(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas BEM VIVER

O guia de fil�sofos para viver em tempos de incerteza

Para muita gente, o mundo vive uma fase de turbul�ncia, com a qual muitos acham dif�cil lidar. Ser� que os ensinamentos dos estoicos podem ajudar?


01/04/2022 05:52 - atualizado 01/04/2022 13:11


Barco no oceano
Como numa viagem mar�tima, h� limites sobre o que podemos controlar em nossas vidas (foto: Alex Walker/Getty Images)

Era uma vida de dificuldades. Nascido na escravid�o, em um momento seu escravizador quebrou sua perna, deixando-o com uma defici�ncia.

Libertado mais tarde, ele passou 25 anos seguindo sua voca��o - apenas para sua carreira ser proibida pelo ditador da �poca. Ele fugiu para o exterior, a vida no ex�lio e a pobreza.

Esses detalhes biogr�ficos b�sicos s�o quase tudo o que sabemos sobre a vida do fil�sofo Epicteto, nascido em torno do ano 55 DC. Enquanto algumas das informa��es s�o contestadas - n�o temos certeza se ele nasceu escravizado ou foi tomado como escravo ainda jovem -, � sabido que ele n�o teve uma vida f�cil.

Nem era seu mundo um lugar pl�cido e previs�vel: se ele veio para Roma de seu lugar de nascimento, na atual Turquia, em torno do ano 65 DC, como alguns acreditam, ent�o ele teria tido uma inf�ncia turbulenta.

Ele pode ter testemunhado tanto o inc�ndio que destruiu dois ter�os da cidade e vivido um ano t�o politicamente turbulento que teve quatro imperadores diferentes, sendo dois assassinados e um que se matou.

Ainda assim, Epicteto tinha tudo de que ele precisava. Afinal, ele dizia - segundo, pelo menos, um estudante que cuidadosamente anotou seus ensinamentos - que "n�o s�o acontecimentos que perturbam as pessoas, s�o seus julgamentos a respeito deles".

Essa ideia � um dos pilares da escola filos�fica conhecida como estoicismo, fundada quase 400 anos antes pelo fil�sofo Zen�o, em Atenas, durante o tumulto, as crises e a viol�ncia do s�culo 4 AC.

Tamb�m � um dos muitos ensinamentos da escola com o qual ainda podemos aprender - o que pode ser a raz�o pela qual n�s vemos seus ecos em tanta psicologia, autoajuda, literatura e mesmo religi�o de hoje em dia.

Seja guerra ou pandemia, nossa sa�de ou finan�as, n�o importa o tamanho do desafio nas nossas vidas, dizem os estoicos, ainda assim n�s podemos prosperar. Eles devem saber o que dizem: o estoicismo foi uma escola "constru�da para tempos dif�ceis", escreve Kare Anderson, buscando dar a pessoas um guia para a boa vida mesmo quando o mundo em torno delas � imprevis�vel e turbulento.

Abaixo, seguem algumas das principais mensagens que os estoicos podem oferecer pra tempos incertos:

Reconhe�a o que voc� pode (e n�o pode) controlar

Como Epicteto disse, para os estoicos n�o � coisa em si mesma que causa a turbul�ncia. � como voc� pensa sobre ela.

Poucas coisas causam mais sofrimento do que lutar contra circunst�ncias que est�o fora do seu controle ou ficar apegado a um resultado sobre o qual voc� n�o tem poder.

O primeiro obst�culo - um t�o importante que Epicteto o chamou de "nossa maior tarefa na vida" - � identificar o que est� fora do seu controle, aspectos que os estoicos chamam de "externalidades".

Felizmente, os estoicos explicaram de forma mais simples: trata-se de tudo al�m de seus pr�prios pensamentos, escolhas e a��es. A sa�de, por exemplo. Voc� pode escolher comer cinco legumes, verduras ou frutas por dia e se exercitar (escolhas suas), mas isso n�o significa que voc� nunca sofrer� de problemas de sa�de (uma externalidade). Se voc� acha que significa, voc� n�o est� apenas se iludindo. Voc� est� se colocando no rumo de uma verdadeira decep��o.


