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Estado de Minas PROJETO DE LEI

'Meu marido me proibiu de fazer laqueadura, mesmo ap�s 5� gesta��o'

C�mara dos Deputados e Senado aprovaram projeto de lei que retira exig�ncia de autoriza��o do marido para que mulher fa�a laqueadura


11/08/2022 16:25 - atualizado 11/08/2022 16:40

ilustração de mulher grávida e cinco crianças ao fundo
(foto: Cecilia Tombesi | BBC)

Este texto foi publicado no dia 14 de abril de 2022 e atualizado no dia 11 de agosto de 2022

Depois do quinto filho, a cuidadora de idosos Monica (nome fict�cio), na �poca com 32 anos, quis fazer uma laqueadura para n�o engravidar novamente. O risco de morrer no parto, os graves problemas financeiros e as mudan�as no corpo motivaram a decis�o.




No entanto, alegando quest�es religiosas, o marido a impediu de fazer o procedimento.

"O velho testamento diz 'casai e multiplicai-vos'. Muitos irm�os pregavam com base nisso e meu marido seguia o mesmo pensamento. Ele me disse que eu n�o faria a laqueadura e quis saber o porqu� do meu desejo pelo procedimento. Eu entendi aquela situa��o como um 'eu que mando' e fiquei passada", contou ela � BBC News Brasil.

 

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Monica teve mais um filho, totalizando tr�s homens e tr�s mulheres.


A C�mara dos Deputados aprovou em mar�o, e o Senado no dia 10 de agosto, um projeto de lei que derruba a obriga��o de consentimento entre marido e mulher para a realiza��o de laqueadura, no caso delas, e da vasectomia, no caso dos homens.

O texto tamb�m prev� a permiss�o da laqueadura durante o parto, para juntar os dois procedimentos, minimizando sequelas decorrentes das cirurgias.

O projeto tamb�m prev� a diminui��o de 25 para 21 anos a idade m�nima para fazer o procedimento. Para virar lei, ele ainda precisa ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

Caso essa lei j� tivesse sido aprovada h� algumas d�cadas, Monica, hoje com 43 anos, acredita que teria feito outras escolhas.

"Vivemos em tempos diferentes. Mas se eu pudesse olhar no espelho, eu diria para mim mesma: 'vai estudar e buscar uma profiss�o. Vai se amar mais ainda, se valorizar'. Eu tamb�m n�o teria me casado t�o cedo. Teria cuidado mais de mim mesma", afirmou.

Monica conta que o casal discutiu diversas vezes por conta das constantes negativas do marido em permitir a laqueadura. Ela lembra que, depois de muitas brigas, ele finalmente aceitou receber atendimento m�dico para fazer uma vasectomia. Mas, sem conseguir agendar uma consulta no sistema p�blico de sa�de, o procedimento n�o foi realizado "e o sexto filho veio".

Deixava de comer para dar leite aos filhos

Moradora de uma favela de S�o Paulo, Monica diz que a fam�lia enfrentou dificuldade financeira e chegou a "faltar alimento".

"A gente passou por muita dificuldade financeira. Com tanta crian�a em casa na �poca, s� o meu marido, que � porteiro, podia trabalhar. A gente teve mais filhos e a situa��o come�ou a apertar. Passamos a ter que escolher: a gente comia ou alimentava os filhos", afirmou.

Na �poca, o marido de Monica come�ou a trabalhar em dois empregos para complementar a renda. Mesmo assim, enquanto a favela se desenvolvia e a maior parte dos moradores passou a erguer casas de alvenaria, a fam�lia continuou vivendo num barraco de madeira.

"Imagine n�o ter leite para dar aos filhos. A gente usava s� roupas doadas. As contas apertaram a ponto de faltar alimento. Algumas vezes, fomos � casa da minha cunhada para encher a mamadeira com leite para dar aos nossos filhos com fome", lembrou a cuidadora.

Depois do quarto filho, contou Monica, come�aram as primeiras discuss�es com o marido por conta da ideia de fazer uma laqueadura. Ele ficou desempregado e o que salvou a fam�lia de uma situa��o ainda mais desesperadora de fome foi a renda que o filho mais velho conseguiu, ap�s ser contratado como atendente em uma banca de jornal.

