
"A humanidade tem uma escolha: cooperar ou morrer. Ou um pacto pela solidariedade clim�tica ou um pacto pelo suic�dio coletivo". A afirma��o marcou o discurso de abertura do secret�rio-geral da ONU, Ant�nio Gueterres, na C�pula dos L�deres da Confer�ncia das Na��es Unidas sobre Mudan�as Clim�ticas, em novembro deste ano. O alerta sinaliza a gravidade do impacto humano na natureza, causando, por vezes, danos irrevers�veis. O cen�rio de devasta��o ambiental afeta tamb�m a sa�de da mente. A preocupa��o com o futuro do planeta atinge, principalmente, os mais jovens e tem at� nome: ecoansiedade.
Esse termo foi primeiramente descrito pela Associa��o Americana de Psicologia, em 2017, como "medo cr�nico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevog�vel das mudan�as clim�ticas, gerando uma preocupa��o associada ao futuro de si mesmo e das pr�ximas gera��es".
J� em 2021, a palavra entrou de maneira oficial para o dicion�rio de Oxford, significando um "desconforto ou preocupa��o sobre o dano atual e futuro causado no meio ambiente pela atividade humana e a mudan�a clim�tica". A psicanalista e mestre em geologia ambiental, Ana Lizete Farias, explica que a ansiedade � uma rea��o a situa��es de perigo. E �, tamb�m, um afeto, pois chega � consci�ncia e provoca sensa��es.
"Sabemos que as mudan�as clim�ticas est�o acontecendo, existem estudos consistentes, mas n�o sabemos exatamente o que ir� acontecer, nem quando, nem a quem. Isso de algum modo come�a a gerar expectativas, que se potencializam dentro desse momento j� dif�cil da nossa hist�ria", comenta a psicanalista.
A Organiza��o das Na��es Unidas (ONU) define as mudan�as clim�ticas como transforma��es nos padr�es de temperatura e clima. A queima de combust�veis f�sseis, por exemplo, gera emiss�es de gases de efeito estufa, contribuindo para a reten��o do calor. Desmatamento de florestas, uso irrespons�vel da terra, ind�stria e transportes s�o outros elementos que emitem gases como di�xido de carbono e metano. Segundo a ONU, as concentra��es de gases de efeito estufa est�o nos n�veis mais altos em 2 milh�es de anos. A d�cada entre 2011 a 2020 foi a mais quente j� registrada na hist�ria da humanidade.
Ansiedade clim�tica sob � luz da psican�lise
A psicanalista Ana Lizete descreve a vida em sociedade atual como "era de traumatismos". "Em termos psicanal�ticos, vivemos numa era de traumatismos, ou seja, de muito sofrimento, de muitos choques culturais, desigualdades sociais, ambientais, econ�micas. Isso � parte da hist�ria da nossa civiliza��o", diz.
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� luz da psican�lise, em vez de apenas entender a ecoansiedade, tamb�m chamada de ansiedade clim�tica, como algo patol�gico, cabe observ�-la como "um importante encontro com a consci�ncia do nosso impacto no mundo". Ou seja, para al�m do trabalho individual em terapias, � necess�rio o desenvolvimento de redes de apoio e formas de organiza��o enquanto sociedade.
Acerca do impacto humano nas mudan�as clim�ticas, o caminho ideal para combat�-las � a cria��o e fortalecimento do senso de coletividade. "N�o podemos hiper-responsabilizar pessoas ou comunidades que est�o sofrendo as consequ�ncias das mudan�as clim�ticas", pontua Ana Lizete.
As viv�ncias de ativistas clim�ticos
A ativista Belle Avon, 21 anos, � estudante de ci�ncias ambientais na Universidade de Bras�lia (UnB) e conta o que a levou a trabalhar pela defesa do meio ambiente. "A gente passava por uma crise ambiental desde pequena, mas eu n�o compreendia e n�o sabia exatamente o que fazer", lembra a integrante do Movimento ecossocialista Bem Viver e Jovens pelo Clima.
