
NATAL, RN (FOLHAPRESS) - Se colocassem em uma balan�a "viver mais", de um lado, e "ter melhor qualidade de vida", de outro, Bruce Martins, 29, psic�logo cl�nico e estudante de doutorado, escolheria "viver mais, para ter mais chances de aproveitar a exist�ncia e fazer o que der na telha".
Maria (nome fict�cio, a pedido), professora universit�ria aposentada e m�e de tr�s filhos, escolheria o que do alto dos seus 91 anos diz ser primordial: "a qualidade". E ela n�o � a �nica com essa an�lise.
Um estudo realizado com 1.682 pessoas de todo o pa�s mostra que 57% da popula��o brasileira prioriza qualidade de vida, enquanto 43% preferem ter mais tempo nessa hist�ria. A prefer�ncia pela qualidade � maior para mulheres, pessoas com ensino superior, as mais solit�rias e conforme medida que a idade avan�a. Os dados s�o do Instituto Locomotiva.
"As principais conclus�es s�o que a valoriza��o da qualidade versus tempo de exist�ncia varia de acordo com o momento de vida e que esta varia��o se correlaciona com aquilo que estudos de psiquiatria social mostram: depress�o e ansiedade atingem seu pico durante a meia-idade, momento em que as pessoas mais urgem por tempo, baixando na terceira idade, fase em que as pessoas procuram - e s�o - mais felizes", observa �lvaro Machado Dias, professor livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de S�o Paulo), s�cio do Instituto Locomotiva e colunista da Folha de S.Paulo.
A p�s-doutora em neuroci�ncias pelo Instituto do C�rebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) Geissy Ara�jo, n�o participou do estudo, mas v� nele um insight importante. "� medida que a gente vai envelhecendo vai entendendo que n�o � sobre quantidade de coisas ou quantidade de tempo que se tem, mas sobre como se vive esse tempo que est� dispon�vel agora".
Para Ara�jo, existe um movimento mundial em busca de viver mais e isso vem de uma grande dificuldade de aceitar a finitude do ser humano e a perda da vitalidade.
Bruce, por exemplo, diz ter "muito medo de morrer". "Eu parto da premissa de que s� tenho essa vida para fazer o que tiver a fim de fazer. Eu sou ateu. N�o acredito em p�s-vida. Ent�o mais tempo implica em poder aproveitar mais".
No caso das mulheres, a prefer�ncia pela qualidade de vida pode refletir "o sentimento de dupla jornada", sobrecarga por muitas precisarem conciliar a vida profissional com tarefas dom�sticas e filhos, diz �lvaro. Geissy Ara�jo analisa que � "como uma tentativa de reconhecimento de que � preciso descanso e respeito aos pr�prios limites".
A manifesta��o dessa prefer�ncia por mais da metade da popula��o sugere que o aumento da expectativa de vida dos adultos n�o veio acompanhada do aumento proporcional da qualidade de vida. "Logo, os anos a mais n�o necessariamente nos fariam mais felizes", frisa �lvaro.
A nonagen�ria Maria afirma que qualidade de vida costumava ser, para ela, "fam�lia, trabalho, sa�de e rela��es humanas prazerosas".
Hoje, ela associa o conceito a "ter sa�de e a cabe�a funcionando". O estudo mostra que ter qualidade de vida est� diretamente ligado a estar saud�vel.
"Cada um tem um modo de vida, se sente realizado de um jeito", diz. "Eu estou com 91 anos. N�o fui feliz o tempo todo. Tive problemas como todo mundo, mas me sinto realizada profissionalmente e os meus filhos me realizaram muito. A felicidade consiste em realiza��es tamb�m".
Um dos conceitos que emergem do trabalho aponta que "o que importa � ter uma vida bem vivida". "E isso n�o significa uma vida de prazeres, meramente. Significa ter um prop�sito, construir ou ter um legado. Uma vida, acima de tudo, de conex�o com as pessoas", observa �lvaro.
Maria viu a Segunda Guerra Mundial, o comunismo acabar na R�ssia e a evolu��o das comunica��es, por exemplo. "A frustra��o � morrer sem saber para onde vai esse mundo que est� mudando cada dia mais r�pido".
Ela achou "um pouco dif�cil", mas conseguiu conciliar a vida familiar com os estudos e a carreira. Enquanto os filhos cresciam, fez especializa��o, virou mestre e doutora. Foi professora e pesquisadora at� os 77 anos e enxerga a felicidade como chave da exist�ncia.
Quest�es como "o que realmente faz sentido para ter uma exist�ncia com mais significado" v�o surgindo ao longo da vida, refor�a Geissy Ara�jo. � um contexto em que se discute em "a sociedade do cansa�o", acrescenta, evocando o fil�sofo sul-coreano Byung-Chul-Han.
"� como se a gente tivesse sempre que ser a nossa melhor vers�o. E para isso parece que a gente tem que fazer, fazer, fazer e parece que n�o h� tempo suficiente".
"Uma reflex�o interessante � como a gente sai disso, da sociedade da performance, da produtividade, que acaba gerando muito cansa�o e desencadeando doen�as como burnout, depress�o e ansiedade. O desafio � trazer presen�a, ter consci�ncia dos valores, aproveitar o tempo que a gente tem com qualidade para que a gente consiga de fato viver e n�o s� sobreviver nesse mundo".