"Ele (filho) praticamente sustentou a nossa casa. Meu marido passou a usar o carro que a gente tinha para fazer carreto e eu fiz bicos faxinando e cuidando de crian�as. Fiz o que pude pelos meus filhos."

Hoje, ela conta que a fam�lia est� numa situa��o bem melhor, com a maior parte dos filhos trabalhando.

Ela acredita que esse projeto para realizar a laqueadura sem a permiss�o do marido � apenas um passo em benef�cio das mulheres.


Carrinhos de brinquedo em primeiro plano e família se divertindo em parque
Sem a permiss�o do marido, Monica n�o fez laqueadura e teve o sexto filho (foto: Ag�ncia Brasil)

'Porta de entrada'

L�lian Leandro, diretora-executiva do Instituto Planejamento Familiar, afirmou que a dificuldade de acesso � laqueadura causa um impacto profundo na vida das mulheres mais pobres.

"Isso � uma porta de entrada para diversos outros problemas, como aumento da pobreza, criminalidade e viol�ncia dom�stica. Gravidez na adolesc�ncia, por exemplo, faz garotas deixarem a escola. Essa evas�o faz com que a gente tenha um grau de escolaridade menor e mais gastos p�blicos. N�s temos um custo anual de R$ 4,1 bilh�es por conta da gravidez n�o planejada, de acordo com estudo publicado na National Library of Medicine, nos Estados Unidos."

Para L�lian, a poss�vel san��o do presidente traz avan�os, mas ainda n�o resolve o problema do planejamento familiar no Brasil.

"Precisamos de informa��es sistematizadas e de agilidade nesses processos. Recebemos muitos relatos de dificuldade de agendamento e at� na realiza��o do procedimento. O que tem que prevalecer � a vontade e o direito de escolha que definir�o o futuro da mulher. Quando e quantos filhos ela quer ter", argumentou L�lian.

Mudan�as no corpo e problemas de sa�de

Al�m dos problemas financeiros e de planejamento familiar, Monica conta que as gesta��es tamb�m causaram diversos problemas de sa�de.

"O corpo sente as mudan�as. Com elas, surgem os problemas de sa�de. Depois do meu quarto filho, o m�dico disse que eu morreria se passasse por mais um parto. Isso tamb�m me trouxe consequ�ncias emocionais. Precisei ter jogo de cintura para cuidar de casa, filhos, marido e igreja. Voc� fica sempre por �ltimo porque a prioridade s�o eles", disse a dona de casa.

Ela disse que, depois de tantas gesta��es, sentiu o corpo "desmontar".

"Os �rg�os n�o aguentam. D�i tudo. � uma pessoa crescendo dentro de voc�, ent�o isso mexe com tudo, fora e dentro", conta ela.

Monica disse ter passado a "viver", depois de ter completado 40 anos, quando a maior parte dos filhos chegou � idade adulta. Ela conta que se casou com 18 anos, quando estava gr�vida do primeiro filho. Seis anos depois, ela j� tinha quatro. Mas, na �poca, o casal nem cogitava fazer uma laqueadura.

"Quando a gente casou, n�o pod�amos fazer uma opera��o ou usar outro m�todo de evitar filhos. Conforme fomos nos envolvendo na nossa igreja, a Assembleia de Deus, essas regras entraram na cabe�a do meu marido e na minha. S� depois do sexto filho, a gente caiu na real. Mas a� j� era tarde", disse.

A dona de casa disse que essa doutrina de proibir contraceptivos definitivos foi derrubada, e que hoje � seguida apenas por poucas pessoas que frequentam a mesma igreja que ela.

"Mas ainda tem pessoas com isso na cabe�a. Pensam que a mulher foi feita para ter filhos e encher a casa. Muitos evang�licos ainda t�m essa mentalidade."

