
Jejum intermitente � uma estrat�gia terap�utica utilizada desde os prim�rdios da medicina e um h�bito, ou melhor, uma tradi��o de algumas religi�es como o islamismo, que prega o Ramad�, m�s no qual os fi�is n�o se alimentam durante o dia. Nos �ltimos anos, milhares de estudos cient�ficos relataram as vantagens e limita��es do jejum intermitente para tratar a obesidade e outras disfun��es metab�licas.
"De uns tempos para c�, o jejum tem ganhado cada vez mais adeptos, por motivos de sa�de. O jejum intermitente ganhou consider�vel repercuss�o cient�fica e popular, sendo introduzido como m�todo de alimenta��o sob certas condi��es, na pr�tica cl�nica, principalmente por causa da evolu��o dos �ndices de obesidade no mundo, que leva a comunidade cientifica a buscar estrat�gias para combat�-la. Passou, assim, a ser mais conhecido e aceito no meio acad�mico", explica a m�dica nutr�loga Marcella Garcez, diretora e professora da Associa��o Brasileira de Nutrologia (ABRAN).
Com o sucesso do m�todo, � comum o jejum estar "na boca do povo", por�m, tratando-se de sa�de, � preciso ter cuidado ao abordar e disseminar o assunto, o que n�o foi o caso de algumas falas do surfista Pedro Scooby no BBB22. O confinado disse que praticava o jejum de 16 horas, pois "as c�lulas come�am a se consumir. Da� as c�lulas boas comem as ruins, as cancer�genas", disse Pedro.
Mas � realmente assim que funciona? Em resumo, a especialista esclarece que, embora existam evid�ncias de que o jejum intermitente possa ser uma forma de diminuir a inflama��o e o estresse oxidativo, assim prevenindo o c�ncer, ainda n�o h� consenso cient�fico sobre o assunto e mais pesquisas ainda precisam confirmar a hip�tese.
Estudos pr�-cl�nicos e ensaios cl�nicos mostraram que o jejum intermitente apresenta benef�cios de amplo espectro para muitas condi��es de sa�de, como obesidade, diabetes mellitus, doen�as cardiovasculares, c�nceres e dist�rbios neurol�gicos.
"Modelos animais mostram que o jejum intermitente melhora a sa�de ao longo da vida, resta determinar se as pessoas podem manter o jejum intermitente por anos e potencialmente acumular os benef�cios observados em modelos animais. Os efeitos ben�ficos da pr�tica envolvem trocas metab�licas e resist�ncia ao estresse celular", conta Garcez.
A hip�tese mais estudada � de que a restri��o alimentar por longos per�odos, em protocolos de 16 a 48 horas, pode estar relacionada com a modula��o da autofagia, um fen�meno de degrada��o e reciclagem que as c�lulas utilizam para eliminar toxinas.
Um estudo brasileiro da UNIFESP, publicado em 2018, aponta a possibilidade de usar a manipula��o diet�tica como um modulador de autofagia "bem como uma interven��o custo-efetiva para aumentar a resposta na desafiadora arena oncol�gica. Al�m disso, o jejum pode proteger as c�lulas normais da toxicidade dos agentes anticancer�genos, reduzindo os efeitos colaterais nos pacientes e aumentando os efeitos nocivos da quimioterapia, radioterapia e terapia direcionada em c�lulas tumorais", diz o estudo.
Em agosto do ano passado, uma pesquisa publicada na ACS (American Cancer Society) Journals concluiu que os efeitos do jejum intermitente em resultados de c�ncer clinicamente relevantes, como incid�ncia da doen�a e progn�stico ap�s o diagn�stico de c�ncer, s�o desconhecidos devido � falta de estudos em humanos.
"Estudos em humanos avaliando os efeitos do jejum intermitente na sinaliza��o de crescimento da insulina e outros marcadores hormonais e inflamat�rios pertinentes da carcinog�nese parecem ser clinicamente insignificantes, pelo menos com os dados atuais, que muitas vezes carecem de poder estat�stico e acompanhamento de longo prazo", destacou a pesquisa.
O trabalho, entretanto, mostrou que a obesidade, com suas altera��es metab�licas, moleculares e imunol�gicas associadas, aumenta o risco e piora o progn�stico de muitos c�nceres comuns, consequentemente, o controle de peso � crucial para pacientes com c�ncer e sobreviventes de c�ncer.
Efeito contr�rio
"Estudos mostraram evid�ncias de que os programas de restri��o cal�rica intermitente produzem perda de peso equivalente quando comparados com os de restri��o cal�rica cont�nua, com 9 dos 11 estudos revisados mostrando nenhuma diferen�a entre os grupos em peso ou perda de gordura corporal. Mas � necess�rio pontuar que o d�ficit cal�rico (comer menos do que o corpo gasta) deve ser mantido. Se n�o houver um planejamento e o consumo de calorias for excessivo nos per�odos de ingesta alimentar, pode haver ganho de peso e piora de perfil metab�lico", pontua a m�dica.
Dessa forma, o jejum intermitente, como uma dieta restritiva, pode ser uma estrat�gia de restri��o energ�tica peri�dica ou alimenta��o com restri��o de tempo, com periodicidade vari�vel.
