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Estado de Minas SA�DE MENTAL

Esquizofrenia: um transtorno mental multifatorial e ainda incompreendido

A esquizofrenia � uma das doen�as mentais menos compreendidas por especialistas e uma das mais desafiantes para pacientes e familiares


31/07/2022 04:00 - atualizado 31/07/2022 10:40

Homem com as mãos no rosto em momento de agonia
Descrita formalmente no fim do s�culo 19, ainda como 'dementia praecox', a esquizofrenia � uma das mais estudadas doen�as mentais (foto: iStock/reprodu��o)
Na sala 210 do Louvre, em Paris, um �leo sobre madeira com 58cmX33cm cativa o olhar de quem visita as obras sacras da Ala Richelieu do museu. Entre as grandiosas esculturas g�ticas, est� a pequena pintura – a interpreta��o do holand�s Bosch de um tema explorado por outros artistas e que causa a mesma sensa��o de estranhamento provocada pelas que vieram antes e depois dela.

A alegoria faz refer�ncia a um bizarro costume dos s�culos 14 e 15, na Regi�o da Ren�nia, que, segundo o fil�sofo Michael Foucault, pode ter sido real. Trata-se da Nau dos Loucos: um navio errante no qual se despachavam aqueles considerados estranhos, lun�ticos, dementes, desequilibrados.

Inc�modos, incompreendidos, imprest�veis aos olhos dos contempor�neos, a eles restava o desterro. De acordo com Foucault, eram entregues aos barqueiros, para que deles se livrassem. “Frequentemente, as cidades da Europa viam essas naus de loucos atracar em seus portos”, conta o fil�sofo, em “Hist�ria da Loucura”.

Mais de 600 anos depois, n�o � exagero dizer que alguns pacientes psiqui�tricos continuam � deriva. V�timas da intoler�ncia social, vistas como violentas e alienadas e, muitas vezes, sem acesso ao tratamento adequado, pessoas com esquizofrenia navegam em mares turbulentos e, em grande parte, desconhecidos.

Descrita formalmente no fim do s�culo 19, ainda como dementia praecox, esta � uma das mais estudadas doen�as mentais. E, ao mesmo tempo, uma das menos compreendidas.

At� a pr�xima ter�a-feira, uma s�rie de reportagens dos Di�rios Associados narra os desafios enfrentados por pacientes, assim como os avan�os da ci�ncia no entendimento de um mal que, segundo a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), afeta 24 milh�es de pessoas, ou 0,32% da popula��o do globo.

Ilustração do Lelis sobre esquizofrenia
O quadro 'Nau dos loucos', do artista Hieronymus Bosch, retrata um bizarro costume dos s�culos 14 e 15, na Regi�o da Ren�nia: um navio errante no qual se despachavam pessoas consideradas estranhas, lun�ticas (foto: Lelis/Estado de Minas)
Embora registros hist�ricos sugiram casos de esquizofrenia mil�nios antes da era comum, o nome da doen�a, frequentemente confundida com males espirituais, s� foi cunhado em 1911. Esquizo (divis�o) e prhenia (mente) foi o termo sugerido pelo psiquiatra Eugen Bleuler para definir uma condi��o caracterizada, segundo ele, pela cis�o entre pensamento, emo��o e comportamento.

Geralmente manifestado por volta dos 15 anos (homens) e 25 (mulheres), o mal tem como principais marcas sintomas divididos em duas classes: positivos e negativos.

No primeiro caso, incluem-se os sinais mais popularmente associados � esquizofrenia: del�rios, alucina��es, pensamentos desorganizados e agita��o corporal, embora nem todos os pacientes exibir�o esses sintomas. J� os negativos, que chamam menos aten��o, s�o justamente os que mais afetam a funcionalidade e se relacionam � fase cr�nica da doen�a.

Apatia, falta de interesse e de sociabilidade, redu��o das express�es de emo��es e diminui��o de prazer acabam fazendo com que o paciente abandone suas atividades, o que, por sua vez, contribui para afast�-lo ainda mais do conv�vio social.

Gatilhos para o desenvolvimento da esquizofrenia


Trata-se de um dist�rbio complexo, que envolve diversos mecanismos. Al�m da hereditariedade, estima-se que fatores ambientais, como uso de subst�ncias psicoativas, infec��es bacterianas e virais durante a gesta��o e complica��es no parto funcionem como um gatilho para o desenvolvimento da doen�a, que tamb�m est� associada a disfun��es na produ��o de subst�ncias importantes para o c�rebro, os neurotransmissores, e na pr�pria estrutura do �rg�o.

