Demais itens regularizados pela Anvisa s�o categorizados tecnicamente como produtos derivados de Cannabis, um segmento espec�fico criado em 2019 (Resolu��o RDC 327), que n�o tem indica��o terap�utica espec�fica e cuja an�lise de benef�cio deve ser feita pelo m�dico
A discuss�o sobre Cannabis medicinal e psiquiatria tem v�rias impropriedades, alertou, em entrevista, o diretor da Associa��o Psiqui�trica do Estado do Rio de Janeiro e filiado � Associa��o Brasileira de Psiquiatria, Marcelo Allevato. No caso da doen�a de Alzheimer, que � a forma mais comum de dem�ncia neurodegenerativa em pessoas de idade, por exemplo, Allevato descartou que haja rela��o com a Cannabis medicinal. "� uma dem�ncia, e a Cannabis n�o tem possibilidade nenhuma de tratar dem�ncia. Pode tratar, teoricamente, algumas altera��es de comportamento, mas n�o tem nenhuma evid�ncia consistente disso ainda n�o. � s� uma possibilidade."
Segundo Allevato, existem muitas impropriedades sobre “medicamentos” � base de Cannabis. Ele disse que, de acordo com a Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa), existe apenas um medicamento � base de Cannabis, mas destacou que h� produtos � base da planta, que s�o registrados com autoriza��o provis�ria, com dura��o de cinco anos, que podem ser usados quando se esgotam todas as possibilidades terap�uticas dispon�veis no mercado brasileiro.
Tudo isso est� englobado na Resolu��o da Diretoria Colegiada da Anvisa (RDC 327), que regula os produtos de Cannabis no Brasil. “Ent�o, falar de medicamentos � impropriedade, demonstra desconhecimento do assunto. O que � triste � que muitos m�dicos desconhecem tamb�m e s�o presas f�ceis de mensagens comerciais que n�o t�m a menor consist�ncia, na realidade”, advertiu o m�dico psiquiatra.
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Desenvolvido em v�rias fases, da concep��o da ideia at� os testes cl�nicos, e depois comercializado, o �nico medicamento � base de Cannabis existente no Brasil � o Mevatyl, liberado como adjuvante no tratamento de espasticidade na esclerose m�ltipla, causada por danos ou les�es na parte do sistema nervoso central (c�rebro ou medula espinhal) que controla o movimento volunt�rio. “Este � o �nico medicamento � base de Cannabis existente no Brasil. Chamar produto � base de Cannabis de medicamento � uma impropriedade”, reiterou o m�dico.
Confirma��o
A assessoria de imprensa da Anvisa confirmou que, at� o momento, o �nico medicamento � base de Cannabis registrado no Brasil tem o nome comercial de Mevatyl. De acordo com a Anvisa, o Mevaty � um medicamento, pois passou pelos mesmos requisitos t�cnicos aplicados a todos os demais registrados na ag�ncia, o que envolve estudos cl�nicos e comprova��o de seguran�a e efic�cia, entre outras exig�ncias. O Mevatyl foi registrado em 9 de janeiro de 2017 com indica��o no tratamento sintom�tico da espasticidade moderada a grave relacionada � esclerose m�ltipla.
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Os demais itens regularizados pela Anvisa s�o categorizados tecnicamente como produtos derivados de Cannabis, um segmento espec�fico criado em 2019 (Resolu��o RDC 327), que n�o tem indica��o terap�utica espec�fica e cuja an�lise de benef�cio deve ser feita pelo m�dico, de acordo com o caso de cada paciente. Segundo a Anvisa, os produtos derivados de Cannabis recebem autoriza��o sanit�ria, e n�o registro, para que possam estar � disposi��o dos pacientes. “Ou seja, a indica��o e a forma de uso dos produtos derivados de Cannabis s�o de responsabilidade do m�dico que assiste o paciente, que faz tal indica��o a partir da avalia��o de que seu paciente pode se beneficiar do tratamento, especialmente em casos para os quais n�o h� op��es terap�uticas dispon�veis”. Atualmente, existem 20 produtos autorizados pela Anvisa.
Sem libera��o
Allevato afirmou que n�o h�, em lugar algum do mundo, medicamento � base de Cannabis liberado para uso psiqui�trico. Legisla��es de alguns pa�ses permitem o uso de derivados da Cannabis em situa��es excepcionais, em algumas enfermidades. Isso ocorre, por exemplo, em Israel e na maioria dos estados norte-americanos. “Mas tudo dentro de um controle muito r�gido, ap�s se esgotarem as possibilidades terap�uticas”. O m�dico disse que, no Brasil, o que houve foi uma “tentativa de disseminar um uso que � completamente contr�rio ao que � preconizado. Na verdade, � disseminar um uso de maneira indiscriminada, ou seja, tenho ansiedade, vou tomar canabidiol”. O mesmo se aplica para depress�o, ins�nia, Alzheimer, autismo. O m�dico sustentou que n�o h� evid�ncia cient�fica s�lida para isso.