V�rios regimes de restri��o de ingest�o cal�rica intermitente, reitera a profissional, ganharam popularidade nos �ltimos anos como estrat�gias para alcan�ar a perda de peso e outros benef�cios metab�licos � sa�de.
"Esses protocolos envolvem per�odos recorrentes com pouca ou nenhuma ingest�o de energia (por exemplo, 16 a 48 h), alternados com per�odos intermedi�rios de ingest�o de alimentos. Entre as principais estrat�gias est�o o jejum intermitente com restri��o energ�tica (diminui��o de calorias na dieta) de aproximadamente 60% em 2 ou 3 dias por semana, ou em dias alternados e alimenta��o com restri��o de tempo, com limita��o do per�odo di�rio de consumo alimentar para uma 'janela' (per�odo em que se pode comer) de 10h, 8h ou menos, diariamente ou na maioria dos dias da semana".
Garcez enfatiza, no entanto, que o jejum intermitente deve ser alternado com uma dieta saud�vel, equilibrada e variada e qualquer outra dieta de grande restri��o deve ser evitada. Tamb�m n�o h� sentido em uma alimenta��o desequilibrada, com alto consumo de calorias liberadas, alternada com per�odos de jejum.
Outro ponto importante � aproveitar a janela do sono para o jejum. O ideal � acompanhar o ritmo circadiano e fazer jejum no per�odo noturno, para n�o alterar o ciclo di�rio de sono e vig�lia. N�o h� um per�odo pr�-definido para o jejum e ele pode ser feito no resto da vida, desde que o paciente n�o se enquadre em nenhuma das contraindica��es (crian�as, idosos, gestantes, diab�ticos, portadores de insufici�ncia renal, pessoas com anemias, imunodeprimidos e na presen�a de doen�as infecciosas).
"� muito dif�cil a manuten��o de um protocolo de jejum intermitente por tempo indeterminado e cont�nuo. O melhor a fazer � ter um acompanhamento m�dico nutrol�gico para ado��o dessa ou de outras estrat�gias", completa a especialista.
Outras dietas contra o c�ncer
Outros padr�es de dieta tamb�m est�o sendo testados contra o c�ncer. Em julho do ano passado, um estudo publicado na Neurology, revista m�dica da American Academy of Neurology, avaliou a seguran�a da dieta cetog�nica, rica em gordura e pobre em carboidratos no tratamento de tumores cerebrais. O pequeno estudo demonstrou que a dieta era segura e vi�vel para pessoas com tumores cerebrais chamados astrocitomas, que poderiam ser de baixo grau ou alto grau.
"N�o h� tratamentos curativos para esses tipos de tumores cerebrais e as taxas de sobreviv�ncia s�o baixas, portanto, quaisquer novos avan�os s�o muito bem-vindos. Todas as pessoas haviam completado o tratamento de radioterapia e quimioterapia. A dieta levou a mudan�as no metabolismo do corpo e do c�rebro, mas o estudo n�o foi desenhado para determinar se a dieta poderia retardar o crescimento do tumor ou melhorar a sobrevida, apenas para determinar a seguran�a, viabilidade e mudan�as no metabolismo tumoral", destaca Gabriel Novaes de Rezende Batistella, m�dico neurologista e neuro-oncologista do HCor, membro da Society for Neuro-Oncology Latin America (SNOLA).
Segundo a m�dica nutr�loga, nessa dieta, o corpo muda o que usa para obter energia - em vez de carboidratos, usa o que se chama cetonas. "Fisiologicamente falando, faz sentido diminuir o apetite atrav�s da produ��o dos corpos cet�nicos, mas a pr�tica traz efeitos colaterais relevantes e n�o deve ser iniciada sem o acompanhamento de um especialista. As refei��es nessa dieta geralmente cont�m prote�nas de alto valor biol�gico, consumo de gorduras saud�veis e quantidades muito restritas de carboidratos complexos", elucida Garcez.
As c�lulas cancerosas dependem, em parte, da glicose e frutose, e de seu metabolismo, para se dividir, crescer e se manterem vi�veis. Como a dieta cetog�nica � pobre em a��car, as c�lulas cerebrais normais poderiam sobreviver com cetonas, mas a teoria � a de que as c�lulas cancerosas n�o podem usar cetonas como energia e dependeriam de outras formas para sobreviver, no entanto, segundo Batistella, � absolutamente improv�vel que sozinha a dieta cetog�nica seja �til no tratamento, assim como n�o temos qualquer evid�ncia hoje de que compense sugerir este tipo de dieta para pacientes que tratam um tumor cerebral.
"Esperamos que mais estudos ajudem a determinar se essa dieta pode prevenir o crescimento de tumores cerebrais e ajudar as pessoas a viver mais, mas esses resultados mostram que a dieta pode ser segura para pessoas com tumores cerebrais e produzir mudan�as no metabolismo do corpo e do c�rebro com sucesso", finaliza Gabriel.
* Estagi�ria sob supervis�o da subeditora Fernanda Borges.