Neurocientista Stevens Rehen, pesquisador do Instituto D'Or e professor da UFRJ
Neurocientista Stevens Rehen, pesquisador do Instituto D'Or e professor da UFRJ, estuda a esquizofrenia (foto: Instituto D'OR de Pesquisa e ensino/IDOR/Divulga��o )
“A esquizofrenia tem origem multifatorial, com influ�ncias de genes e do ambiente. O transtorno est� associado ao neurodesenvolvimento, com altera��es acontecendo na forma��o do c�rebro durante a gesta��o, muito antes de os sintomas cl�nicos aparecerem no in�cio da vida adulta”, destaca o neurocientista Stevens Rehen, pesquisador do Instituto D'Or e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O amplo conjunto sintom�tico justifica-se pelo fato de a esquizofrenia ser uma doen�a que afeta o c�rebro como um todo. Recentemente, um cons�rcio internacional de pesquisadores descobriu que mais de 280 regi�es do genoma t�m prote�nas associadas � enfermidade mental (leia amanh�). Dois artigos sobre o assunto foram publicados, simultaneamente, na revista Nature.

“Esses genes est�o expressos praticamente em todas as regi�es cerebrais, diferentemente de outras doen�as cerebrais, nas quais voc� tem a express�o em algumas ou em apenas uma regi�o espec�fica”, destaca a coautora da pesquisa S�ntia Belangero, coordenadora da �rea de Gen�tica e Biorreposit�rio do Instituto Nacional de Psiquiatria do Desenvolvimento (Inpd).

“Isso pode explicar parcialmente por que a esquizofrenia tem manifesta��o de sintomas diversos, tanto de cogni��o, que s�o os de mem�ria, alucina��es e del�rios, quanto os negativos, como depress�o e reclus�o social”, destaca a cientista, que tamb�m � professora da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp), onde coordena o Laborat�rio de Neuroci�ncia Integrativa.

Baixa Ades�o aos rem�dios


A complexidade da doen�a � um dos obst�culos na busca de uma abordagem farmacol�gica mais eficaz do que a atual, � base de antipsic�ticos, que v�m sendo prescritos h� meio s�culo e, muitas vezes, provocam efeitos colaterais que levam ao abandono do tratamento.

Uma revis�o de 61 artigos cient�ficos produzidos entre 2010 e 2018 realizada pela Faculdade de Medicina Est�cio de Juazeiro do Norte, no Cear�, constatou que, entre as principais causas de n�o ades�o aos rem�dios, est�o os resultados adversos e a falta de acesso, citados por 80% dos pacientes. Al�m disso, mais de 60% afirmou que houve piora dos sintomas, diz o artigo, publicado na revista Educa��o, Ci�ncia e Sa�de.

H� algumas novas drogas consideradas promissoras no tubo de ensaio, baseadas no conhecimento atual das bases biol�gicas da doen�a. Algo que, segundo James Maksymetz, pesquisador de farmacologia da Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, n�o existia quando os medicamentos ainda em uso foram desenvolvidos.

Ele � um dos autores de um estudo publicado na revista Cell Reports no qual descreve um novo alvo, com potencial de tratar, simultaneamente, os sintomas positivos e negativos da doen�a.

A equipe do Centro Neurocient�fico Warren de Descobertas de Drogas identificou um gene no sistema nervoso central, o mGlu1, capaz de consertar um problema presente no c�rebro dos pacientes: uma disfun��o que impede os neur�nios de trabalharem normalmente.

Em testes de curta dura��o, os cientistas constataram que um composto desenvolvido pelo mesmo grupo anteriormente, chamado PAM, modulou a atividade neuronal e reverteu os sintomas positivos e negativos da esquizofrenia em humanos. Os antipsic�ticos atuais s� atuam contra os primeiros. Embora preliminar, os resultados s�o animadores, diz Maksymetz.

“Eu realmente acredito que entender como os circuitos neurais funcionam e como reverter a disfun��o levar� a uma revolu��o no tratamento de doen�as relacionadas � neuroci�ncia”, diz.

Palavra de especialista


Leonardo Palmeira
psiquiatra e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Liberdade � terap�utica


"A vis�o que se tem da esquizofrenia ainda � centrada na hospitaliza��o. Mas � preciso enxergar o paciente como um cidad�o pleno, com todos seus direitos. Liberdade � terap�utica. N�o existe tratamento sem liberdade. Por tr�s da doen�a, tem um ser humano, com suas pot�ncias e ambi��es. A medica��o � uma parte do projeto terap�utico, mas n�o � tudo: a reabilita��o � psicossocial, inclui assist�ncia social, enfermagem, terapia, atividades art�sticas n�o restritas ao ambiente de sa�de, mas dentro da comunidade. N�s, como sociedade, precisamos combater os estigmas porque, quando integrado, o paciente passa a melhorar."


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