Filósofos estoicos
Os fil�sofos estoicos diziam que devemos encarar emo��es, mas sem sermos dominados por elas (foto: Peter J. Hatcher/Alamy)

Como � muito f�cil para n�s confundirmos o que podemos com o que n�o podemos controlar, Epicteto recomendou adotar este h�bito mental: "No caso de coisas espec�ficas que te satisfazem ou beneficiam, ou �s quais voc� ficou ligado, lembre-se do que elas s�o. Comece como coisas de pouco valor. Se for de uma caneca de cer�mica que voc� gosta, por exemplo, diga 'Eu gosto de uma caneca de cer�mica'. Quando ela quebrar, voc� n�o ficar� t�o chateado", aconselhava ele.

De forma controversa, os estoicos foram al�m. Embora possamos preferir ter boa sa�de ou que um ente querido viva, tais externalidades n�o s�o "boas" ou "m�s" em si mesmas. Na verdade, argumentam eles, persegui-las pode �s vezes nos colocar em circunst�ncias ainda piores.

Claro, admitiam eles, que lutar por essas coisas era parte do que � ser humano. Mas, se voc� entendesse que qualquer externalidade n�o era algo garantido para voc�, voc� tinha de aceitar e deixar para l�.

"� como ir numa viagem pelo oceano", disse Epicteto. "O que voc� pode fazer? Escolher o capit�o, o barco, a data e a melhor hora para navegar. Mas ent�o vem uma tempestade. Bem, n�o � mais comigo; eu fiz tudo o que eu podia. Agora o problema � de outra pessoa - nesse caso, o capit�o."

Como voc� n�o pode controlar essas externalidades, diziam os estoicos, tamb�m n�o serve para nada voc� ficar perturbado por causa delas. Afinal, nenhum desses "indiferentes" s�o realmente necess�rios para nossa felicidade - no final, tudo o que importa � como n�s nos comportamos diante deles.

Se isso soa familiar nos dias de hoje, � porque j� foi ecoado em v�rios mantras e tipos de autoajuda durante anos - sejam os ensinamentos (que n�o deixam de ser controversos) da autora Byron Katie sobre "amar o que �" ou simplesmente o clich� moderno "� assim mesmo".

� sempre uma escolha sua como responder

Isso nos leva a um segundo princ�pio do estoicismo. Aceitar as circunst�ncias fora do nosso controle n�o significa ser passivo, porque voc� sempre controla algo crucial: voc�.

"Se voc� est� fazendo seu devido dever, n�o deixe que importe para voc� se voc� est� sentindo frio ou calor, se voc� est� com sono ou se dormiu bem, se homens falam mal ou bem de voc�, mesmo se voc� est� no momento de morrer ou fazendo outra coisa: porque mesmo isso, o ato em que morremos, � um dos atos da vida, ent�o tamb�m aqui 'fazer o melhor que voc� puder' tamb�m � suficiente", escreveu Marco Aur�lio, o famoso imperador-fil�sofo romano, em seus di�rios conhecidos como as Medita��es.


Refugiados ucranianos
Como os ucranianos sabem, � um grande desafio lidar com algo fora do nosso controle (foto: Omar Marques/Getty Images)

Em particular, os estoicos recomendaram encarar cada desafio com justi�a, autocontrole e racionalidade. Enquanto eles entendiam que "paix�es", como raiva ou pesar, eram emo��es humanas naturais que provavelmente iriam emergir, eles tinham pouco tempo para elas, vistas por eles como sinais de que voc� est� ligado demais a um resultado que est� fora de seu controle.

S�neca, tamb�m um dos mais conhecidos defensores do estoicismo, tinha palavras particularmente mordazes para o senador romano C�cero, que "n�o tinha nem paz na prosperidade nem paci�ncia na adversidade". Em um momento particularmente negativo, escreveu S�neca, C�cero escreveu uma carta em que ele lamentava seu passado, reclamava do presente e se desesperava em rela��o ao futuro.

"C�cero se considerava um semiprisioneiro, mas realmente e verdadeiramente o s�bio homem n�o ir� longe o suficiente para usar um termo abjeto", disse S�neca, repreendendo o senador. "Ele nunca ser� um semiprisioneiro, mas sempre desfrutar� uma liberdade que � s�lida e completa, com a liberdade de ser seu pr�prio mestre e mais alto que todos os outros."