Ele admitiu, por�m, que, em casos em que o paciente n�o responde a nada, o m�dico pode usar esses produtos. � o chamado uso compassivo. De acordo com o psiquiatra, uma corrente que defende os produtos derivados da maconha sustenta que a divulga��o das supostas propriedades medicinais da Cannabis reduz a percep��o de risco recreacional. Para ele, o uso recreativo da Cannabis implica riscos que t�m sido cada vez mais avaliados, principalmente em pacientes vulner�veis geneticamente, ou que est�o em janelas cr�ticas do desenvolvimento. Nesses casos, a Cannabis pode levar ao desenvolvimento de psicoses, de depend�ncia e gerar altera��es no desenvolvimento cerebral, muitas das vezes irrevers�veis.
Momento complicado
J� a presidente da Associa��o Brasileira de Estudos de �lcool e Outras Drogas (Abead), Alessandra Diehl, destacou que o mundo vive hoje um momento complicado, em que interesses financeiros muitas vezes se sobrep�em ao interesse individual e coletivo. “Esse de ter algo que funcione para tudo, para mim, j� soa como um alerta. Como uma subst�ncia vai servir para tantas coisas ou tantas condi��es assim?”, questionou Alessandra, em entrevista.
Alessandra disse que h� uma desinforma��o crescente, porque se refor�a que algo possa servir para tudo, quando, na verdade, sabe-se que tem apenas condi��es espec�ficas em que existem evid�ncias comprovadas. N�o se trata, segundo a psiquiatra, da Cannabis medicinal em si, mas de um componente que seria o canabidiol (CBD).
A psiquiatra ressaltou que o sistema do canabinoide precisa ser desvendado, porque a� pode estar o segredo do desenvolvimento de medicamentos, at� para se saber um pouco mais de determinadas doen�as. Segundo Alessandra, n�o se pode dizer que o canabidiol funciona para tudo, porque ele pulou o caminho do desenvolvimento dos f�rmacos, que tiveram que passar por regula��es que lhe garantem condi��es de seguran�a, bioequival�ncia, biodisponibilidade, qualidade, dose terap�utica.
Outra vis�o
Vis�o diferente tem o m�dico Nelson Goldenstein, do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Goldenstein disse � que ficou estarrecido com a resolu��o do Conselho Federal de Medicina (CFM) que pro�be m�dicos de prescrever Cannabis para uso medicinal, bem como quaisquer outros derivados que n�o o canabidiol. O CFM vedou tamb�m a prescri��o de canabidiol para indica��o terap�utica diversa da prevista na resolu��o, com exce��o de estudos cl�nicos previamente autorizados pelo sistema formado pela Comiss�o Nacional de �tica em Pesquisa e Conselhos de �tica em Pesquisa. O psiquiatra afirmou, entretanto, que seguir� a resolu��o do CFM. Ele admitiu que o uso da Cannabis precisa de regulamenta��o, mas considerou que voltar no tempo � inadmiss�vel. Goldenstein salientou que h� descri��es na literatura do uso medicinal da Cannabis na China e na �ndia h� cerca de 6 mil anos, descrevendo a planta com efeito medicinal polivalente, ben�fico e terap�utico para v�rias condi��es.
Tais efeitos foram confirmados no s�culo 19 por m�dicos da Rainha Vit�ria, em expedi��es realizadas nas col�nias do Reino Unido, cujas publica��es comprovaram o uso terap�utico e polivalente da Cannabis no tratamento de problemas como epilepsia, ansiedade e ins�nia. At� o in�cio do s�culo 20, n�o havia proibi��o alguma para o uso de Cannabis, disse Goldenstein. As farm�cias de manipula��o, inclusive no Brasil, preparavam as f�rmulas prescritas pelos m�dicos � base de Cannabis. Segundo o m�dico, o laborat�rio Lille, dos Estados Unidos, vendia na d�cada de 1920 uma tintura de Cannabis para asma br�nquica, diminui��o da press�o arterial, ins�nia e ansiedade.
Goldenstein destacou que, em 1960, Raphael Mechoulam e sua equipe descreveram os at� ent�o in�ditos canabidiol e tetrahidrocanabinol (THC), abrindo espa�o para que pesquisadores americanos identificassem o sistema endocanabinoide (SEC) na d�cada de 1990. O SEC � considerado um importante aliado da regula��o e do equil�brio de uma s�rie de processos fisiol�gicos no corpo humano. O sistema oferece as condi��es naturais para que o organismo se beneficie das propriedades terap�uticas da Cannabis no enfrentamento de uma s�rie de doen�as.
O psiquiatra ressaltou que os perigos do uso indiscriminado e em doses elevadas da maconha j� eram falados pelos chineses 3.700 anos A.C. (Antes de Cristo), portanto h� 6 mil anos. � um risco que existe tamb�m com a anfetamina e a morfina, entre outras subst�ncias. Para Goldenstein, ser contra evid�ncias de 6 mil anos “� desconhecimento”, o mesmo ocorrendo em rela��o a estudos efetuados desde os anos de 1960, que atestam o uso polivalente e medicinal da Cannabis.
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