
Santiago (Chile) - Dores cr�nicas, depress�o e dificuldades para realizar tarefas simples, como fazer a pr�pria higiene corporal, s�o parte da realidade de pacientes de uma s�ndrome gen�tica respons�vel pela maior parte dos casos de nanismo no mundo. Esse termo popular, que vem sendo substitu�do pela express�o displasia esquel�tica, refere-se a doen�as nas quais h� altera��o na forma, no tamanho e na constitui��o de ossos e cartilagens. A consequ�ncia vis�vel � a baixa estatura. Por�m, os problemas que essas condi��es acarretam v�o muito al�m da apar�ncia f�sica.
Um estudo in�dito na Am�rica Latina sobre a qualidade de vida de pessoas com acondroplasia, displasia esquel�tica rara que afeta cerca de 250 mil no mundo, mostra os desafios na vida de crian�as, adolescentes e adultos que convivem com uma doen�a para a qual n�o havia tratamento at� recentemente (leia mais abaixo). Realizada com 172 pacientes de Brasil, Argentina e Col�mbia, a pesquisa Lifetime Impact Study for Achondroplasia (Lisa) mostra, entre outros dados, que 53% dos pacientes entre 8 e 17 anos sofrem de dor em pelo menos uma parte do corpo.
Al�m disso, quase 27% dos adultos relataram depress�o ou ansiedade moderada a grave - na popula��o em geral, esse �ndice � de 4%, segundo a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS). Para 17,8% deles, atividades simples, como abrir e fechar uma torneira, manter-se em p� por per�odos longos e chamar o elevador s�o dif�ceis ou imposs�veis de serem executadas sem ajuda de outras pessoas ou de equipamentos para adapta��o.
"Eu sou geneticista h� muitos anos, mas confesso que era muito ing�nuo em rela��o � acondroplasia. N�o tinha no��o de quanto adoecidas s�o essas pessoas", disse, na apresenta��o do estudo, em Santiago, o m�dico Juan Llerena J�nior. O especialista do Centro de Gen�tica M�dica do Instituto Fernandes Figueira da Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz) foi um dos l�deres do levantamento, que teve a participa��o de 94 pacientes brasileiros, equivalente a 54,6% do total.
"N�o se trata s� de nanismo, mas de condi��es neurol�gicas potencialmente graves, como hidrocefalia e compress�o c�rvico-medular", explicou Wagner Baratela, geneticista da Santa Casa de Miseric�rdia de S�o Paulo e, ele mesmo, paciente de um outro tipo de displasia esquel�tica. O especialista, que integra a Sociedade Brasileira de Gen�tica M�dica, tamb�m participou da apresenta��o do Lisa.
Tratamento
A acondroplasia � um dos 700 dist�rbios gen�ticos que afetam o desenvolvimento do esqueleto e, embora heredit�ria, 80% dos casos resultam das chamadas muta��es de novo, quando nem o pai nem a m�e carregam a variante. Por algum motivo desconhecido, os pacientes apresentam uma falha no gene FGFR3, associado ao crescimento.
Em pessoas sem a doen�a, esse gene freia o desenvolvimento dos ossos, evitando que a crian�a cres�a demais. Por�m, nos pacientes, o FGFR3 est� permanentemente acionado, fazendo com que a velocidade de crescimento seja afetada. O resultado � baixa estatura, al�m de uma s�rie de complica��es que acompanham o indiv�duo da inf�ncia � idade adulta. Entre elas, aumento da press�o venosa intracraniana, problemas respirat�rios como apneia, obesidade e complica��es dent�rias.
At� a recente aprova��o da mol�cula vosoritida pela Ag�ncia Europeia de Medicamentos, pela Food and Drug Administration (EUA) e, por fim, em novembro do ano passado, pela Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa), os �nicos tratamentos eram paliativos, indicados para as comorbidades associadas. Entre eles, interven��es dolorosas, como alongamento de ossos, e delicados, como a descompress�o medular.
A subst�ncia, do laborat�rio BioMarin, foi aprovada pelas ag�ncias reguladoras devido aos resultados de pesquisas que atestaram a efic�cia e seguran�a. O ensaio cl�nico de fase 3, publicado na revista The Lancet, envolveu 121 crian�as de 5 a 14,9 anos. A m�dia inicial de crescimento anual (VCA) foi de 4,26cm/ano, contra 4,06cm/ano do grupo placebo. No fim do estudo, ap�s 52 semanas, os participantes que tomaram a vosoritida cresceram 1,57cm/ano a mais que as outras.
Depois da conclus�o do estudo, 58 participantes escolhidos aleatoriamente foram inscritos em uma pesquisa de extens�o, por dois anos. No per�odo, o aumento da VCA foi mantido, segundo um artigo publicado na revista Nature Genetics. A mol�cula funciona como um an�logo a um pept�deo que existe naturalmente no organismo, o CNP. Ela inibe a atua��o de algumas enzimas que atrapalham o crescimento �sseo, estimulando, assim, o crescimento.
Alto custo
O problema � o alto custo do medicamento, que precisa ser tomado diariamente at� a puberdade, quando, naturalmente, a crian�a para de crescer. O pre�o no Brasil, definido pela C�mara de Regula��o do Mercado de Medicamento chega a ultrapassar os R$ 2 milh�es anuais, incluindo os custos de importa��o.
Para realizar o sonho de ver o filho Isaac, 4 anos e 6 meses, se desenvolver com mais qualidade de vida, a advogada Karina Falchi, moradora de Campo Grande (MS) entrou na Justi�a. Em 30 de agosto, o menino tomou a primeira dose, subcut�nea, do medicamento. Entre a decis�o favor�vel e o in�cio do tratamento, passaram-se seis meses. "Estamos radiante, vivendo um milagre. A preocupa��o que temos � com a qualidade de vida. A expectativa de vida de um adulto com nanismo � 10 anos a menos que de uma pessoa t�pica, e isso uma vida cheia de cirurgias e complica��es. Se meu filho for poupado disso, ser� maravilhoso. O crescimento � um b�nus", afirma.
O diagn�stico da acondroplasia foi fechado quando Isaac tinha 5 meses, mas desde a 30ª semana de gesta��o, Karina sabia que o filho tinha alguma altera��o no crescimento. Com otites de repeti��o e um adenoide que resultava em apneia do sono, a crian�a precisou de uma cirurgia, que corrigiu o segundo problema, embora o primeiro continue. Desde 2018 acompanhando not�cias sobre o desenvolvimento da vosoritida, Karina conta que, quando a Anvisa aprovou o medicamento, comercialmente chamado voxzogo, sentiu um misto de felicidade com preocupa��o. "Imagina saber que existe o rem�dio, mas voc� n�o tem acesso a ele? Para as outras fam�lias, eu deixo a mensagem que tenham esperan�a, porque � poss�vel", diz.
* A rep�rter viajou a convite do laborat�rio BioMarin