O in�cio da pandemia, em 2020, foi o estopim para que Belle identificasse o "senso de urg�ncia" nas quest�es ambientais. "Hoje em dia, eu continuo atuando para organizar os estudantes pela pauta ambiental, mas de uma forma muito mais politizada e um ativismo que considero mais respons�vel, que luta pelo ambiente, pelo equil�brio ecol�gico, mas sem deixar de lado a justi�a social", comenta a estudante.
Como ativista, Belle atuou nas greves globais pelo clima, na estrutura��o do Jovens pela Clima em Bras�lia e na constru��o das comunidades agroecol�gicas do Movimento Bem Viver. "Para mim isso � muito lindo, porque � colocar na pr�tica tudo o que falamos sobre regenera��o do Cerrado, de trazer comidas de qualidade e a ideia de um veganismo popular", conta. Belle lembra, ainda, que a luta ind�gena no Distrito Federal foi um ponto marcante que a auxiliou na forma��o como ativista clim�tica.
A estudante ressalta que, al�m dos impactos ambientais profundos, as mudan�as clim�ticas afetam tamb�m a sa�de mental. "Isso vai por diversos fatores, como o medo constante de n�o dar tempo, de v�-lo correndo e os desastres continuando ou de observar que a pol�tica mundial n�o est� tendo solu��es verdadeiras que consigam mitigar as mudan�as clim�ticas", destaca Belle.
O ativista Eduardo Theodoro, 24 anos, cresceu em ch�cara e, portanto, sempre teve contato com a natureza. Como estudante de geologia, o jovem ampliou a forma��o como militante clim�tico. "A geologia est� muito preocupada com a extra��o e utiliza��o dos recursos naturais, ent�o era importante que a gente conseguisse promover um debate no curso sobre como conseguir alcan�ar isso de forma mais consciente ecologicamente", conta.
A preocupa��o com o futuro do planeta est� presente na vida de Theodoro desde o ensino m�dio. "Poxa, vou ser adulto e vou precisar guerrear por �gua?" era uma quest�es que causavam ang�stia no ent�o adolescente. Mas a ansiedade se agravou quando o ativista percebeu que o medo n�o era uma inquieta��o comum apenas da adolesc�ncia.
Assim como na vida da Belle Avon, a pandemia tamb�m impactou Eduardo Theodoro. "Me deixou muito ansioso, porque a pandemia era resultado do avan�o predat�rio do ser humano na natureza e que est� gerando consequ�ncias catastr�ficas para a gente", afirma.
Nas discurs�es ambientais, o conceito de "n�o-retorno" indica o ponto em que as mudan�as clim�ticas causadas pelo aquecimento global n�o poder�o ser mais revertidas. Para Eduardo, falta compreens�o da gravidade dos impactos humanos na natureza, "n�o s� para o futuro, para as gera��es que vir�o, mas � uma amea�a concreta para a nossa vida na Terra", pontua.
Como se manter firme?
A psicanalista Ana Lizete destaca a import�ncia de estar atento � necessidade de buscar ajuda profissional quando for preciso. "O que nos causa medo atrav�s de fatores externos, faz uma conex�o com as ang�stias que vem de dentro da gente, ou seja, do passado, da hist�ria de cada um, dos complexos, de fatos da vida que n�o se conseguiu lidar como pais, amores e assim por diante. E quando h� esse encontro, ou seja, aquilo que vem de fora se deparar com o que est� dentro de mim, podem gerar sintomas mais fortes e intensos como uma depress�o, as fobias, compuls�es", explica.
No entanto, perante as amea�as reais do futuro do planeta, a especialista aponta um caminho de luta e de organiza��o coletiva. "� preciso lutar, agir, reinventar-se diante das trag�dias. E sonhar sempre: sonhar sobre novos arranjos diante do caos atual do planeta, sonhar como um modo de resist�ncia, como uma maneira de reconstruir novos caminhos, como uma estrat�gia �tica e pol�tica", diz.
Os ativistas Belle Avon e Eduardo Theodoro corroboram essa perspectiva. Para Eduardo, "s� � poss�vel se manter firme na luta". J� Belle frisa a import�ncia da coletividade. "Ter companheiros que lutem com voc� te mant�m na luta, porque haver� momentos que estaremos mais abalados, mas ao mesmo tempo existe essa camaradagem e a coletividade vai nos fortalecendo", pontua a ativista.