olhando em retrospectiva, ela viu a import�ncia da sua mudan�a de caminho.
Apesar dos medos e d�vidas, ela compreendeu que havia "encontrado algo melhor — algo que eu tinha certeza que causava muito impacto na vida de outras pessoas e na minha pr�pria", segundo ela.
Como mudar a narrativa
Claramente, precisamos remodelar a forma como analisamos o sucesso com rela��o � idade — simplesmente n�o podemos manter uma orienta��o que leve a menosprezar o potencial inexplorado de toda uma faixa da popula��o.
"Como sociedade, precisamos mudar nossa mentalidade que considera os 'atrasados' uma anomalia", afirma Rose. "N�o existe absolutamente nenhuma rela��o entre a idade ou a velocidade em que voc� atinge um objetivo e a contribui��o final que voc� pode prestar."
Embora Shafrir tenha aprendido essa li��o no seu pr�prio tempo, ela espera que as gera��es futuras n�o passem pelas press�es para o sucesso com rela��o � idade que ela enfrentou - especialmente por ser mulher. "Precisamos permanecer vigilantes e continuar a desafiar o status quo que, no final das contas, n�o atende a muitos de n�s", acrescenta.
A pandemia pode oferecer essa abertura para iniciar a corre��o de curso. Para Rose, "a ruptura cria uma oportunidade para alterar intencionalmente o zeitgeist [o esp�rito da �poca] e considerar os 'atrasados' de uma nova forma."
"O conceito de pessoa que 'chegou tarde' � uma reminisc�ncia de uma �poca em que consider�vamos que rapidez significava capacidade. Agora, estamos mudando e o trabalho passa a ser uma fonte de realiza��o, e n�o s� de renda. Quando as pessoas perceberem que a realiza��o produz excel�ncia e n�o o contr�rio, poderemos ajudar as pessoas a prestar suas melhores contribui��es, sem importar quando elas ocorram."
Leia a �ntegra desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Worklife.
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