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Estado de Minas 'SEXSOMNIA'

'Alega��o de sonambulismo sexual destruiu meu processo por estupro'

O caso de Jade n�o chegou ao tribunal porque foi sugerido que ela pode ter um raro dist�rbio do sono


06/10/2022 07:57 - atualizado 06/10/2022 13:04


Jade McCrossen-Nethercott
Jade McCrossen-Nethercott (foto: BBC)

Uma mulher no Reino Unido teve um processo de estupro arquivado depois que especialistas alegaram que ela poderia estar sofrendo de um dist�rbio raro de sono conhecido como sonambulismo sexual.

O caso de estupro de Jade McCrossen-Nethercott foi arquivado pelo Crown Prosecution Service (a procuradoria brit�nica, conhecida como CPS) por causa de alega��es de que ela teve um epis�dio do raro dist�rbio, que tamb�m � conhecido como "sexsomnia". Por causa dessa alega��o, o CPS n�o acreditava mais que poderia garantir uma condena��o.

Mas Jade passou meses contestando a decis�o. O CPS agora admite que errou em n�o levar o caso a julgamento e pediu desculpas a ela. Mas as leis impedem que seu caso seja reaberto, e ela n�o ter� mais chances de buscar justi�a.

Mas o que deu errado? A BBC acompanhou o caso de Jade ao longo de meses.

O caso

Era uma noite de domingo na primavera de 2017 quando Jade acordou em um sof� de um apartamento no sul de Londres e descobriu que estava seminua.

A jovem de 24 anos relata que teve a sensa��o intensa de ter sido penetrada e suspeitou que havia sido estuprada enquanto dormia.

Tr�s anos depois — e poucos dias antes da data em que seria julgado o homem acusado de estupr�-la — advogados do CPS a chamaram para uma reuni�o urgente em uma delegacia de pol�cia.

Seu caso estava sendo arquivado antes de chegar a julgamento. A advogada do CPS explicou que dois especialistas em sono haviam dado suas opini�es sobre o caso dela. Eles disseram que era poss�vel que Jade tivesse tido um epis�dio de sonambulismo sexual e pudesse parecer estar acordada e consentindo.

"Sexsomnia", ou sonambulismo sexual, � um dist�rbio do sono medicamente reconhecido. Pessoas com a condi��o realizam atos sexuais durante o sono.

A lei na Inglaterra e no Pa�s de Gales considera que uma pessoa n�o consentiu em fazer sexo se estiver dormindo. Mas a mesma lei tamb�m afirma que uma pessoa n�o � culpada de estupro se tiver "cren�a razo�vel" que existe consentimento.

"Isso veio completamente do nada, e foi desconcertante", diz Jade, que nunca tinha ouvido falar de sonambulismo sexual at� ent�o. "Eu tive dois relacionamentos de longo prazo, durante 13 anos, e nunca tive nada assim."

A decis�o do CPS significou o arquivamento do processo e a absolvi��o do r�u.

A primeira vez que Jade foi questionada sobre seu sono foi na delegacia quando foi prestar um depoimento formal.

Em resposta a uma pergunta de um policial, ela explicou que sempre teve um sono profundo e foi son�mbula algumas vezes na adolesc�ncia.

Foi apenas um coment�rio passageiro, esquecido em todo o processo cansativo.

Foi a melhor amiga de Jade, Bel, que ligou para a emerg�ncia e iniciou todo o processo policial.

Ela se lembra do som da voz de Jade do outro lado da linha. "N�o era como nada que eu jamais tivesse ouvido antes. Ela estava hist�rica, solu�ando, e dizia 'eu acho que fui estuprada'. Quando sua melhor amiga diz isso para voc�, � simplesmente devastador."

As duas tinham sa�do na noite anterior em um bar no sul de Londres. Foi uma noite divertida, em que elas beberam e conversaram. Quando chegou a hora de o bar fechar, Bel pediu um t�xi para casa. Jade decidiu voltar para o apartamento de um amigo com algumas pessoas para uma �ltima bebida.

Por volta das duas da manh�, com as pessoas ainda conversando ao seu redor na sala, ela se enrolou debaixo de um cobertor no canto do sof�, completamente vestida, e pegou no sono.

�s cinco da manh�, ela diz que acordou e descobriu que estava sem cal�as e com seu suti� desabotoado. Ela diz que viu um homem do outro lado do sof� em que estava deitada.

"Eu o confrontei dizendo: 'O que aconteceu? O que voc� fez?' E ele disse algo que achei um pouco estranho. Ele disse 'Achei que voc� estava acordada'. E ele simplesmente saiu correndo e deixou a porta aberta. E eu peguei meu telefone e comecei a ligar para Bel."

Dois policiais do sexo masculino chegaram e levaram Jade direto para exames forenses. Cotonetes vaginais detectaram s�men que pertenciam ao homem no sof�.

O suspeito permaneceu calado quando foi interrogado pela pol�cia. O CPS tomou a decis�o de indici�-lo por estupro e ele se declarou inocente. O julgamento chegou a ter data marcada mas nunca foi adiante.

Jade estava determinada a provar que o CPS estava errado em desistir de seu caso. Mas ela tinha um tempo limitado para recorrer.

Ela solicitou todas as provas — incluindo entrevistas com a pol�cia, resultados de toxicologia, depoimentos de testemunhas e relat�rios de especialistas em sono.