A especialista em planejamento familiar L�lian Leandro explica que, atualmente, para conseguir fazer laqueadura depois de um parto de risco, a mulher precisa de um laudo assinado por dois m�dicos para validar que ela pode morrer, caso tenha mais um filho.

"Eles v�o colocando obst�culos e muitas vezes a mulher desiste. Muitas n�o t�m dinheiro para condu��o ou com quem deixar o filho. Quando aprovam, ainda pedem 30 dias de prazo para realizar o procedimento. A inten��o � que a paciente tenha mais tempo para refletir, por se tratar de um procedimento irrevers�vel. Falam isso para uma pessoa com mais de 25 anos e pelo menos 2 filhos", afirmou L�lian.

Ela v� esse processo como uma falta de respeito � decis�o da mulher, principalmente as mais pobres.

"A gente n�o v� casos assim nas classes A e B. As dificuldades que as mulheres menos favorecidas t�m de acesso � Lei de Planejamento Familiar � muito grande. As mulheres que t�m condi��es v�o para o hospital e fazem o parto, pelo plano de sa�de ou rede particular, e j� fazem a laqueadura junto com a ces�ria quando a indica��o cl�nica da m�e evolui para isso", afirmou.

J� as m�es mais pobres, explica ela, precisam voltar para a fila do SUS ap�s o parto para fazer um novo procedimento. L�lian conta que, muitas vezes, elas j� est�o gr�vidas novamente quando a laqueadura � finalmente agendada.

'N�o me arrependo'

Ao comentar o passado e refletir se tomaria outras decis�es caso tivesse a mentalidade que possui hoje, Monica disse que gostaria de ter apenas dois filhos.

"Eu n�o teria tantos filhos. Os mais velhos passaram aperto mesmo. Como temos essa lei, ou ele (marido) assinaria para permitir a laqueadura ou casaria com outra pessoa. Isso acontece por culpa dos maridos e da sociedade. Vivemos em um mundo machista no qual a mulher tem que parir e estar sempre dispon�vel", afirmou.


Imagem de Paraisópolis
Estudo aponta que Brasil tem um custo anual de R$ 4,1 bilh�es por conta da gravidez n�o planejada (foto: BBC News Brasil)

A dona de casa faz quest�o de deixar clara a felicidade de ter cada um de seus filhos.

"Eu n�o me arrependo de ter os meus filhos. Eles s�o tudo o que eu tenho. A maternidade � o momento mais especial de uma mulher. � quando uma pessoa sai de dentro de voc�, cria asas e voa. Mas isso me fez parar de estudar e nessa parte me arrependo. Meus filhos foram um impedimento na minha vida. Com as condi��es que a gente tinha, precisei parar de trabalhar para cuidar deles e deixar meu marido trabalhar para tentar sustent�-los", afirmou.

Ela conta que n�o quer que as tr�s filhas passem pela mesma situa��o e diz que as orienta com frequ�ncia. A mais velha teve o primeiro filho com 21 anos, em 2021. A m�e aconselha para que ela tenha, no m�ximo, mais um.

"N�o quero me meter na vida delas, mas elas precisam ser independentes. Ser diferente de mim. Quero que elas estudem, trabalhem e tenham profiss�o", afirmou.

A deputada autora do projeto, Carmen Zanotto (Cidadania-SC), disse em entrevista � BBC News Brasil que acredita na san��o do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ela apresentou o projeto em 2014.

A deputada afirmou que, ap�s a aprova��o, os maiores desafios ser�o fazer com que a popula��o tenha conhecimento de seus direitos e os reivindiquem nos servi�os de sa�de - e que o governo os cumpra.

"O SUS tem capacidade para atender a todos esses casos. S� ser� necess�rio priorizar os mais urgentes. As pessoas precisam conhecer e cobrar os seus direitos."

Carmen afirma que esse projeto � um grande avan�o para a vida dessas mulheres. "Quantas 'Monicas' como a que voc� entrevistou n�s temos? S�o mulheres que gostariam de ter direito de escolha e tomada de decis�o. Isso n�o � controle de natalidade. � dar o mesmo direito a todos".

*A BBC News Brasil optou por ocultar o identidade da entrevistada

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