
Depois do hiato com o isolamento causado pela COVID-19, as fam�lias agora se preparam novamente para os encontros de fim de ano. Com a briga nas urnas e a doen�a nefasta, o almo�o de Natal ganha um ingrediente diferente, um tanto quanto indigesto. Com toda a inquietude que paira no ar, n�o importa se s�o parentes ou amigos. A reuni�o para a data pode ser atrapalhada por desaven�as e discuss�es, mas tamb�m existem as pessoas que deixam isso de lado, em nome do respeito � diversidade de opini�es.

O caos pol�tico e social, as rela��es humanas cada vez mais distantes, reativas e movidas a preconceitos, o conflito de gera��es. Tudo no microcosmo de um evento genu�no, em que se celebra a paz entre pessoas que n�o se veem h� muito tempo. � o ponto de vista do escritor, publi- cit�rio e jornalista mineiro Tullio Dias. "� muito dif�cil quando voc� v� na sua pr�pria fam�lia tudo aquilo que combate. N�o consigo me sentir confort�vel com a hipocrisia de passar pano s� porque s�o familiares. N�o me d� paz de esp�rito. Como minhas pr�prias rela��es familiares s�o um pouco complexas, tive que aprender a conviver com essas quest�es na marra e fica mais f�cil defender minha vis�o e apenas adicionar esse ingrediente no liquidificador de emo��es. N�o se trata de falta de amor. Reconhecer e apontar as vis�es t�xicas � um ato de amor. A impress�o que fica � que �dio cega demais as pessoas para entenderem isso", diz.

Ele � autor do livro “O almo�o de Natal (Ou como sobreviver �s reuni�es familiares de fim de ano”), lan�ado pela Editora Letramento e dispon�vel no site da editora e na Amazon. A publica��o aborda a rea- lidade de muitas fam�lias brasileiras de modo �cido e inesperado, usando as festividades de fim de ano como plataforma para um desaba- fo, sem perder o humor.
"Existe mais de mim do que gostaria neste livro. S� que o tema 'briga familiar' ou 'almo�o de Natal' � extremamente universal, por isso fiz boas horas de pesquisa em f�runs, Twitter, blogs e portais para identificar os fatores mais comuns para n�o deixar faltar. Sem medo de ser clich�", comenta. E, invariavelmente, todos se identificam, em algum ponto, com a narrativa. A eterna confus�o entre discuss�es pol�ticas e partid�rias, Tullio conta, teve papel importante para a constru��o da obra, que procura nas experi�ncias e traumas de amigos do autor e pessoais um caminho para ela- borar o tema.
Na novela “Edif�cio Alvorada”, o primeiro trabalho de Tullio, lan�ada em 2021, tamb�m dispon�vel na Amazon, ele fala sobre a pandemia por um vi�s �cido e profano, como denomina. "Falar de coisas universais capazes de causar imensa identifica��o em qualquer pessoa � muito bom." O resultado s�o os livros que falam do Natal nesse momento em que a popula��o ainda lida com resqu�cios da pandemia, com a pol�tica tornando tudo mais sens�vel, e que chegam quase como guias para que o leitor se prepare para o que vai encontrar nos pr�ximos dias. Para isso, o autor aponta o dedo para si mesmo e seu c�rculo pr�ximo.
Sem contar ele pr�prio e a esposa, na fam�lia de Tullio todos eram a favor de Jair Bolsonaro. Em 2018, na primeira elei��o do presidente, ele lembra que as diverg�ncias ficaram mais evidentes e, agora, as discuss�es abrandaram um pouco, por assim dizer, mas isso no caso de seu n�cleo mais �ntimo, em espec�fico. Ainda sim, conflitos foram inevit�veis. "O que me levou a escrever foi a vontade de falar sobre as discuss�es familiares motivadas pela pol�tica, que ficaram muito comuns nos �ltimos anos. T�m acontecido muitas brigas, rela��es v�m sendo cortadas. A ideia dos livros � colocar em pauta esses conflitos, j� que toda fam�lia tem uma hist�ria de briga", conta.
MISTURA EXPLOSIVA
Para Tullio, tudo junto com as confus�es que geralmente acontecem em eventos de fim de ano, dessa vez com pitadas de pol�tica e pandemia. Quando se pensa no coronav�rus, por sua vez, as fake news contribuem para uma mistura ainda mais explosiva. Muitos parentes mostraram uma postura negacionista, questionando vacinas, medidas sanit�rias e a pr�pria realidade da doen�a, Tullio aponta. "Foi-se criando uma realidade paralela, e isso tamb�m moti- vou rupturas. Pol�tica e pandemia acabaram sendo quest�es dif�ceis de ser dissociadas. Muito do que se considera sobre a COVID-19 tem um vi�s pol�tico”, comenta.
A confeiteira Melissa Rios, de 42 anos, � de uma fam�lia numerosa. Contando apenas os irm�os da m�e, s�o 13, al�m de muitos primos e seus filhos. Eles s�o de Campo Belo, no Sul de Minas Gerais, e hoje residem, al�m da cidade de origem, em Belo Horizonte, Alfenas e Goi�nia. Uma parte sempre se re�ne no Natal, o que n�o aconteceu em 2020 e 2021, com o coronav�rus.
Para o pr�ximo domingo, o en- contro ser� realizado, finalmente, na casa da m�e de Melissa, em Campo Belo. A confeiteira confessa que est� receosa sobre como ser� o Natal, porque, principalmente quando se trata de pol�tica, os pa- rentes t�m opini�es muito divergentes, e alguns s�o mais intensos que outros na defesa de suas convic��es.
JUNTOS DE NOVO
Melissa conta que a fam�lia � bem dividida – enquanto a maioria, essencialmente do interior, � bolsonarista, de direita, a m�e, por exemplo, � simpatizante do Partido dos Trabalhadores (PT). A confeiteira n�o escolhe partido – diz que � a favor da democracia e contra atitudes antidemocr�ticas. "No dia da elei��o, foi tenso. E agora, depois de tanto tempo, estaremos todos juntos de novo."
Para ela, ainda que o Natal desse ano tenha esse car�ter em parti- cular, tamb�m �, ao mesmo tem- po, uma �poca que desperta sentimentos solid�rios, de focar no amor ao pr�ximo. Afinal, � o ani- vers�rio de Cristo, lembra. Na opi- ni�o de Melissa, isso � o que pode conduzir a um encontro tranquilo e harm�nico. "A vida j� � complicada demais para a gente arrumar mais complica��o. Funciona melhor se estivermos todos juntos. O ser humano precisa um do outro."