Ela ficou chocada com o que leu — e em particular com o peso dado �s teorias dos especialistas em sono.

Nenhum dos especialistas a ouviu pessoalmente. Mas essas opini�es foram o suficiente para encerrar o caso.

O primeiro especialista, que havia sido instru�do pela defesa, concluiu que havia uma "forte possibilidade" de que Jade tivesse um ataque de sonambulismo sexual, dizendo que "seu comportamento teria sido de algu�m se envolvendo ativamente em ato sexual com os olhos abertos e demonstrando prazer".

O CPS ent�o contratou seu pr�prio especialista em resposta. Ele concluiu que "um hist�rico de sonambulismo, mesmo uma vez aos 16 anos de idade, e falar durante o sono ou qualquer hist�rico familiar, � inteiramente adequado para estabelecer uma predisposi��o ao sonambulismo sexual".

Jade ficou chocada. Ela decidiu contratar outra opini�o especializada e abordou o Dr. Irshaad Ebrahim, do London Sleep Centre, que tem experi�ncia em dar pareceres em casos de estupro.

Segundo ele, essa foi a primeira vez que ele ficou sabendo de um caso em que a suposta v�tima do estupro era acusada de ter sonambulismo sexual.

Em todos os outros casos de estupro que ele encontrou, o r�u era quem alegava ter tido um ataque de sonambulismo sexual.

A BBC realizou uma extensa pesquisa e n�o conseguiu encontrar nenhum outro caso de estupro no Reino Unido em que a defesa argumentasse que a suposta v�tima tinha sonambulismo sexual.

Ebrahim diz que n�o existe nenhuma maneira precisa de diagnosticar o sonambulismo sexual. Mas ele afirmou que as pessoas que ele v� com o dist�rbio s�o tipicamente do sexo masculino e tendem a ter um hist�rico de comportamento sexual durante o sono.

Jade ent�o passou por um teste de sono — uma polissonografia, que monitora as ondas cerebrais, a respira��o e o movimento durante o sono.

O teste indicou que ela ronca e tem apneia do sono leve, uma condi��o comum em que a respira��o para e come�a durante o sono. Ambos s�o, de acordo com Ebrahim, fatores potenciais para o sonambulismo sexual, ent�o ele n�o pode descartar que ela possa ter tido um epis�dio isolado.

Jade quis saber quais eram as chances de que ter acontecido sonambulismo sexual naquela noite.

"Essa � a pergunta de um bilh�o de d�lares", disse Ebrahim. "Querer uma resposta definitiva, em preto e branco, n�o vai acontecer."

Jade ainda acreditava n�o ter sonambulismo sexual — mas estava frustrada porque os especialistas em sono n�o podiam descartar isso.

Ela ent�o procurou uma advogada para entender como o assunto � tratado na Justi�a.

A advogada Allison Summers KC defendeu casos de estupro em que o homem acusado alegou ter sonambulismo sexual.

Ela disse a Jade que os especialistas em sono quase nunca s�o capazes de dizer definitivamente se algu�m tem a condi��o — mas dizer "� poss�vel" pode ser suficiente para um j�ri chegar a um veredicto de absolvi��o.

"Acho que, como resultado disso, alguns culpados s�o absolvidos? Sim, acho. Mas geralmente preferiria que fosse assim do que condenar, por ofensas graves, pessoas que s�o genuinamente inocentes", disse ela.

"A �nica coisa que posso dizer � que voc� espera que o processo de julgamento criminal permita que esses casos genu�nos sejam diferenciados daqueles menos genu�nos."

Sonambulismo sexual deve sempre ser fortemente contestado no tribunal, de acordo com as diretrizes do CPS. Mas o caso de Jade nunca chegou ao tribunal.

Armada com sua pesquisa, ela apresentou seu recurso.

Um promotor-chefe independente revisou todas as evid�ncias novamente.

Ele concluiu que o caso deveria ter ido a julgamento — e que as opini�es dos especialistas em sono e o relato do r�u deveriam ter sido contestadas no tribunal.

"Eu n�o posso nem imaginar o que voc� passou e como voc� se sente. Eu notei durante minha revis�o o efeito devastador deste caso em voc�", ele escreveu a Jade.

"Pe�o desculpas por isso em nome do 'Crown Prosecution Service', embora reconhe�a que isso provavelmente ser� de pouco consolo para voc�."

Para Jade, o reconhecimento de que seu caso deveria ter sido levado a um j�ri n�o foi satisfat�rio, porque o CPS n�o pode reabrir o caso.

O r�u foi considerado oficialmente inocente — e, portanto, as leis de dupla incrimina��o significam que ele n�o pode ser julgado sem novas provas convincentes.

"N�o h� esperan�a de justi�a pelo que aconteceu comigo", diz Jade. Mas ela espera que o CPS aprenda li��es para evitar que outros passem por prova��es semelhantes.

"Estou decepcionada com um sistema que est� l� para proteger — e eles disseram claramente que erraram", diz ela.

De setembro de 2020 at� o mesmo m�s de 2021, apenas 1,3% dos casos de estupro registrados pela pol�cia na Inglaterra e no Pa�s de Gales resultaram em um suspeito sendo processado, segundo dados do Minist�rio do Interior.

O CPS diz que est� "comprometido em melhorar todos os aspectos de como crimes que mudam vidas, como o estupro, s�o tratados, e est�o trabalhando em estreita colabora��o com a pol�cia."

Jade agora est� processando o CPS.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63152317

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