Veja cada desafio como uma oportunidade de aprender - e um teste

N�o apenas � poss�vel permanecer calmo diante de uma situa��o terr�vel, mas aqueles desafios s�o exatamente a forma com que n�s aprendemos a ser calmos, tanto que eles deveriam ser saudados - uma ideia que segue viva neste aforismo dos tempos modernos: "aquilo que n�o te mata te deixa mais forte".

Pode at� mesmo ser um sinal de que os deuses est�o a nosso favor, sugeriu S�neca: afinal, os deuses querem que "bons homens" sejam t�o formid�veis quanto possam ser, ent�o faz sentido que eles enviem testes para aquelas pessoas em particular.

Tais desafios tamb�m nos permitem entender melhor a vida em geral. "Ter sorte o tempo todo e passar a vida toda sem sofrimento mental significa permanecer ignorante sobre metade do mundo natural", escreveu S�neca.

Ent�o existe a imprevisibilidade sobre como tudo pode acabar: S�neca e os estoicos acreditavam que precisamos lembrar que mesmo as piores circunst�ncias podem, de alguma forma, ser boas para n�s no final.

Lembre-se que mudan�as (e perdas) s�o constantes

Parece imposs�vel n�o ser perturbado por externalidades como a morte de um ente querido. Mas os estoicos eram a favor de abra�ar radicalmente a realidade. E a realidade, eles ensinavam, significa mudan�as constantes, perdas e dificuldades.

"Algu�m tem medo de mudan�as? Bem, o que jamais pode acontecer sem uma mudan�a?", perguntou Marco Aur�lio. "Pode voc� tomar um banho se a madeira que o esquenta n�o for mudada? Pode voc� ser alimentado, a n�o ser que aquilo que voc� coma mude? Pode qualquer outro benef�cio da vida ser alcan�ado sem mudan�as? Voc� n�o v�, ent�o, que para que voc� seja mudado � igual e igualmente necess�rio para a natureza do Todo?"

Prepare-se para o pior

Apesar de defender a aceita��o da realidade, longe de se resignar para situa��es duras, os estoicos gostavam de se preparar para elas.. Eles particularmente se guardavam contra a armadilha t�o humana de "isso nunca aconteceria comigo". Humanos, afinal, tendem de ver as coisas cor-de-rosa quando pensam sobre o futuro: n�s n�o seremos afetados por desastres naturais, doen�as ou guerras, e o empreendimento econ�mico ou a rela��o rom�ntica ir�o muito bem, � claro.


Pessoa na varanda durante a pandemia de covid
A pandemia de covid-19 trouxe mudan�as enormes na vida de pessoas do mundo todo (foto: Aditya Irawan/Getty Images)

Se voc� alguma vez j� viu acontecer com qualquer outra pessoa, por�m, pode absolutamente acontecer com voc�, alertou S�neca.

"Deveria me surpreender se os perigos que sempre me cercaram um dia me alcan�arem?" Ainda assim, muitos recusam-se a pensar em ou planejar para esse tipo de desfecho.

"Um n�mero grande de pessoas planeja uma viagem mar�tima sem pensar numa tempestade", escreveu ele. "� tarde demais para a mente se equipar para enfrentar perigos uma vez que eles j� estejam l�. 'Eu n�o achei que isso fosse acontecer' e 'Voc� poderia ter imaginado que poderia se desdobrar nisso?' Por que n�o, nunca? Saiba, ent�o, que qualquer condi��o pode mudar, e qualquer coisa que aconte�a com outras pessoas pode acontecer com voc� tamb�m."

Segundo os estoicos, esses tipos de bloqueios nos conduzem a enormes decep��es. Ao considerar os piores desfechos poss�veis, n�s nos sentimos mais preparados emocionalmente para encar�-los quando eles chegarem.

Claro, n�s provavelmente ent�o nos prepararemos de forma pr�tica tamb�m - provavelmente deixando as coisas um pouco mais f�ceis caso um desastre realmente ocorra. Um exerc�cio ainda adotado em escrit�rios e departamentos governamentais por todo o mundo, hoje em dia, � frequentemente chamado de "premortem". Nos tempos antigos, tinha um nome mais interessante: era um "premeditatio malorum" (premedita��o de males).

Mas n�o se preocupe demais

Planeje para o futuro, sim, mas n�o fique preso nele. Tenha confian�a em sua pr�pria habilidade para enfrentar qualquer circunst�ncia lan�ada na sua dire��o - da mesma forma com que voc� sempre teve.

"N�o deixe que o futuro o perturbe. Voc� chegar� nele, se for isso que voc� precisa fazer, possu�do da mesma raz�o que voc� aplica agora no presente", escreveu Marco Aur�lio.

Em vez disso, concentre-se no presente momento. Isso inclui praticar gratid�o pelo que n�s temos agora, n�o focar naquilo que gostar�amos de ter (ou evitar) no futuro.

Atenha-se a fatos simples

Ele tamb�m alertou contra acrescentar quaisquer suposi��es adicionais para qualquer coisa que voc� veja. "N�o elabore para si mesmo al�m do que as impress�es iniciais lhe informam", escreveu o imperador-fil�sofo.

"Eu vejo que meu filho est� doente. Isto � o que eu vejo: eu n�o vejo que ele est� em perigo." Considere isso um antigo alerta contra catastrofismo, uma das "distor��es" contra as quais terapeutas comportamentais cognitivos ajudam pacientes a se proteger.

Ajude outros e pe�a ajuda - mas se proteja emocionalmente

Como os platonistas, os estoicos diziam que nosso principal objetivo em vida � nos sobressairmos em sermos humanos. A natureza humana �, acreditavam eles, social - tanto que a justi�a (a qual, na filosofia antiga, vai al�m do conceito de 'equidade' para incluir nossas obriga��es perante outras pessoas e nossas comunidades) era uma de suas principais virtudes.

Ajudar outros, portanto, era importante. Tamb�m era, por�m, nos protegermos contra adotar o sofrimento ou a raiva de outra pessoa t�o apaixonadamente quanto se ela fosse sua pr�pria. Sem d�vida, demonstre simpatia com algu�m que esteja consternado, escreveu Epicteto. "Mas n�o se solidarize com todo seu cora��o e sua alma."

Tamb�m n�o tenha vergonha de pedir por ajuda, escreveu Marco Aur�lio: �s vezes, � a �nica maneira de voc� completar a "principal tarefa" de sua vida - fazer a sua parte para contribuir da melhor forma que voc� puder.

N�o fuja de sentimentos dif�ceis

Apesar do desd�m pelas "paix�es", como pesar, e seu conselho para que n�o nos deixemos ser sugados por elas, os estoicos entendiam muito bem que, para a maioria de n�s, esses sentimentos ainda emergiriam.

Da mesma forma com que oradores modernos como Bren� Brown aconselham evitar "entorpecer" emo��es negativas, os estoicos argumentavam que n�s n�o dever�amos tentar "enganar" sentimentos como tristeza e raiva. Sair de f�rias ou mergulhar no trabalho os afasta apenas temporariamente. Quando eles voltarem, provavelmente voltar�o mais fortes.

"� melhor conquistar nosso pesar do que engan�-lo", escreveu S�neca. Mas como? Hoje psicoterapeutas podem sugerir "sentir os sentimentos", processando-os e falando sobre eles. Tara Brach, uma conhecida psic�loga cl�nica e guia de consci�ncia, sugere a "pausa sagrada" - dar um tempo para simplesmente parar e se conectar com nossas emo��es, mesmo no meio de um surto de raiva ou tristeza. Para S�neca, a solu��o � simplesmente estudar filosofia.

Pense no longo prazo e lembre-se que ele tamb�m vai passar

Um exerc�cio que Marco Aur�lio sugeriu foi imaginar que voc� est� olhando, do alto, para a Terra, vendo tudo que acontece. Ent�o imagine a longa linha de tempo da hist�ria: as pessoas que viveram muito antes de voc� e as que viver�o depois (como a vers�o antiga da visualiza��o de Grande Canyon que alguns terapeutas recomendam).

"Pense na exist�ncia como um todo, da qual voc� � apenas uma min�scula parte; pense em todo tempo em que voc� recebeu um momento breve e passageiro; pense no destino - em qual fra��o disso voc� est�?" Afinal: "Todo oceano � uma gota no Universo", escreveu o imperador. "Todo o tempo presente � um pingo de eternidade."

* Amanda Ruggeri � uma jornalista s�nior da BBC Future. Ela est� no Twitter como @amanda_ruggeri

Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.

J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)